terça-feira, junho 02, 2009

LUIZ GARCIA

Solução preguiçosa


O Globo - 02/06/2009
 

Existe uma quase unanimidade no Brasil a favor das cotas. Elas seriam o melhor remédio para compensar as desigualdades sociais. Surgiram para abrir as portas das universidades a jovens negros. 

É solução curiosa: pula por cima do problema real das deficiências do sistema público de ensino básico e procura compensá-las abrindo as portas do ensino superior para o grupo mais numeroso das vítimas dessas deficiências. Concentrar esforços na melhoria do sistema, nem pensar: dá muito trabalho, demora muito. 

Assim, desde que o sistema foi instituído, não se tem notícia de qualquer campanha ou ação oficial para melhorar as escolas públicas municipais e estaduais. As cotas resolvem aparentemente o problema; melhor, ignoram que ele exista. E parece haver, entre políticos, educadores e cientistas sociais, uma quase unanimidade em favor dessa solução preguiçosa. 

Por tudo isso, é, com perdão da má palavra, instigante ler a entrevista da antropóloga Yvonne Maggie no GLOBO de domingo. A propósito de decisão recente do Tribunal de Justiça, revogando lei estadual que criava a reserva de vagas nas universidades estaduais, ela defende precisamente o investimento na qualidade do ensino. E denuncia que estamos agravando a desigualdade, "escolhendo um punhadinho entre os pobres". 

Não poderia deixar de ser uma entrevista pessimista: "É muito difícil ir contra grupos que se apresentam como o povo organizado. Temos que lutar pelo povo desorganizado... que não está o tempo todo pensando de que cor é você, de que cor eu sou." 

Não muitos intelectuais brasileiros têm essa visão - ou, talvez, essa coragem. À qual não falta um tanto de ingenuidade: a antropóloga acha que as leis raciais não vingarão no Brasil, porque "os congressistas têm mais juízo". 

Na verdade, é preciso reconhecer que a ideia das cotas tem o encanto da simplicidade e da rapidez. Dispensa qualquer preocupação séria e de longo prazo com a qualidade do ensino médio. Basta abrir as portas das universidades para mais candidatos. Não apenas pelo critério da cor da pele. No Rio, como foi lembrado na entrevista de Yvonne, já há cotas para pessoas com deficiências físicas, para filhos de policiais e bombeiros. É muito mais fácil escancarar as portas do ensino superior do que oferecer a toda a população um ensino médio gratuito e de boa qualidade.

O Ministério da Educação tem o projeto de financiar a qualidade do ensino básico nos municípios mais pobres. Uma bela ideia, mas não depende apenas da existência de recursos. Sem fiscalização, boa parte do dinheiro acaba indo para fontes luminosas ou poltronas novas para o gabinete do prefeito.

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