terça-feira, junho 09, 2009

JANIO DE FREITAS

História velada

FOLHA DE SÃO PAULO - 09/06/09


O lucro de especuladores estrangeiros no país é riqueza criada no Brasil e não mantida em seu benefício



A GOTA ESPERADA para amanhã no pinga-pinga da redução dos juros, em reunião dos neoliberais do Banco Central, não altera a evasão sistemática da riqueza produzida pelo trabalho brasileiro e levada, ano após ano, pelos dólares especulativos cuja entrada o governo tanto saúda. Essa é uma forma de empobrecimento da economia, seus empregos e seu crescimento, e do futuro do Brasil, pela qual todo governo deveria responder nos tribunais.
Em mais um dos bons artigos que publica na Folha às segundas, Luiz Carlos Bresser-Pereira (agora enobrecido por um hífen) diagnosticou a onda de alta na Bolsa e a simultânea queda do dólar no Brasil, tomados no jornalismo e pela propaganda como sinais positivos. A massa de dinheiro que governos ocidentais vêm lançando contra a crise não tem a garantia de que todo ele "seja repassado para as empresas e os consumidores" dos respectivos países, observa Bresser-Pereira. Os especuladores "podem usar os recursos baratos para obter juros elevados [digo eu, lucros elevados] nos países emergentes" -que, aliás, nunca emergem. "Se, além disso, esse influxo de recursos externos especulativos provocar a valorização da moeda local [isto é, a desvalorização do dólar], melhor ainda, porque agora o especulador ganha também -e muito- com essa valorização. É essencialmente isso que está acontecendo com o mercado de ações. Estamos vivendo uma pequena bolha especulativa", o que se "soma à valorização perversa do real", "para infelicidade do Brasil".
Esse mecanismo oferecido pelo governo brasileiro é tão usurpador do Brasil, que, a rigor, para recolher e levar bom lucro os especuladores estrangeiros nem precisam aplicar todos os seus dólares baratos. Se US$ 100, ao entrarem aqui, foram trocados a R$ 2,50 por dólar ou R$ 250 no total, e em pouco tempo o dólar passa a valer R$ 2, os R$ 250 já representam US$ 125. Ou seja, lucro de 25% em dias ou poucas semanas, como ficou exemplificado agora mesmo. Sem o dólar precisar ir à Bolsa, bastando-lhe ficar no bolso.
Sem, no entanto, ficar no Brasil. Passada a bolha a que Bresser-Pereira se refere, tal como as anteriores, o dinheiro volta multiplicado para sua origem ou para outros territórios ofertados à especulação. E esse lucro que sai é trabalho, é investimento produtivo, é riqueza criada no Brasil e não mantida em seu benefício.
Mas não se trata de US$ 100. São milhões, dezenas de milhões, centenas de milhões, são bilhões.
Reproduzo outra vez Bresser-Pereira: "A grande oportunidade que esta crise global ofereceu ao Brasil ao lhe permitir, sem nenhum risco, voltar ao desenvolvimento econômico sustentado, baixando a taxa de juros e adotando medidas para controlar o câmbio, está pateticamente perdida".
Nada disso, porém, é feito sem motivos ou por falta de percepção. Aí há uma história velada, que levou Antonio Palocci à Fazenda e o peessedebista Henrique Meirelles ao Banco Central. E que nem José Dirceu nem a então embaixadora americana Donna Hrinak, de tantos e longos entendimentos no decorrer da campanha e antes da posse, têm o direito de esconder para sempre da história.

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