Carioca de 48 anos, Mônica Oliveira comemorou bodas de prata no ano passado. Vinte e cinco anos de casamento feliz com João. Os três filhos, Tiago, Lucas e Verônica, estavam na festa. Uma família unida, também na paixão pelo Botafogo. No dia 17 de maio, Mônica perdeu o marido, num infarto fulminante, aos 51 anos. No dia 1º de junho, perdeu o filho do meio, Lucas, comissário de bordo da Air France. Ele tinha vindo ao Brasil para o enterro do pai. Voltava para Paris no voo 447.
Como lidar com perda sobre perda? Quando existe um crime, a dor deságua na ação, no protesto, na indignação. Mas se o coração e um acidente levam em menos de um mês o marido e um filho, o que dizer a quem fica?
“Preciso de força em Deus para enfrentar o que estou passando”, disse Mônica pelo telefone ao repórter de ÉPOCA Matheus Leitão. Na quarta-feira, ela ainda falava em Lucas no presente. Apenas num momento usou o verbo no passado, mas engasgou a voz. “Tenho fé que ele ainda possa aparecer. Não quero acreditar que perdi um filho tão maravilhoso, brilhante, culto.” A irmã caçula, Verônica, dizia o mesmo: “Temos muita confiança na volta dele. Quero acreditar e tenho certeza que ele vai voltar”.
Lucas Gaglione Jucá Domingues de Oliveira, 23 anos, achou que seu mundo havia acabado em Paris, no mês passado, ao receber a notícia da morte precoce do pai. Era um rapaz maduro para a idade, fascinado por aviação. Falava cinco idiomas fluentemente: português, inglês, espanhol, italiano e francês. Foi aluno brilhante do tradicional colégio São Bento e também se virava em polonês, russo, romeno e eslovaco. Morava em Paris. Conversava sobre futebol com o pai por skype. Jogava vôlei de praia e dançava forró quando estava no Rio. Ao saber da morte do pai, pediu uma folga na Air France, onde trabalhava como comissário de bordo havia dois anos, e veio para ajudar mãe e irmãos. Em sua página no Orkut, escreveu: “Pai, saudade eterna... te amo”.
“Ele era superpreocupado com a família. Embarcou no voo 447 pedindo aos irmãos: tomem conta de minha mãe”, disse Mônica.
O repórter Matheus desligou o telefone abalado. Mesmo consciente de seu tato, ele sabia que tinha ouvido um choro que não lhe pertencia. Um choro que desconcerta, pontuado pela incredulidade e o apego à fé. Educada e discreta, Mônica não quis falar sobre ela própria. “Fale sobre meu filho.”
Perguntei a um amigo psicanalista, Luiz Alberto Py, cujos três filhos já foram internados no hospital por causa de um acidente de carro, o que ele diria a Mônica e aos que perderam pessoas queridas neste desastre aéreo. Ele respondeu: “O que a gente teve não perde. As lembranças estão dentro de nossa memória. Quando uma tragédia assim acontece, o que se perde é o prosseguimento, é o futuro. E o futuro é virtual, uma expectativa de algo que damos como certo, mas não é. Não se perde o passado. Isso pode parecer meramente racional – e é, porque a emoção não se traduz. Não se perde alguém que existiu. O que se perde é uma expectativa. Isso não é consolo, mas pode ajudar a retomar a vida. Pensar não no que perdi, mas no que tive o privilégio de viver. O passado precisa ser uma referência para a gente se nutrir. E não para se lamentar. Há várias formas de conviver com a saudade”.
Se um psicanalista, por profissão, precisa racionalizar a dor alheia para confortar, um jornalista precisa agir como, para contar a dor de seus entrevistados? Abstrair-se completamente? Ficar frio? A repórter Martha Mendonça, que ajudou a resgatar histórias das vítimas, escreveu no blog Mulher 7x7, de ÉPOCA: “A pior parte de ser jornalista é falar com familiares de alguém que acaba de morrer em situação trágica. Já entrevistei mães faveladas com filhos embaixo dos escombros depois da chuva. Os pais de uma menina que morreu de bala perdida. Mães de crianças desaparecidas e pais de meninos assassinados. Não foram poucas as vezes em que chorei. Sem perder o controle. Não é ético o jornalista que mostra que se importa?”.
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