segunda-feira, março 30, 2009

NAS ENTRELINHAS

Não façam o que eu faço


Correio Braziliense - 30/03/2009
 


Um ótimo cassino para jogar hoje em dia é o Brasil de Lula. 100% de chance de ganhar. É só pegar dólares emprestados, o que anda baratinho, trocar por reais e comprar títulos do governo brasileiro


Uma das coisas mais curiosas dos últimos dias foi o presidente da República dizer que não estabeleceu prazo para a construção do um milhão de habitações do novo, e elogiável, programa federal. Daí que, segundo Luiz Inácio Lula da Silva, o governo não deva ser questionado no futuro sobre o ritmo da execução do programa. Lula parece que descobriu a fórmula para manter o monarca sempre feliz, a salvo da cobrança dos súditos. O governo vai erradicar a tuberculose. Quando? Sei lá. O governo vai acabar com o analfabetismo. Quando? Não enche. O governo vai duplicar a rodovia do litoral. Para quando vai ser? Vê se não amola. 

O Brasil parece mesmo um país vocacionado para coisas bizarras. Investigação aponta grave suspeita de que o senador fulano de tal recebeu dinheiro de uma empreiteira. E não é que o senador recebeu mesmo? Dinheiro legal, com recibo, declarado à Justiça Eleitoral. Custava as autoridades checarem, antes de divulgar a informação? Vai ser uma pena se escorregões assim acabarem atrapalhando o importante trabalho das instituições na luta contra os malfeitos. 

E as prévias do PSDB? A Justiça Eleitoral decidiu que elas podem sim acontecer, desde que na clandestinidade. Os “pré-candidatos” tucanos não podem fazer propaganda nos meios de comunicação. Nem mesmo montar um modesto web site para explicar por que desejam sentar naquela cadeira do Palácio do Planalto. Ah, sim, podem mandar e-mails, mas só para filiados ao partido. E se um filiado qualquer pega o e-mail e manda a um não filiado, estará cometendo crime eleitoral? E se o sujeito imprimir o e-mail e mostrar para um amigo, pode ser multado? 

Em Viña del Mar (Chile), no encontro de presidentes progressistas, Lula empostou a voz para dizer que “o mundo está pagando o preço do fracasso de uma aventura irresponsável daqueles que transformaram a economia mundial em um gigantesco cassino”. É verdade, Lula tem razão. Há porém um problema. Um dos melhores cassinos para jogar hoje em dia é o Brasil governado por Lula. O apostador joga com 100% de chance de ganhar. Basta tomar emprestados dólares, ou euros, ou ienes (tudo muito baratinho hoje em dia), trocar por reais e comprar títulos do governo brasileiro. É filé sem osso. O único cassino em que o dono (o contribuinte brasileiro) sempre perde.

Lula disse também que é hora de fortalecer o Estado. Possivelmente para que não aconteça como no Brasil, onde o governo federal terceirizou para uma instituição controlada pelo setor privado (o Banco Central) a execução da política monetária, dando no que deu. Isso foi mais uma piada minha. Mas só até certo ponto. Lula deveria ser mais cuidadoso em situações como a do Chile. Normalmente, reuniões de chefes de Estado são convescotes bem-educados. Mas vai que alguém cobra do nosso presidente por que ele não dá um jeito no spread bancário nacional. Pior ainda se Lula acabar sendo chamado às falas por um colega loiro de olhos azuis. 

País bizarro, mundo bizarro. Nos próximos dias, vamos ter a reunião do G-20 para discutir o andamento da crise mundial. Vai ser um desfile de governantes pregando contra o protecionismo, enquanto cada um deles dá tratos à bola sobre a melhor maneira de proteger o seu próprio mercado da concorrência estrangeira. Lula também está nessa. Quando a Embraer pôs na rua mais de 4 mil funcionários, Lula questionou por que as empresas aéreas nacionais compram aviões lá fora, em vez de encomendar à nossa Embraer. É lógico. Façam o que eu digo, mas não façam o que eu faço. 

No seu furor antiprotecionista, Lula deveria dar o exemplo. Baixar a zero, por exemplo, as altíssimas tarifas de importação para produtos de informática. Seria um passo e tanto no rumo da inclusão de milhões na era digital. Mas Lula parece andar ocupado demais para se preocupar com coisas assim, banais. Outro dia, ele afirmou peremptoriamente que não é hora de os sindicatos pedirem aumento de salário. Ora, deve haver setores em que isso é verdade. Em outros, talvez não. Não seria melhor deixar esse assunto para os sindicatos? O que é que o presidente da República tem a ver com isso? 
Bizarro.

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