J.R. Guzzo
Fogo amigo
"Hoje, pouco depois de completar seu primeiro aniversário no cargo, Minc está mais do que nunca numa batalha morro acima, com pouca munição"
Foi-se o tempo no Brasil em que o cidadão que corria mais risco de perder o emprego, dentro do governo, era o ministro da Fazenda. Ainda dá para lembrar dessa época, quando os ministros da área econômica entravam e saíam do governo como hóspedes de um hotel de beira de estrada; entre o momento de entrar e o momento de sair faziam pacotes, cortavam os zeros do dinheiro vigente na hora e tentavam explicar a funcionários do FMI contas que nem mesmo eles eram capazes de entender direito. Não é mais assim. Nos últimos quinze anos, o Brasil teve apenas três ministros da Fazenda – e poderia muito bem ter tido só dois, se Antonio Palocci não tivesse se envolvido na violação da conta bancária de um caseiro de Brasília. (Essa parcimônia na quantidade de ministros da Economia é um feito notável, pelo qual o Brasil teria todo o direito de ser admirado pela comunidade internacional; infelizmente, como em geral acontece com outras coisas boas que temos por aqui, quase ninguém no resto do mundo sabe de sua existência, e, dos poucos que sabem, a maioria não acredita que sejam mesmo boas. É uma pena.) O assunto, em todo caso, não é esse, e sim a constatação de que o cargo mais perigoso em Brasília, hoje em dia, é o de ministro do Meio Ambiente.
Que o diga o atual ocupante do posto, o ministro Carlos Minc. Sua antecessora, Marina Silva, era uma ecologista puro-sangue, com todos os predicados requeridos pela ideologia verde e por um governo de esquerda para brilhar nesse tipo de função; ganhou fama de candidata a Prêmio Nobel, mas perdeu o lugar, triturada pela máquina de moer ambientalistas que funciona 24 horas por dia em Brasília. Minc foi escolhido para substituí-la por somar em seu currículo, segundo se calculava, a pureza ecológica de Marina e o realismo de um funcionário que precisa lidar com rudes questões de ordem prática, como licenças para a construção de obras, despachos com fiscais ou negociações com deputados da "base aliada". Hoje, pouco depois de completar seu primeiro aniversário no cargo, Minc está mais do que nunca numa batalha morro acima, com pouca munição e debaixo de fogo inimigo – e, sobretudo, debaixo de fogo amigo.
Em sua última aparição no noticiário, o ministro estava metido num tenebroso bate-boca com políticos da "bancada ruralista", a quem acusou de "vigaristas" e por quem foi acusado de manter ligações com traficantes de drogas – "da Rocinha e do Morro do Borel". Minc disse que o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, está com pressa de asfaltar uma rodovia no Amazonas porque pretende apresentar a obra na sua campanha eleitoral para governador do estado, em 2010. Ouviu de um assessor do ministro que "não está acostumado a olhar para o mapa". Entre uma pancada e outra, teve uma audiência com o presidente da República, na qual reclamou que não adianta nada combinar as coisas com seus ministros se eles, logo em seguida, mandam assessores ao Congresso para desfazer o que foi acertado. Informou que não pode sustentar o meio ambiente se não for sustentado pelo governo e que a sabotagem a seu trabalho cria uma "casa da mãe joana" no ministério. É mais ou menos aí que estamos, no momento.
O ministro Minc, homem tido como habilidoso, pragmático e bom de conversa, já chegou ao governo com o motor roncando. Começou tendo um entrevero com o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, que em sua opinião seria capaz de "plantar soja até nos Andes". Deu voz de prisão a 3 000 bois no estado do Pará, para desestimular criadores de gado "piratas". Chamou de "Frankenstein" uma medida provisória do próprio governo que pretendia tornar mais fácil o licenciamento ambiental nas obras de recuperação de estradas. Esteve envolvido, enfim, numa sucessão de disputas com os ministérios dos Transportes, da Agricultura e de Minas e Energia – dirigidos, ao que se imagina, pelos "ministros machadinhas" dos quais ele fala. É verdade que Minc concordou em licenciar obras públicas importantes e, no geral, mostrou-se mais disposto do que sua antecessora a colaborar com os programas do governo. Mas isso parece muito pouco, num país onde se pressiona todos os dias por mais estradas, portos e ferrovias, que quer mais minas e mais energia e no qual é altamente improvável que alguém consiga convencer qualquer governo a reduzir, em vez de aumentar, as colheitas de soja, milho ou cana-de-açúcar.
Ministros do Meio Ambiente podem viver em paz na Europa, onde não há mais florestas a derrubar nem obras a fazer. Mas aqui é o Brasil.
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