Sinais do varejo
O GLOBO - 15/05/09
A crise, quando desembarcou aqui com sua cara feia, no último trimestre do ano passado, trancou os cofres dos bancos, cancelou os investimentos e bateu forte na indústria. Já o varejo se aguentou. Caiu um pouco, mas voltou a subir em janeiro e fevereiro deste ano. Ontem saíram os dados do mês de março. Eles mostram ainda crescimento, mas em ritmo menor.
Varejo é um setor variado, e o dado agregado pode confundir. O volume de vendas registra uma queda nos primeiros meses e, depois, recuperação. Mas vários segmentos ainda estão no terreno negativo. O acumulado dos últimos 12 meses nos segmentos de calçados, tecidos e vestuário está no sexto mês negativo, apesar de em março ter tido o melhor resultado desde setembro. Os setores de móveis e eletrodomésticos estão negativos há dois meses. Artigos farmacêuticos e perfumarias nem viram a crise, continuam com resultados positivos no acumulado de 12 meses. O segmento de veículos e motos passou por três meses péssimos, dois estagnados e em março teve melhora. Material de construção cai há cinco meses.
Sempre se disse que os segmentos que dependem mais de crédito sentiram a crise e os bens de menor valor se seguraram. Hoje, nem esta explicação é suficiente, já que calçados e vestuário estão no negativo e o setor de veículos melhorou por causa da renúncia fiscal que o governo fez para incentivar a venda de carros. Mas a crise, que bateu instantaneamente na indústria, foi sendo transmitida de maneira diferente e mais lenta ao varejo. Alguns setores pesaram mais, outros se seguraram, mas, no geral, o que se vê agora é a desaceleração do ritmo de consumo. O ritmo de crescimento está menor.
“É normal o crescimento do comércio, descolado da indústria, que está em recessão. O governo reduziu o IPI de carros, eletrodomésticos e material de construção, as classes mais baixas têm transferência de renda, não tivemos ainda um impacto tão forte no emprego e na renda. E, com as taxas de juros começando a cair, há espaço para a prestação caber no bolso do consumidor. Tudo isso pode ajudar o varejo. Mas o comércio tem um peso pequeno no PIB”, diz o economista Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio.
O que deve acontecer daqui para a frente pode ser mais desaceleração e até queda do varejo, pelo efeito em cascata da redução do nível de emprego e da renda. Nenhum setor está longe o suficiente de uma crise que levará o país, inevitavelmente, ao PIB negativo em 2009.
O economista Ilan Goldfajn me disse ontem, numa entrevista na Globonews, que o dado a ser divulgado no mês que vem, do PIB do primeiro trimestre, vai confirmar a recessão. Que os trimestres seguintes terão melhoras leves. Este ano terminará com o país crescendo.
“Mas não será suficiente para o país reverter o resultado negativo em 2009. No ano que vem o país pode crescer, mas nada muito brilhante. A economia vai continuar crescendo abaixo do seu potencial. A recuperação será lenta.”
Aliás, ontem o jornal The Wall Street Journal divulgou sua tradicional pesquisa com os principais economistas dos Estados Unidos sobre a conjuntura econômica dos EUA. Eles acham que a recessão acaba em agosto, depois começa um período de melhora, mas a recuperação completa pode durar até três anos e dois milhões de empregos serão perdidos até o fim de 2009.
Marcelo Giufrida, presidente da Anbid, me disse que aqui no Brasil se sente muito menos o efeito da crise, mas que ela continua e que os bancos nos países ricos seguirão tendo os seus problemas.
“Os nossos bancos estão bem, mas não tenha dúvida: se continuasse aquele clima de pânico do fim do ano passado, até os nossos bancos sentiriam.”
Ou seja, ainda que não se possa dizer que o fundo do poço chegou, houve um perigo extremo que já foi contornado. Agora, ficamos com o cotidiano da crise na economia real, que vai se espalhando setor por setor.
Ontem, a Abinee, que representa o setor de equipamentos eletroeletrônicos, informou que a luz amarela voltou a acender em abril, depois de um mês de março que parecia melhor. Segundo relato do repórter Alvaro Gribel no blog, o presidente da entidade, Humberto Barbato, contou que, numa pesquisa feita entre os associados, constatou-se que 67% venderam menos em abril do que no mesmo mês de 2008. Esse porcentual havia caído de 72% em janeiro para 51% em março e voltou a subir.
“Isso significa que o primeiro mês do segundo trimestre não começou bem.” As reduções do IPI, segundo ele, não resolvem o problema, porque têm efeito apenas pontual, no setor beneficiado.
Os exportadores, que tinham perdido capacidade de exportação quando o dólar subiu, agora se queixam da queda. É que quando subiu foi no auge da crise. Não havia crédito para exportar e o cliente estava cancelando as vendas. Agora que em alguns setores há melhora de preços e demanda, a queda do dólar realimentou aquela velha reclamação dos exportadores sobre perda de competitividade.
Os indicadores que saem no dia a dia mostram que, de fato, o primeiro trimestre do ano foi fortemente negativo ainda, confirmando uma recessão.
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