Tempo instável
O GLOBO - 19/04/09
Alvaro Gribel é um jovem jornalista enfrentando sua primeira crise econômica. Trabalha comigo no blog. Na quinta, ele me ligou, quando eu estava a caminho do aeroporto, estranhando três notícias simultâneas: uma imobiliária americana tinha quebrado, o JP Morgan tinha dado lucro e a arrecadação do Brasil, caído. A nota no blog foi, então, sobre os sinais contraditórios dos tempos atuais.
Este é um momento da crise econômica em que surgem, diariamente, sinais bons e ruins. Os primeiros acalantam a ideia de luz no fim do túnel, já os outros confirmam a certeza de que o túnel é longo. Um tempo complexo. Não está afastado o risco de novos agravamentos, mas há uma esperança de que cada trimestre seja melhor do que o anterior na lenta pavimentação para o fim desta crise, sem antecedentes e limites.
A China deu alguns bons sinais, houve uma ligeira alta de algumas commodities e as análises passaram a ser sobre a suposta recuperação chinesa. Uma avaliação menos apressada mostra que os chineses ainda estão patinando e mantêm suas vendas com táticas de liquidação de fim de feira. A mesma tática usada pela Índia para despejar na China seu minério de ferro. Má notícia para o Brasil, que perdeu o lugar de segundo maior fornecedor de minério para a China.
Os bancos americanos têm anunciado lucros acima do esperado no primeiro trimestre deste ano e passaram pelo “teste de estresse” do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos. Fim da crise bancária? Longe disso. Os testes de estresse têm cenários benignos demais, alertam os economistas. Os ativos tóxicos estão todos lá, e os lucros são, em parte, fruto dos anabolizantes injetados pelo Tesouro nos bancos, à custa dos contribuintes. O sistema de crédito continua funcionando precariamente, aqui, lá e acolá.
A quebra da General Growth lembra que os Estados Unidos não venceram ainda nem o detonador original da crise, a queda do valor dos imóveis. A indústria automobilística está vendo esgotar os 60 dias que ganhou do governo americano sem encontrar amortecedores para os seus desequilíbrios. Enfim, os Estados Unidos, origem e propagador da crise atual, não removeram as crises bancária e imobiliária e nem o risco de falência da indústria automobilística. O tormento econômico está longe do fim, e não estão descartadas novas surpresas desagradáveis. Na segunda-feira, a Casa Branca vai se reunir com as companhias de cartão de crédito, onde mora um dos fantasmas dessa crise.
No Brasil, o Banco Central detectou sinais de que as medidas para dar mais liquidez aos bancos pequenos e médios – como a garantia via Fundo Garantidor aos depósitos deles – estão surtindo efeito. Mas o BC admite que o crédito ainda não se normalizou depois do brusco colapso de setembro.
O país tem a vantagem do atraso. Até agora, o Banco Central já reduziu em dois pontos porcentuais e meio a taxa de juros, liberou R$ 100 bilhões de depósito compulsório, emprestou US$ 22 bilhões aos bancos para restabelecer os créditos ao comércio internacional e às empresas com dívidas externas, vendeu US$ 14,5 bilhões no mercado a vista e US$ 35 bilhões em derivativos. Mas os juros ainda estão em 11,25% e o Banco Central continua com R$ 160 bilhões de compulsório. Os juros podem e vão cair na próxima semana, e muita munição está na mão do BC.
Novas quedas vão passar pela mudança da remuneração da caderneta de poupança, área na qual o presidente Lula e o ministro Guido Mantega têm mostrado uma espantosa imperícia. Não se especula sobre mudança na poupança em país traumatizado. Fala-se dela com clareza quando houver decisão tomada. O tema também não se presta aos contorcionismos de palanque do presidente: queda da remuneração não é proteção a poupador, é diminuição do ganho da caderneta.
O Ministério da Fazenda e o Planalto continuam fazendo uma administração discutível da crise. A arrecadação cai, e o governo amplia o gasto com medidas dadas a setores escolhidos, com fortes lobbies empresarial e sindical. Quem anunciou a queda do IPI da linha branca foi o Paulinho da Força Sindical. O ministro Guido Mantega apenas o ratificou.
A redução da meta de superávit primário era esperada. A saída da Petrobras também. Mas isso não é um sinal de boa governança, de separação entre a empresa e o governo. Está havendo um explícito retrocesso nesta área. Basta conferir dois sinais desta semana. A promessa de redução do preço do diesel foi feita pela ministra Dilma Rousseff aos caminhoneiros, em reunião no Planalto. O presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli, admitiu que o preço é político. Uma empresa cujos preços são definidos desde a Casa Civil, com concordância do seu maior executivo, um militante partidário, é um braço do governo – e do partido –, e não uma empresa com critérios transparentes e auditáveis, como deveria ser uma companhia de capital aberto.
Os sinais da conjuntura também são contraditórios. Gráficos que publicamos no blog (www. miriamleitao.com) mostram isso: a produção industrial despencou, as vendas do comércio se mantiveram com apenas um pequeno soluço no fim do ano passado. No varejo, as vendas dos setores que dependem do crédito caíram, o resto se manteve ou cresceu. A queda da inflação aumentou a capacidade de compra das pessoas. Mas em junho sairá o dado do PIB do primeiro trimestre. Ele vai confirmar que o Brasil está em recessão.
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