BOI DE FOGO NO VELÓRIO DO CANEIRO
Andava calmo o velório, do cumpade Caboré, uns rezavam outros choravam, outros tomavam café, outros se riam baixinho, sem muito qüé-ré-qüé-qüé, e num caixão enfeitado, o Caboré espichado olhando o dedão do pé.
A única coisa que perturbava, era um casal de mosca amorudo, que teimava em sentar praça no buraco da venta do falecido, numa fodança esvoejante, como se ali fosse um motel de zero estrela.
A viúva Michela de Zé Tambor – uma gordalhuda bonitota – soprava e abanava com um lenço, e as moscas nem… Voavam uma coisinha e voltavam a chamegar. As beatas rezadeiras, rezavam e abanavam com as mãos, e o casal de mosca ali na maior priapada de gozo, voando, pousando e chamegando.
Os veloristas ficaram meio constrangidos, assistindo aos voejos circulares, e a sodomia moscal, na venta defuntica do cumpade Caboré, que apesar de morto não era lá essas coisas todas: Em vida, nunca deu um prego numa barra de sabão, e era o maior conhecedor das bundas vadias da região. Brincalhista de plantão e cachacista, só tomava dois tipos de bebida: nacional e importada, se esta última passasse engarrafada em sua frente.
Como se não bastasse, vivia metido em fodistério ilegal, com tamanqueiras de baixa cotação, e também nunca enjeitou um brecha nos peitos de mulher mamalhuda, mesmo que fosse em velório lamentoso e bem chorado. Por isso, aquela se-mostrança do casal de mosca não era motivo pra tanta melindrez por parte dos veloristas.
Num dado momento, a viúva disse: “– Basta!” Foi lá dentro, armou-se de uma bomba de Detefon, e bradou um grito de guerra:
– Garanto que vai ser hoje
Que o defunto se sacode
Mas este casá de mosca
Na venta dele não fode!!!!
E tome fu… fu… fu… de arma química. Detefonou a cara do falecido que ameaçou espirrar, mas foi impedido pelo lenço vermelho do Bispo Dom Ricardo, que temia mais uma invencionice de beata com esses casos de milagre bem milagrado. O bispo já não agüentava os santos de carne que elas inventavam, quanto mais um possível São Detefon ou Santa Michela de Zé Tambor que fez o defunto espirrar.
Diante da arma química, o casal de mosca pensou que a terceira guerra havia começado e caiu num óbito de torar.
Uma velorista rezadeira e choradeira, que estava num ora-pro-nobis concentrado da gota-serena, achou a reza desimportante diante de tamanha heresia, chamou a viúva na grande, e disse-lhe:
– Quem sois tu mezenga? Quem sois tu pra detefonar a cara do falecido só mode o sassarimbar dum casá de mosca? Eu sei que sois viúva, que tais anecessitada de sentimento, que tais a beira de um esgoto-nervoso e destress, de tanto sofrer nas mão desse femeeiro e cachaceiro defuntento duma figa, que Deus o tenha! Mas arrepara que tu também não sois melhor do ele não! Tu sois é mulher fregona, freguesada pra macharia, e não tens nem um pinguim de moral pra essas moscas chameguentas, muito menos pro falecido Caboré!
A viúva, ferida na viuvez e na moral, partiu pra cima da velha que nem um leiloeiro raivoso pra cima da banqueta, e disse com voz metralhosa, com dentes trincados, com meia boca e entronchando os beiços:
– Dou-lhe uma! Dou-lhe duas! E dou-lhe três!
Fez da bomba de detefon um martelo, e acunhou por três vezes o tambor de lata na cara da rezadeira, que ficou com a marca de óleo salada do flandre estampada na fuça. A bomba se abriu, e a velha levou uma dedetizada tão da gota, que passou uns vinte anos sem piolho do tanto de veneno que se banhou. Foram três chapoletadas tão seguras, que a pedra dum anel da viúva zuniu e foi se enfiar num geremum caboclo que tinha em cima do petisqueiro.
Os veloristas tomaram partido, e a trincheira, era o caixão de defunto, com o falecido de mãos postas e um riso nos dentes. Do lado do contra, estava uma bruaca noitista, também viúva-rameira de Caboré. A bicha tirou o véu preto que disfarçava a cara, jogou pra trás do vestido também preto, atracou-se com uma vela do castiçal feito uma espada, e que nem um Zorro de cera ferido na viuvez de quenga, deu vaza a toda valentia, e gritou:
– Assassina de defunto!!! Viúva envenenista! Rapariga de soldado! Serás da SUCAN por acaso? Sua hipopota bixiguenta do istopor! Passe pro lado de cá e venha me detefonar que eu tou aqui vê-i-vi vê-a-vá e lhe cor-tê-o-tó de gilé-te-é-té!!!
Como capoeirista de bordel, e cheia de cachaça, a bruaca tentou desaplicar um rabo de arraia mal aplicado e findou acertando uma rasteira no tamborete de baixo do caixão, e o defunto, POFE!… danou-se no chão, com caixão, tamborete e tudo. Com o território sem trincheira, uma saraivada de bufete se seguiu, que se enrolou feito ninho de cancão. O boi de fogo era tão grande que tinha gente procurando por si mesmo. Michela de Zé Tambor que sempre foi dessas bichona nadeguda, deu uma sobrada de bufete, caiu sentada e afundou o mapa-munde da bunda na cara dum rezador de setenta anos, que por pouco não virou minuto de silêncio.
No meio dessa alegria de doido, Dom Ricardo, cheio de Ricardia, tentava sem êxito acalmar os ânimos, e jangadeava pra lá e pra cá no mar de tapa-olho, puxavante, bufete, rasteira e abusamento. Gritou uma hora de camaíííí!!! até a briga acabar.
O catacumbista chegou, fechou o caixão de segunda com tampa desadornada, escurecendo por dentro, a morada do cachacista Caboré. Enquanto isto, a viúva toda sentida e arranhada, atarraxava a rosca das trancas. De repente, ouviu-se de dentro do caixão, aquela fala abafosa e desamplificada:
– Michela meu bolofote
Teu veneno me amarga
Nem que tu feche esta rosca
Esse casá de mosca
De tua saia não larga!!!!
As moscas saíram de dentro do caixão, voando atrás da viúva que endoidou com medo até de mosquito. Caboré ficou ali verdadeiramente entregue às moscas, sem viúva e sem parente. Teve tudo que sonhou pra depois de morto: duas latas de sardinha que serviam de castiçal pra duas velas sisudas que insistiam em não chorar, e um lote de cachaceiro que veloriava uma garrafa de cana na tampa do caixão que virou mesa. Na hora do enterro o cortejo de terceira parou em cinco vendas, para reabastecimento, e nos dois quilômetros descampados da Reta do Valentão no prumo do cemitério, foram socorridos pelo último pedido de Caboré: duas garrafas de cana estrategicamente colocadas dentro do caixão para uma bicada no céu. Na hora de baixar sepultura, o cachacista orador pediu a palavra. Com pernas de compasso de um lado a outro nos dois beiços da cova, devidamente espinafrado, discursou:
– Caboré, cumpade véio de guerra!… Caboré, cumpade véio de guerra!…Caboré, cumpade véio de guerra!… tomaste nu cu, cumpade véi!
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