Isso vale para um Legislativo mais decente do ponto de vista ético, mas vale também para um Parlamento mais eficiente em relação ao papel de representante popular contratado no voto para tratar primordialmente dos assuntos de interesse geral. A tendência de deputados e senadores é a de transferir a responsabilidade por suas mazelas. Ora culpa o Poder Executivo, que o mantém refém das medidas provisórias, ora culpa o Poder Judiciário, que atua no vácuo de sua omissão legislativa.
Mas há momentos, como agora, em que culpa também a imprensa que o obriga a explicar por que razão vive em meio a tamanha permissividade. Ao ponto de há praticamente dois meses quase diariamente se divulgar um procedimento ilegal ou imoral, tanto na Câmara como no Senado. Começou com um corregedor infrator na Câmara, continuou com a série de deformações administrativas no Senado, evoluiu para promessas de providências imediatas e hoje, 60 dias depois, tudo continua exatamente como antes.
A situação não é nova nem pode ser creditada a este ou aquele parlamentar. O sistema é de colegiado, cada um lá dentro vale os votos que teve, não há relação de hierarquia nem imposição que não possa ser transposta pela tomada de consciência, senão da maioria, pelo menos de parte da instituição. O Parlamento, contudo, queda-se perdido em suas distorções, rendido à mais absoluta paralisia e completamente desconectado do mundo em volta. Há, claro, a percepção de que a reputação de um congressista hoje nem sombra é do que já foi.
Mas a inquietação é tênue em comparação à força da inércia. Por exemplo, logo no início dessa última leva de denúncias, um grupo de parlamentares tentou organizar uma reação. Marcada a primeira (e única) reunião, apareceram 29 congressistas, dos 594. As manifestações de solidariedade ao senador Jarbas Vasconcelos, que, na tribuna, conclamou os colegas a agir diferente, a se posicionar contra os abusos, ficaram na declaração de intenções.
E, diante de todas as barbaridades relatadas no noticiário, a semana terminou com o Senado mobilizando energias para reclamar da operação da Polícia Federal que investiga as relações promíscuas entre a construtora Camargo Corrêa, partidos e políticos.
Sobre as irregularidades, a única providência efetiva foi um acerto entre o PT e o PMDB para cessarem as agressões mútuas a fim de que parassem também as denúncias. De que adianta se as mazelas continuam lá? De que valem comissões de “alto nível” para discutir saídas para a crise econômica mundial se a palavra dos parlamentares perde crédito?
E perde não por obra de uma conspiração contra o Congresso, mas por conta de um conjunto de atos que leva a sociedade a concluir que aqueles eleitos para representá-la, na pratica parlamentar cotidiana, só atuam em defesa de interesses localizados. São os interesses dos lobbies e não as demandas da sociedade o que movimenta o Congresso. Ou alguém se lembra de alguma ação de peso do Parlamento relacionada a temas como saúde pública, segurança, educação?
Um Parlamento que não produz um acompanhamento eficaz do PAC, mostrando o que ali é fato e o que é fantasia eleitoral, não pode reivindicar credibilidade para propor soluções à crise econômica mundial.
Mas não é preciso ir tão longe. Bastaria que os congressistas se sensibilizassem com a crise que os assola no ambiente de trabalho, nas ruas, na televisão, em toda parte.O símbolo maior desse distanciamento é o momento da troca de comando no Congresso. Descontadas as exceções que ficam relegadas ao campo das insignificâncias, nenhum candidato faz campanha para presidente ou integrante da Mesa Diretora dando o menor sinal de que se sente um delegado popular.
No lugar de sugestões de melhoria geral, o que se vê são propostas de mais benefícios individuais num Parlamento que engorda e se prostra perdido na própria lassidão.
De casa
Contratado pela construtora Camargo Corrêa, investigada pela Polícia Federal por lavagem de dinheiro, remessa ilegal de dólares para o exterior, superfaturamento de obras públicas e doações ilegais a partidos políticos, o advogado Márcio Thomaz Bastos foi o responsável pela saída “honrosa” que o PT achou para explicar o repasse de dinheiro a partidos da base aliada do governo, negando a existência do mensalão. Ministro da Justiça à época do escândalo, em 2005, Thomaz Bastos aconselhou o PT a adotar a versão de que os negócios entre legendas guardavam relação única e exclusivamente ao uso do caixa 2 em campanhas eleitorais. É do criminalista também a frase, dita ainda no tempo de ministro, segundo a qual “caixa 2 é coisa de bandido”.
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