O imponderável ficou maior
Rodrigo de Almeida
JORNAL DO BRASIL - 27/04/09
Os prazos são razoáveis, a descoberta se deu no estágio mais inicial do linfoma, as chances de cura parecem grandes e a fortaleza com a qual habitualmente se cerca e se move dão à ministra Dilma Rousseff credenciais suficientes para se manter no jogo – como a forte chefe da Casa Civil, a líder do principal programa de desenvolvimento econômico do governo e candidata a candidata em 2010. Mesmo assim, está-se inegavelmente diante de uma bomba gigantesca. (Houve quem classificasse a notícia do sábado como um terremoto).
É delicado tratar de assuntos de saúde no mundo político, mas este caso se revela especial: Dilma é a principal ministra e a preferida do presidente Lula para disputar sua sucessão pelo PT. Sua saúde, portanto, entrará na equação política daqui para frente. Não seria diferente em qualquer país do mundo. Eis por que o tema foi tratado no sábado como assunto de Estado, com uma admissão serena e exemplar da doença e do tratamento, por Dilma, ao lado do ministro Franklin Martins (Comunicação Social).
Os males que temos, no corpo e na alma, têm de ser combatidos. Os tumores, lancetados. Os medos, vencidos. Merecem, pois, a solidariedade e a torcida da família, dos amigos, dos aliados mais próximos, dos adversários mais distantes e mesmo de quem, com alguma sensibilidade, não parece preocupado com os rumos do atual governo e da sucessão presidencial do ano que vem.
Este é um lado da moeda: a aposta individual de Dilma na cura do câncer que a abate. No outro lado, a aposta dupla, a conjugação de esforços – pessoais e partidários – tanto na tarefa da cura quanto na manutenção de sua condição de primeira-ministra-candidata. É aí onde doença, presente e futuro políticos vão misturar-se ainda mais. Nenhuma dúvida sobre qual lado ela escolheu.
Ouvindo no fim de semana intelectuais e parlamentares petistas, conclui-se que ambos, PT e governo, darão tempo ao tempo. Em público, há uma avaliação corrente de que, na prática, pouca coisa muda. Por ora. Apostam-se nas credenciais citadas na abertura da coluna. O líder do PT na Câmara, Cândido Vaccarezza, sublinhou que o nome de Dilma está consolidado em todas as correntes do petismo e que a revelação do câncer não muda essa consolidação. É uma conduta correta. Seria mesmo cedo qualquer desvio de rota no momento. Mais do que isso, seria inútil, descortês e desonesto agir diferente. Há alguns meses à frente para o quadro adquirir contornos mais nítidos.
É preciso reconhecer, porém, que, embora a sucessão esteja longe, uma eventual troca de candidato, se vier a ocorrer, deverá ser realizada até o início de 2010. Se muito. Neste campo, é possível enxergar alguns cenários no horizonte próximo. Um deles é mais otimista para Lula, Dilma e PT: o sentimento de solidariedade e simpatia, comuns nesses casos, pode ajudá-la. A ministra já enfrentou outros momentos complicados em sua vida. Vencendo mais esse drama, sai dele curada e, por que não, publicamente santificada – ainda que seja um ganho involuntário, sem qualquer semente publicitária que associe a vitória contra a doença à superação das adversidades políticas (até porque a conduta da ministra desabona qualquer possibilidade de exploração do caso).
Um outro cenário torna a coisa mais difícil. A saúde de um potencial presidente é assunto de interesse público, sobretudo porque o país já viveu o trauma de Tancredo Neves, há 24 anos. A notícia do fim de semana instaurou uma dose adicional de imponderabilidade à sucessão. Enquanto não houver a certeza da plena recuperação médica de Dilma, fica prejudicada não só a costura de apoios políticos e empresariais, fundamental na pré-campanha, quanto o próprio desempenho da ministra à frente do governo. Nenhum dos cenários é perfeito, e só o tempo imediato ajudará a abrir os possíveis caminhos – de Dilma, dos partidos e dos eleitores.
Mea-culpa
Jornalismo e política muitas vezes andam unidos pela mão da insensibilidade e da frieza. Ou outra definição não se pode dar às exigências do ofício – analisar os passos políticos demarcados por um drama pessoal. Com o pedido de perdão, vão aqui a expressão de desvelo e os votos de sucesso pleno à ministra nesta que provavelmente será a luta mais penosa e profunda de uma vida repleta de desafios pessoais e políticos.
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