segunda-feira, março 30, 2009

RICARDO NOBLAT

O preço de um senador


O Globo - 30/03/2009
 
Cadê os quase R$ 7 milhões pagos de horas extras a 3.800 funcionários que não trabalharam em janeiro durante o recesso do Senado? O gato comeu. Dos 81 senadores, dez mandaram que seus funcionários reembolsassem o Senado. E nem todos o fizeram. É sempre assim: o escândalo mais recente desidrata o anterior, que desidrata o anterior, que...

Difícil é mudar a cabeça das pessoas para sair de uma cultura de ilegalidade” – José Roberto Arruda, governador do Distrito Federal

Por mais constrangedor que seja, ponha-se no lugar do presidente do Senado. O que seria pior? Se todos os funcionários devolvessem o que receberam, estaria confirmada a denúncia original de que o Senado pagou por algo que não foi feito. Desperdiçou dinheiro público. Se a maioria não devolve, como provar que recebeu sem trabalhar — embora tenha sido isso o que aconteceu?

Heráclito Fortes (DEM-PI), 1º secretário do Senado, observou outro dia que o mais certo a fazer quando o mundo desmorona é proteger a cabeça e pedir a Deus para que tudo passe logo. Cauteloso, ele aconselhou a colega Roseana Sarney (PMDB-MA), líder do governo do Congresso, a ter cuidado com os jornalistas que possam ter aprendido a decifrar linguagem labial.

Luciana Cardoso, filha do ex-presidente Fernando Henrique, é funcionária do gabinete de Heráclito. Mal põe os pés por lá. Trabalha em casa “porque o Senado é uma bagunça”. Heráclito negou-se a comentar o que ela disse. Uma funcionária do gabinete de José Sarney (PMDB-AP) admitiu que trabalhou na última campanha dele sem se licenciar do Senado. O que comentou Sarney? “Perguntem a ela”. Ora, já perguntaram.

O gato também comeu as 181 diretorias que existiam no Senado. Sarney prometera reduzi-las à metade. Extinguiu 50. Na véspera de extinguir mais 50, concluiu que as 181 não passavam de 38. As outras 143 eram diretorias fantasmas. Diretorias de um homem só beneficiado com salário e vantagens reservados a quem dirige. Gato gordo e esperto, esse que corre solto no Senado.

Quase tudo ali é legal porque se ampara em leis e decretos aprovados pelos próprios senadores. Mas grande parte do quase tudo é moralmente indefensável. Há 10 mil funcionários para servir a 81 senhores. Dos 10 mil, 3.500 foram aprovados em concursos. Há 3 mil terceirizados por meio de 29 empresas e 3.500 nomeados para cargos em comissão. Um senador pode dispor de até 53 funcionários.

Por lei, o maior salário da República é o de ministro do Supremo Tribunal Federal: R$ 24.500. Cerca de 700 funcionários do Senado ganham mais que isso. Entre 1995 e o ano passado, os gastos com pessoal cresceram 378%, contra uma inflação de 186% no período. A folha de pessoal da Câmara foi de R$ 2,6 bilhões em 2008. São 15 mil funcionários para 513 deputados. A folha do Senado foi de R$ 2,3 bilhões.

Senador tem direito a 15 salários por ano — os dois últimos a pretexto de financiar o retorno ao seu Estado para as férias de janeiro e o retorno a Brasília em fevereiro. Os funcionários recebem uma “ajuda de custo” paga em dezembro e em fevereiro, mas que não aparece no contracheque. Desta vez foram R$ 83,4 milhões. Acrescente os R$ 7 milhões pelas horas extras de janeiro... É uma festa!

Em 2007, o Senado pagou R$ 481 mil em diárias a senadores e funcionários que viajaram ao exterior. No ano passado foram R$ 700 mil — 45% a mais. Senador tem direito a passagens aéreas para seus Estados. Se quiser — e muitos querem —, pode até doar as passagens a amigos e parentes. Só com passagens, foram gastos R$ 40 milhões nos últimos dois anos.

Tem senador que recebe ajuda de moradia, embora tenha casa em Brasília. E tem senador que mora de aluguel pago pelo Senado porque cedeu o apartamento funcional a familiares. Tem funcionário que mora em apartamento de senador. Mas isso não é nada se comparado ao número de funcionários que moram em Brasília, mas não trabalham. Ou que moram nos Estados e também não trabalham.

Um senador custa por ano o que custam cinco deputados — R$ 33,8 milhões. Vale?

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