sábado, maio 16, 2020

Bozo x Moro! As Videocassetadas! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 16/05

A gravação da reunião ministerial tem mais palavrão que meme da Dercy!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! O vírus se recusou a contrair o Bolsonaro. Deu negativo pra Covid. E positivo pro centrão. Deu negativo pra presidente.

E positivo pra cloroquina! E a coisa mais cafona que o Moro já fez foi ser padrinho da Carla Zambelli. Rarará!

E atenção! Bozo x Moro! Videocassetada! Covídeo! O vídeo da reunião ministerial em que o Bozo ameaça o Moro tem mais palavrão que meme da Dercy Gonçalves! Tanto faz divulgar na íntegra, todo mundo já sabe mesmo. Só tem palavrão. Só vai ter píííí! “Querem fu...pííí minha familia.” “Os ministros do Supremo são 11 filhas da pu...pííí.” “E o Maia pííí.” E quando falaram mal da China devia ter legenda em mandarim. Rarará!

E três são os motivos pro Bozo querer trocar o diretor da PF: Flávio, Eduardo e Carluxo!

Breaking News! 1)Tuiteiro Ary Kenner: “O que é mais eficaz pra Covid-19: a cloroquina do seu Jair ou os feijões do pastor Valdomiro?”. O feijão do pastor Valdomiro! Cloroquina só funciona se aplicada com
Doritos. Com Eibicin sabor camarão. Rarará! 2) O general Heleno não vota no Bolsonaro, é devoto do Bolsonaro. Rarará! 3) TV Maresol: com o uso da máscara, já é permitido peidar no transporte público. Oba! 4) Poção, Pernambuco: “Boi invade lotérica e tumultua fila do saque dos R$ 600”. É o gado furando a fila. E até o boi fez o saque e você continua em análise! E o meme do dia: “Meus queridos, se o povo não entendeu o que é ‘fica em casa’, vai entender o que é lockdown?”.

E o Bozo é o LOCODOWN . Quer abrir tudo! Um cuspindo no outro! Na realidade, ele quer que o Doria abra as pernas. Isolamento vertical é ser enterrado em pé. E a definição do chargista VT: “Você salva a economia na vertical e descansa em paz na horizontal!”. Ele quer reabrir o comércio com o centrão!

Adorei esta: Capitão Contágio inclui academia e salão como essenciais. Tá certo! Se é pra morrer, pelo menos morre com o bíceps definido. Rarará!

E como disse uma amiga: “Imagina chegar no Sírio ou no Einstein com a raiz aparecendo e o as unhas por fazer!”. Nunca!

E o Sensacionalista: “Bolsonaro quer incluir milícia como atividade essencial”. Já é!

E o ex-sinistro da Saúde não é essencial. Nem quando tava vivo. Rarará! O Ministério da Saúde só tem militar. Tem tanto general no governo que não deve tá sobrando mais nenhum. Eu quero quatro generais pra Amazônia. Não tem! Acabou! Rarará!

Nóis sofre mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

José Simão
Jornalista, precursor do humor jornalístico.

Parece loucura, mas tem método - BOLÍVAR LAMOUNIER

Revista IstoÉ

O bolsonarismo é uma força política perigosa, agressiva e hostil à ordem democrática


É lógico que uma democracia representativa digna do nome não tem condições de se firmar onde a ética da impessoalidade do Estado não se desenvolva; e tal ética, por sua vez, não se consolida se as Forças Armadas se mantiverem no universo do populismo ou do caudilhismo. Em qualquer país, a inexistência de harmonia entre essas esferas institucionais cedo ou tarde dará ensejo a retrocessos e, no limite, ao próprio rompimento da ordem constitucional. No Brasil, tal situação ficou claramente exemplificada nos episódios da renúncia de Jânio Quadros (1961) e do desgoverno de João Goulart (1961-1964).

Em 1945, logo ao regressar da guerra na Itália, o marechal Mascarenhas de Moraes deu o cartão vermelho para o ditador de plantão, o Sr. Getúlio Vargas, e exigiu a realização de eleições e a convocação da Assembleia Constituinte, como viria a ocorrer em 1946. Mesmo nos 21 anos (1964-1985) em que exerceram autoritariamente o poder, os militares não permitiram a personalização do poder, como era tradicional na América Latina.

No período recente, o populismo e a corrupção dos oito anos de Lula, aos quais se seguiram a incompetência e o voluntarismo econômico de Dilma Rousseff abortaram a retomada do crescimento econômico, mas o desarranjo institucional não chegou a se configurar plenamente, graças, é certo, ao penoso processo do impeachment de Dilma, Mas comparado ao ciclo Lula-Dilma, o momento atual suscita preocupações bem maiores.

A partir da eleição de 2018, a reação às sandices e tensões cultivadas pelo PT e o esvaziamento dos partidos de centro deixaram o espaço aberto para o surgimento de uma força política — o bolsonarismo — perigosa tanto na base quanto na cúpula. Na base, devido ao vazio de ideias, à hostilidade contra a ordem institucional e à agressividade dos adeptos de Jair Bolsonaro. Na cúpula, o presidente em vez de apaziguar os ânimos, fomenta os antagonismos; em vez de observar a liturgia do cargo que ocupa, não perde uma chance de desmoralizá-lo. Será tal comportamento uma simples emanação de idiossincrasias ou peças de uma estratégia que parece ser loucura, mas pode ter método. ´
Fato é que, alternando ameaças e gaiatices, Jair Bolsonaro parece empenhado em esticar a corda, em testar limites e em debilitar os anticorpos ainda existentes no Congresso, no STF e nas Forças Armadas. É um filme que já vimos muitas vezes, mas nunca tendo no papel principal um personagem tão manifestamente descerebrado.

Ramos quer a imprensa como soldado servil a general da cloroquina. Não terá - REINALDO AZEVEDO

UOL - 16/05

Ele está confundindo imprensa com quartel. Não vai rolar!


Quando o coronavírus começou a assombrar o Brasil, o presidente Jair Bolsonaro tinha o seu diagnóstico e o seu prognóstico: gripezinha. Quando os governadores adotaram, prudente e felizmente, medidas de isolamento social, ele se lançou em guerra: queriam destruir a economia, disse ele. E pronunciou algumas frases que vão entrar para história. Basta reproduzir agora uma delas que todas estarão representadas: "Todo mundo morre um dia". E, como de hábito, culpou a imprensa.

Sim, a imprensa séria e que se respeita tem um papel fundamental nestes dias: salvou milhares de vidas. Não fosse por ela, a ameaça que o patógeno representa não teria ficado suficientemente clara. Tem sido parceira fundamental dos governadores na tarefa de tentar impedir o caos no sistema de saúde. Em que consiste essa parceria? Em fazer o contrário do que faz Bolsonaro: a gente informa.

Pois é. Nesta sexta, no balanço dos 500 dias de governo Bolsonaro, o general Luiz Eduardo Ramos, secretário de governo e coordenador político do Planalto, resolveu dar um pito na imprensa. O chefe dele sai por aí a provocar aglomerações; vira garoto-propaganda de uma droga útil para outras doenças, mas inócua para a Covid-19 — e perigosa em qualquer caso se mal administrada; rompe com seu próprio ministro da Saúde (perdeu o segundo em menos de um mês), com os governadores e com lideranças importantes do Congresso; provoca uma crise política com o Ministério da Justiça em razão de interferência indevida na Polícia Federal... Em suma: o líder não lidera, mas é liderado pelo caos que ele mesmo provoca.

E o general Ramos, que é da ativa, faz o quê? Ora, resolve criticar a imprensa e dar aula de bom jornalismo. Falaríamos, os jornais, em excesso de mortos, caixões, más notícias. Daríamos pouco destaque aos que se curam. Em primeiro lugar, é mentira. Em segundo, note-se: quem se cura não precisa de leitos de enfermaria, de leitos de UTI, de respiradores, de anestésicos, de equipamentos de proteção individual...

Negando que queira minimizar a crise, o general volta a fazer aquela conta absurda, injustificada, sobre o número de pessoas que morrem em acidentes. O raciocínio é tão lunático que nem errado consegue ser. Ainda que fossem coisas comparáveis, e não são, há uma circunstância de logística — e o general é ele, não eu — que eleva o absurdo à condição do indizível. Acidentes de automóveis e todas as outras causas de morte não provocam o colapso no sistema de saúde. A menos que se incentivasse a contaminação em massa e, "manu militari" — e espero que não haja ninguém com saudade de dar porrada em pobre —, as pessoas fossem impedidas de buscar socorro.

Não há controvérsia sobre a forma como o vírus se espalha. Sua força está na aglomeração e no convívio social. Com um distanciamento ainda que malfeito, temos mais de 200 mil contaminados. Dá para imaginar o que estaria em curso não fosse isso a que ele considera alarmismo.

Na verdade, senhor, falta ainda que a imprensa faça uma outra coisa certa. E o senhor, militar com boa formação, há de entender. E eu lhe direi qual é a conta certa. Todos os Estados deveriam cotejar o número de óbitos havidos em março, abril e maio com o do ano passado. Aplique-se, a título, se me permitem a expressão, de crescimento vegetativo das mortes uma elevação de uns 5% e pronto! O que exceder esse dado majorado, senhor general, deve ser atribuído ao coronavírus. Deixo aqui a sugestão de pauta aos coleguinhas. E então saberemos o total real de mortos. E olhe que ainda poderá estar ligeiramente subestimado porque deve ter caído drasticamente o número de vítimas do trânsito e das estradas.

Há, sim, general, certa dose de desinformação no que a imprensa divulga: o número de contaminados e de mortos é brutalmente maior. É que falta um critério seguro para chegar ao real. Este que proponho, para vítimas, é seguro. Afinal, na média, as mesmas causas de antes continuam a matar agora. Isso não mudou. O dado novo é o coronavírus.

OBEDIÊNCIA E INSUBORDINAÇÃO DEVIDAS

Não acho, general, e o senhor sabe disto, que a política seja terreno em que devam se meter os militares. Sou conservador. Defendo o que defende Samuel Huntington em "O Soldado e o Estado". Ele também é um conservador, um cara de direita. Acha que militar deve ser objetivamente controlado pelo poder civil, mantendo-se longe da política e servindo ao Estado.

Mas o senhor está aí. E tem de se conformar com a vida civil. Não existe regime de obediência devida fora dos quarteis ou do campo de batalha. Convive-se com a divergência porque é ela o apanágio essencial da democracia. Aliás, convém lembrar que o Código Penal Militar pune as formas de desobediência nos Artigos 163, 193 e 301, mas abre a brecha para desobediência da ordem manifestamente ilegal: parágrafo 2º do Artigo 38. Não fosse assim, como assinala Coimbra Neves, "teríamos um 'jogo dos absurdos' em que o militar, que por essência está compelido a ser legalista, deveria cumprir uma ordem ilegal sob pena de incursão em recusa de obediência."

Nem nos quarteis vigora a teoria das baionetas cegas, não é mesmo? O senhor não espera contar com isso na sociedade. Aliás, obediência cega faz mal até no Palácio do Planalto.

De resto, o ataque de Ramos à imprensa é despropositado porque não se faz por aqui nada além do que se faz na imprensa no mundo democrático. Da mesma sorte, medidas de isolamento social foram adotadas em todo o Planeta. E não para derrubar governos, mas para salvar vidas.

Paulo Guedes igualmente está insatisfeito com as críticas. Falo sobre ele daqui a pouco. Por alguma razão, e isto vaza no tom iracundo do seu pronunciamento, ele acha que está a nos prestar um favor e que sofre mais do que a gente.

E isso também é falso.

Seu pronunciamento evidenciou que lhe é impossível ser ao menos respeitoso com a divergência. Fica para daqui a pouco.


As disputas de Guedes - ADRIANA FERNANDES

O Estado de S. Paulo - 16/05

Se tem algo que incomoda o ministro na aliança entre Bolsonaro com o Centrão é um avanço sobre os bancos públicos

Se tem alguma coisa que pode tirar o ministro da Economia, Paulo Guedes, do sério na aliança em construção do presidente Jair Bolsonaro com o Centrão é a tentativa de avanço sobre os bancos públicos: BNDES, Caixa e Banco do Brasil. Esse é o sinal.

O presidente já atropelou pontos importantes da agenda econômica do ministro, mas ao final os dois acabam sempre arrumando um jeito de acertar os ponteiros, numa relação simbiótica de patamar bem diferente daquela que havia entre Bolsonaro e Sergio Moro.

É só fazer uma retrospectiva dos embates em torno das empresas retiradas do alvo do programa de privatização, a reforma administrativa, a autorização para lançamento do Pró-Brasil, o congelamento de salários dos servidores públicos e o atraso do presidente em vetar a lei do auxílio emergencial aos Estados e municípios. Isso só para citar a lista mais recente das disputas bolsonarianas com o seu ainda superministro.

Após a tensão de ontem, em Brasília, com a demissão do ministro da Saúde, Nelson Teich, Guedes fez discurso no Palácio do Planalto de completo apoio à estratégia do presidente, ao lado de outros três ministros. “O presidente é um homem determinado”, justificou. Em discurso alinhadíssimo, apelou: “Vamos subir em cadáveres para se aproveitar do governo?”

Guedes já havia participado da marcha empresarial de Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF) e da polêmica videoconferência em que o presidente instigou a guerra dos empresários com os governadores. Ele também assinou a Medida Provisória (MP), considerada inconstitucional, e que isenta agentes públicos de serem responsabilizados por erros que cometerem durante o enfrentamento da pandemia da covid-19 ou de seus efeitos na economia do País.

“Tamo junto”. É o que diz o ministro sobre o presidente. Mesmo que o presidente esteja demorando (já passou uma semana) para vetar artigo da lei que permite reajustes de dois terços dos servidores públicos. Guedes cobra e Bolsonaro dá tempo para governadores e prefeitos darem os reajustes. Mas ele estava lá no Palácio.

Como revelou o Estadão, foi tudo acertado com o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, para o reajuste dos salários de policiais. Guedes chiou? Não. A assessores, diz que o acerto dos reajuste já havia feito há seis meses. E a espera continua.

Guedes já aceitou indicações políticas para cargos do seu gigantesco ministério e deverá aceitar outros. Os indicadores dos cargos terão que cuidar dos seus indicados. Numa espécie de porteira fechada às avessas. Eles que respondam pelos seus erros.

Mas não mexam no quintal mais importante do seu jardim. É o que ministro chama de “principais ferramentas” para a sua política econômica. Essas ele não abre mão, como ocorreu na reação ao Plano Pró-Brasil, lançado a sua revelia e momento em que chegou a pensar se valia a pena continuar no governo. É mexer no que ela acha que está no caminho certo.

A blindagem dos bancos públicos é central para a equipe econômica. Tem gente de olho também na secretaria especial que representava o antigo ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Por isso, as notícias recentes de divisão do Ministério da Economia.

Como a divisão do ministério, os bancos também estão na mira do Centrão.

É onde tem o poder da concessão do crédito e onde o teto de gasto não é uma restrição. Basta decisão política. Explico: as capitalizações de empresas estatais estão fora do teto. É um espaço de cobiça para 2021, quando o Orçamento de Guerra não estará mais em vigor, assim como a licença para gastar com dinheiro do Orçamento.

A Caixa é o principal alvo. Ainda mais agora que é a responsável pela distribuição do auxílio emergencial de R$ 600 para a população de baixa renda e os trabalhadores informais atingidos pela covid-19. Uma arma eleitoral e de prestígio tão poderosa que dificilmente o ministro e sua equipe conseguirão acabar com o benefício no prazo determinado.

Se antecipando, o Ministério da Economia começou a desenhar uma reforma na política social para depois da pandemia, já que não conseguirá manter os R$ 600 para tanta gente, mas sabe que terá que dar uma resposta nessa área. Imprescindível para o momento. Um embate que pode ajudar a reverter gastos tributários ineficientes, injustos, e subsídios para setores específicos que não se justificam num cenário em que a população vai sair mais pobre ainda da pandemia.

É jornalista

A pílula da vez - MERVAL PEREIRA

O Globo - 16/05

Um governo voluntarista que coloca em risco a população que preside e tenta fugir do controle das instituições democráticas


A cloroquina é a pílula do câncer da vez de Bolsonaro. A obsessão do presidente Bolsonaro com a cloroquina, que derrubou o ministro da Saúde Nelson Teich e já colocara o ministro anterior, Luiz Henrique Mandetta na linha de tiro, pode ser explicada pela busca de um remédio milagroso que permita dar a sensação de segurança aos cidadãos para abrir a economia. Assim como fez campanha pela pílula do câncer e, ao ser perguntado se acreditava mesmo na sua eficácia, respondeu: ” Sou Capitão do Exército. Minha especialidade é matar, não é curar ninguém. Se cura, não sei. Mas vamos dar uma chance àquele que está com dia marcado para morrer”.

A Medida Provisória que ele editou esta semana pode ser considerada a “excludente de ilicitude” da Covid-19. Aquele instrumento, que foi rejeitado pelo Congresso, dizia que o agente público não pode ser culpado quando age sob "escusável medo, surpresa ou violenta emoção". Na Medida Provisória relacionada à Covid-19, os agentes públicos “somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as medidas de combate ao coronavírus (…)".

O espírito é o mesmo, isentar de culpa agentes públicos que se excederem no cumprimento do dever, até mesmo provocando mortes, como no caso da cloroquina. Inclusive o próprio presidente.

No mundo, poucos são os que defendem a cloroquina com tanta obstinação quanto Bolsonaro, que também nesse ponto se equivale a Maduro, da Venezuela. Nem mesmo o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, continua nessa defesa, depois que estudos acadêmicos diversos demonstraram que a cloroquina não apenas provoca danos colaterais variados, que podem ser fatais, como não tem se mostrado eficaz no combate ao Covid-19.

Falou-se até que Trump seria sócio da farmacêutica francesa Sanofi, que produz a cloroquina, mas, mesmo existindo, essa participação na empresa é tão insignificante que não parece razão para sustentar o apoio. O dono da farmacêutica, sim, é um dos grandes financiadores eleitorais de Trump.

Já com Bolsonaro, embora haja muitos boatos nesse sentido, não há evidências de interesses comerciais para sua insistência, mas apenas o caráter autoritário de um presidente que precisa de uma desculpa para agir na contramão do mundo, encerrando o distanciamento social horizontal para implantar o vertical, protegendo apenas os grupos de risco. É um interesse eleitoreiro claro.

Há também um erro de decisão que fez com que o Brasil tenha comprado da Índia 530 quilos de insumos para a fabricação de cloroquina. Também o Laboratório Químico Farmacêutico do Exército aumentou 80 vezes sua produção, passando de 250.000 comprimidos a cada 2 anos para combate de doenças como malária e lúpus para 1,2 milhões em um mês e meio.

O maior perigo dessa segunda demissão no ministério da Saúde, no momento em que o Brasil se aproxima dos 15 mil mortos pela pandemia da Covid-19, e ameaça chegar a mil mortos por dia, é a irresponsabilidade de Bolsonaro, que acha que, por ter sido eleito, tem o direito de decidir de acordo com sua vontade, e não com base científica.

Um governo voluntarista que coloca em risco a população que preside e tenta fugir do controle das instituições democráticas que dão os limites ao presidente da República. Esse voluntarismo está presente, por exemplo, nesse caso da reunião ministerial que é a prova material que pode definir a denúncia contra ele por interferência indevida na Polícia Federal.

Bolsonaro já disse que poderia ter destruído o vídeo, e não poderia. Estaria cometendo um crime, pois o vídeo é um documento do governo brasileiro que, se quisesse destruí-lo, teria que preencher diversos requerimentos e protocolos e talvez nem pudesse fazê-lo se a decisão fosse tomada apenas com base na sua vontade. Pior ainda se a intenção fosse obstruir a Justiça.

E é essa mesma obsessão autoritária que faz com que considere normal querer que a Polícia Federal lhe repasse informações “ouvidas atrás da porta”. O exemplo que deu, de pais ouvindo atrás da porta para saber o que os filhos estão fazendo, mostra que o de que ele sente falta mesmo é de informações colhidas fora das normas legais.

Erros do general e do procurador - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 16/05

Divulgar o vídeo não é atentado à segurança nacional, como diz Heleno, nem causará instabilidade, como afirma Aras



O general Augusto Heleno diz que a divulgação do vídeo da reunião ministerial seria “quase um atentado à segurança nacional, um ato impatriótico”. O procurador-geral da República, Augusto Aras, usou argumentos políticos — em vez de teses jurídicas — para defender que não seja divulgada a íntegra da reunião. Segundo Aras, poderia provocar “instabilidade pública” e ser usada como “palanque eleitoral precoce para 2022”. O que provoca instabilidade é um presidente criando uma sucessão interminável de crises no meio de uma pandemia. O que ameaça a segurança nacional é colocar vidas em risco com prescrição de medicamentos não comprovados e o incentivo ao descumprimento da recomendação das autoridades médicas do mundo.

O general Heleno comete um erro velho, o de confundir interesses de um governo com os do país. Governo é passageiro, a Nação é permanente. Mentes autoritárias fazem essa confusão. Regimes fechados fazem essa fusão porque assim manipulam o sentimento de amor à pátria para encobrir seus erros. A democracia é diferente. Impropérios na boca do presidente, críticas à China feitas em reunião de governo, ministros bajuladores tentando agradar o chefe — um propõe a prisão dos ministros do STF, outra sugere a de governadores e prefeitos — esconder isso não é proteger a segurança nacional.

Segurança nacional é preservar vidas, e o presidente da República as coloca em risco quando insiste de forma obsessiva com seu plano de decretar a abertura imediata da economia. O mundo está perplexo diante do descaminho no qual o Brasil entrou. Embaixadas começam a receber a orientação de que devem reduzir seu pessoal no Brasil, porque o país está sendo considerado área de risco nesta pandemia, pela maneira insana com que o presidente está conduzindo a resposta à crise. Para Bolsonaro estar certo, o mundo teria que estar errado. A verdade é que ele é o alienista machadiano.

Ontem, Bolsonaro derrubou o segundo ministro da Saúde em menos de um mês, provocando a descontinuidade administrativa na área mais sensível no momento. Quanto tempo se perdeu com os ataques constantes do presidente ao trabalho do Ministério da Saúde? Isso sim é um atentado à segurança nacional. Isso sim provoca “instabilidade pública”.

Alguns perguntam no governo: e se houver crises com a China? Ora, quantas esta administração já criou à luz do dia e no palanque das redes virtuais? A China é o nosso maior parceiro comercial, mas já foi criticada pelo presidente, atacada pelo ministro das Relações Exteriores e ofendida pelo ministro da Educação. Os interesses permanentes do Brasil são de manter relações amistosas com todos os países, mas o que coloca isso em risco não é a divulgação do vídeo da reunião, mas um governo que tem uma política externa desastrada e se deixa guiar por preconceitos e desinformação.

Se o presidente da Caixa se exibiu para o chefe, a quem tenta tanto agradar, dizendo que tem 15 armas e as usaria para “matar ou morrer”, como informa Guilherme Amado, por que isso deve ser segredo? Se Bolsonaro exibiu sua coleção de palavrões dirigindo-a aos governadores do Rio e de São Paulo, por que, em nome da segurança nacional, isso deve ser escondido?

Era uma reunião interna do governo, argumenta-se. Ora, que se comportassem. Com tanta gente presente, as autoridades poderiam moderar-se minimamente. Se preferem esse tom para tratar das graves questões nacionais, são elas, as autoridades, que se amesquinharam. O risco da divulgação não é do país, mas deste governo.

A segurança nacional ficará mais resguardada se o país souber tudo o que houve nessa reunião ministerial e entender completamente o contexto em que o então ministro Sergio Moro se sentiu ameaçado de demissão caso não trocasse o diretor-geral da Polícia Federal.

Os argumentos do procurador-geral são desprovidos de lógica jurídica. Não lhe cabe preocupar-se com prejuízos eleitorais ao presidente. A atitude de defensor do governo é tão forte em Aras que ele assumiu o papel dos estrategistas eleitorais do presidente. E, ademais, quem vive empoleirado num palanque eleitoral precoce é Bolsonaro.

A decisão caberá ao ministro Celso de Mello, mas até agora os pareceres que recebeu não o ajudam a decidir.

Ministro da saúde não importa - ASCÂNIO SELEME

O Globo - 16/05

Quem comanda as ações nacionais no combate ao coronavírus são governadores e prefeitos


Para nossa sorte, o ministro da Saúde não tem muita importância. Quem comanda as ações nacionais no combate ao coronavírus são governadores e prefeitos. O Supremo Tribunal Federal já deixou isso resolvido. Teich, Pazuello ou Terra, nenhum deles tem poder para alterar a jornada de combate e controle da maior crise sanitária desde a gripe espanhola. O distanciamento social, principal mecanismo para conter o contágio, é determinado pelos gestores estaduais e municipais. Nem o decreto de Bolsonaro ampliando os setores considerados essenciais, como salões de beleza e academias, colou. Os governadores ignoraram o presidente.

A demissão de Nelson Teich guarda, entretanto, alguns problemas de naturezas diversas. A primeira e mais grave, aumenta a desconfiança dos agentes econômicos no Brasil. O drama da economia vai se transformando em caos diante de mais este terremoto promovido por Bolsonaro. Em seguida, medidas como compras centralizadas de ventiladores, EPIs e outros produtos usados pela rede pública de saúde podem sofrer solução de continuidade. Sob Teich já se via este imobilismo. Ele gastou apenas o equivalente a 9% do despendido pelo seu antecessor.

E há um outro problema, que foi objeto de crítica do vice-presidente Mourão em artigo publicado na quinta-feira no Estadão. A demissão amplia o prejuízo à imagem do Brasil no exterior. Mas, ao contrário do que escreveu o vice, este prejuízo é sempre causado porque o presidente brasileiro insiste em mostrar ao mundo como age de forma atabalhoada e difusa em qualquer ambiente, mesmo em meio a uma pandemia. Finalmente, escancara para todos os brasileiros a enorme capacidade do capitão em causar problemas para o país e para si próprio. Bolsonaro parece um macaco em loja de louças. Quebra tudo em que seus braços, suas pernas e seu rabo tocam.

De outro lado, apesar de tentar agora passar uma imagem de independência, Teich foi um desastre na Saúde. Quando sentou-se na cadeira de Mandetta, torrado pelos ciúmes doentios de Bolsonaro, desmontou um time técnico super dedicado, militarizou as estruturas do ministério e suspendeu as coletivas diárias de imprensa (usadas por governos em todo mundo para orientar a população). Hoje, 200 mil casos e 15 mil mortos depois, Teich sai dizendo que não quer manchar sua biografia. Tarde demais, ela já foi irremediavelmente tingida.

O ex-ministro deixou o cargo se rebelando contra o uso da cloroquina. Foi um gesto nobre, mas antes de pedir demissão Teich foi checar em hospitais se havia alguma chance de o remédio funcionar. No pronunciamento que fez não tocou no assunto e ainda agradeceu a confiança de Bolsonaro depositada nele. Se sua gestão foi uma tragédia, sua saída foi lamentável, não porque saiu, mas pelo que não disse. Não atacou o entusiasmo do presidente com a cloroquina. Desde a primeira onda do presidente em favor do remédio, o Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército multiplicou por dez a fabricação da droga e tem tudo para ficar com o mico na mão. A menos, claro, que o novo ministro da Saúde obrigue os hospitais federais a comprar os estoques do Exército, mesmo que não sejam usados.

Não importa quem seja o substituto de Teich, ele será ruim ou pior. O que é incrível. Ruim é o general Pazuello, por ora interino. Pior seria o deputado Osmar Terra, que esta semana voltou com tudo. Um mês depois de dizer a Eduardo Bolsonaro que os casos não estavam apenas caindo, mas sim “despencando”, ele retomou a palavra para insistir no fim do distanciamento social. Afirmou que uma epidemia dura no máximo 13 ou 14 semanas, salientando que estamos na sétima semana e que o pior já passou. No dia em que Terra viu os casos despencando, dizendo que ao filho do presidente que já dava para “comemorar”, havia no país 25.684 casos confirmados e 1.552 mortes registradas. De lá para cá, o número de casos e mortes aumentou dez vezes.

Ilegal, e daí?

O acampamento de apoiadores radicais de Bolsonaro na Esplanada dos Ministérios é daquelas coisas que apenas no Brasil são toleradas. Ele é ilegal, todo mundo sabe, mas permanece lá. Já aconteceu antes com líderes da UNE, com sindicalistas do PT, com os sem-terra do Stédile e os sem-teto do Boulos. Há uma lei que proíbe acampamentos na Praça dos Três Poderes, nos gramados em frente ao Congresso e nos que se estendem entre os prédios dos ministérios. A lei era e é ignorada. Há, porém, uma grande diferença entre os acampados da esquerda e os da extrema direita. Aqueles era militantes, estes são milicianos armados que ultrajam a democracia e representam risco para a segurança pública.

E mais

Parece bobagem, pode ser, mas também não é legal acampar na Praça Lafayette, em frente à Casa Branca, ou nos Jardins dos Champs-Élysées, diante da sede do governo francês. Em Washington e em Paris a lei é cumprida. Quem a desrespeita sofre com a mão pesada do Estado. Não há jeitinho, não tem conversa. É ilegal, não pode. No Brasil, não só pode como as autoridades deixam estar. A novidade do acampamento dos milicianos da Esplanada é que a Justiça autorizou sua permanência no local. O juiz Paulo Cavichioli Carmona julgou tratar-se de uma manifestação legítima. Armas? Atos antidemocráticos? Agressões? A Justiça é cega e o magistrado não viu.

Outros interesses

Jair Bolsonaro tem outros interesses no Rio para os quais a PF pode ser útil, além de proteger seus filhos e seus novos aliados políticos do centrão. São os amigos milicianos e os inimigos no governo do estado, a começar pelo governador Wilson Witzel.

Nunca antes

Rodrigo Maia perdeu uma grande chance de ficar calado. Ao sair do gabinete de Bolsonaro falando em pontes e diálogos, o deputado mostrou que insegurança pode bater em qualquer um, mesmo no manda-chuva que mostrou determinação e personalidade ao aprovar a reforma da Previdência no ano passado. Rodrigo não deveria sequer ter ido ao Planalto no dia em que o presidente disse que ele jogava para “afundar o país e ferrar com a economia”. E lá estando, deu mole e foi fisgado como um peixinho perdido. Nunca antes se viu um presidente da Câmara tão amador como Maia neste episódio.

Marido traído

A alternativa do presidente Bolsonaro para evitar aborrecimentos em reuniões ministeriais foi cancelar os encontros.

“De agora em diante, não tem mais isso, será só um cafezinho com bandeira hasteada”, disse o capitão, tirando o sofá da sala.

Silvinho de farda

O general Luiz Eduardo Ramos, secretário-geral da Presidência da República, foi designado por Jair Bolsonaro para controlar a distribuição de cargos e verbas para a turma do centrão.
Ele é quem decide quanto cada parlamentar pode levar em dinheiro para o seu município e quais cargos serão entregues aos partidos e seus líderes.

Ramos cumpre a mesma tarefa que Sílvio Pereira, o Silvinho Land Rover, realizava durante o primeiro mandato do ex-presidente Lula. Silvinho era o operador de cargos durante o mensalão. Abre o olho, general.

Aliás

De cargos, aliás, os militares entendem muito bem. Para onde quer que se olhe na Esplanada dos Ministérios, vê-se militares e parentes de militares em postos de segundo e terceiro escalões.

Os 20 mil cargos de livre nomeação no governo federal já foram ocupados majoritariamente por sindicalistas, na era petista, políticos e amigos de políticos, na gestão do ex-presidente Michel Temer, e agora são de oficiais das três Forças Armadas, suas famílias e suas turmas.

Distanciamento da realidade

Bolsonaro não consegue ver a realidade. Se ele não tivesse atrapalhado tanto, incentivando as pessoas a desrespeitarem o distanciamento social, talvez agora pudéssemos já estar discutindo o relaxamento das medidas e a cuidadosa reabertura da economia.

A MP inútil

A MP que blinda agentes públicos de processos civis ou administrativos durante a pandemia de coronavírus não serve para crimes contra a humanidade. Tampouco alcança quem cometa negligência que resulte na morte de milhares de pessoas. Parece que Bolsonaro foi mal assessorado.

Lei contra o obscurantismo - EURÍPEDES ALCÂNTARA

O Globo - 16/05

Faz-se ginástica retórica para usar a Suécia como exemplo


Já falei neste espaço da Lei de Parkinson, segundo a qual o objetivo das burocracias estatais é aumentar seus ganhos e privilégios na razão inversa da arrecadação e do serviço a ser executado. Citei também a Lei de Godwin, que estabelece ser inevitável em longas discussões nas redes sociais alguém acusar o outro de ser a favor do Holocausto ou de estar tentando recriar o nazismo. Essas duas leis permanecem atuantes. Basta passar um tempo no Twitter para trombar logo com algum usuário apontando sinais evidentes de hitlerismo renitente em um antagonista. A insistência dos grupos organizadores de servidores pressionando o Congresso por aumentos de vencimentos em plena pandemia, quando a previsão é de queda dramática do PIB e da arrecadação de impostos, confirma a validade atual da Lei de Parkinson.

Neste artigo vou falar de uma outra regra também aparentemente universal, a “Lei de Dawkins para a Conservação da Dificuldade”, segundo a qual “o obscurantismo em qualquer assunto acadêmico tende a se expandir até preencher o vácuo de sua simplicidade intrínseca”. Essa lei recebeu o nome de seu criador, o cientista e escritor britânico Richard Dawkins. Ela atua com força total nesses tempos obscurantistas em que se gastam enormes quantidades de energia não para esclarecer, mas para complicar questões vitais dentro e fora das universidades.

Claro que há temas da Física intrinsecamente complexos e que não devem ser simplificados demais com intuito de serem entendidos por qualquer pessoa. As equações de campo de Karl Schwarzschild que deram força para a Teoria da Relatividade Geral de Einstein e ela própria são exemplos de assuntos acadêmicos impenetráveis para o leigo que não detém as ferramentas da alta matemática necessárias para enxergar seus méritos e eventuais falhas.

O que Dawkins critica com sua lei é coisa bem diferente. Ele critica o que o imunologista Peter Medawar, britânico, nascido em Petrópolis, no Rio de Janeiro, onde seus pais passaram parte da vida, chamou de “inveja da Física”. Medawar é considerado o Pai dos Transplantes por suas pesquisas sobre como evitar a rejeição de órgãos. Em que consiste a inveja da Física? Segundo Medawar, essa inveja pode ser identificada em autores que querem ser considerados profundos, mesmo quando tratam de questões bastante simples e superficiais. Ou seja, a Lei de Dawkins tem aplicação imediata contra a atuação dos impostores, dos campeões da propagação de informações falsas, incompletas ou distorcidas com o objetivo de promover causas de todos os matizes ideológicos.

Tome-se o exemplo excruciante do isolamento. Difícil imaginar uma medida mais extrema, punitiva e cruel, especialmente para quem sobrevive do que ganha no dia a dia, do que a obrigação de não sair de casa. Mas com quase cinco meses de epidemia de coronavírus, a realidade é a de que, com exceção da Suécia, todos os países fortemente atingidos, cerdo ou tarde, apelaram para que seus habitantes ficassem em casa. Beira o obscurantismo a ginástica retórica que se faz para usar a Suécia como exemplo de combate bem-sucedido ao coronavírus sem exigir sacrifícios da população.

Aplicando-se a Lei de Dawkins, a verdade que aparece é a de que a Suécia não é um exemplo de sucesso. A Suécia fracassou. Até quinta-feira passada, a Covid-19 havia matado na Suécia 349 pacientes por milhão de habitantes. Isso significa que, como proporção da população total morreram na Suécia 5,4 mais doentes de Covid-19 do que no Brasil — que tinha no mesmo dia 64 mortos por milhão de habitantes.

Com exemplos equivocados como esse da Suécia é que não se pode, no Brasil ou em qualquer outro lugar, planejar e executar algum movimento de retomada da atividade econômica. A Lei de Dawkins sugere que se deixarmos o obscurantismo crescer e ocupar o vácuo deixado pelo falseamento da “simplicidade intrínseca” da realidade, o sacrifício cobrado dos brasileiros pela pandemia, especialmente dos mais pobres, será ainda maior.


Jairpédia, ou como adestrar Bolsonaro - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 16/05

Reações institucionais a seus destinos precisam lhe provocar dor


É possível definir inteligência como a capacidade de aprender. Num sentido muito básico, todos os seres humanos e um bom número de bichos conseguem extrair lições das regularidades da natureza.

A assimilação é fácil quando o intervalo entre a causa e o efeito é instantâneo ou muito breve. Não precisamos de mais do que uma ou duas experiências negativas para aprender que não devemos pôr a mão no fogo. Nos animais um pouco mais complexos, dor e prazer são as moedas de troca que intermedeiam e dão valência a nosso aprendizado do mundo.

O que diferencia homens de outros bichos é que desenvolvemos ferramentas que nos permitem aprender mesmo quando o intervalo entre causa e efeito é longo e não é intermediado por nenhum processo homeostático.


Essa ferramenta é o método científico. Com ele, conseguimos concluir que até coisas prazerosas, como fumar, podem gerar danos, como câncer ou enfisema, com três ou quatro décadas de atraso. Como a ciência abusa de raciocínios abstratos e exige alguma sofisticação estatística, nem todos os humanos conseguem acompanhá-la, nem mesmo em sua versão para divulgação.

Fiz essa longa digressão para falar de Jair Bolsonaro. O presidente já deu repetidas mostras de que pertence ao grupo dos que desprezam a ciência e só aprendem quando a experiência é dolorosa e se segue imediatamente ao estímulo.

O corolário dessa constatação é que, se insistirmos em ignorar os desmandos presidenciais, Bolsonaro continuará a perpetrá-los. Esse ciclo só será interrompido se conseguirmos fazer com que aos desatinos do mandatário se sucedam reações institucionais que lhe provoquem dor.

O STF finalmente começou a traçar limites. Falta agora o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, deixar de lado a pusilanimidade e destravar algum pedido de impeachment. É só essa a linguagem que Bolsonaro, como um pombo de Skinner, parece ser capaz de assimilar.

Teich rejeita a opção pela morte - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 16/05

Assim como Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich pediu demissão do cargo de 


O médico Nelson Teich pediu demissão do cargo de ministro da Saúde menos de um mês depois de assumi-lo, provavelmente em respeito a seu juramento profissional, que diz, entre outras coisas: “A ninguém darei por comprazer nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda”. O mesmo comportamento teve o antecessor de Nelson Teich, o também médico Luiz Henrique Mandetta, ao recusar-se a obedecer às ordens do presidente Jair Bolsonaro que claramente causariam ainda mais danos à saúde da população brasileira, já bastante castigada pela pandemia de covid-19.

Qualquer médico que assuma o Ministério da Saúde e queira permanecer no cargo por mais de 15 dias terá que renunciar a esse juramento. Será, portanto, um mau profissional de saúde, que aceitará reduzir o Ministério da Saúde a mero despachante dos patológicos desejos de Bolsonaro. Pior, será um cúmplice de um empreendimento que, sem exagero, já pode ser chamado de social-darwinista – em que a morte por covid-19 é vista como uma forma de depuração da sociedade, pois só abate aqueles que não têm “histórico de atleta”.

Nelson Teich e Luiz Henrique Mandetta recusaram-se a chancelar a obsessão de Bolsonaro pela cloroquina, remédio cuja eficácia contra o coronavírus está muito longe de ser comprovada e cujos perigosos efeitos colaterais são, ao contrário, bastante conhecidos. Mandetta, quando ainda ministro, chegou a assinar um protocolo que liberava a droga para uso somente em pacientes em estado grave, com indicação médica e com a anuência do paciente. Mas, assim como seu sucessor, não aceitou a imposição de Bolsonaro para ampliar o uso em qualquer estágio da doença.

Pressionado pelo presidente nos últimos dias, Nelson Teich disse que havia ainda muita incerteza sobre a cloroquina e rejeitou a droga como um “divisor de águas” no tratamento da doença. Além de Bolsonaro, os únicos chefes de Estado que defendem a cloroquina como elixir milagroso contra a covid-19 são o norte-americano Donald Trump e o venezuelano Nicolás Maduro, o que dispensa comentários.

Nelson Teich e Luiz Henrique Mandetta também haviam manifestado oposição ao relaxamento das medidas de isolamento social, contrariando o presidente Bolsonaro, que dia e noite exige o fim da quarentena e a “volta ao normal” em todo o País, sob o argumento de que é preciso impedir o colapso da economia. É tal a determinação do presidente de colocar em risco a saúde e a vida de milhões de brasileiros para salvar sua própria pele que ele ameaçou fazer um pronunciamento em rede nacional, hoje, para insistir em seu discurso contrário ao isolamento, afrontando os governadores e prefeitos que, além de terem que lidar com a pandemia, são obrigados a enfrentar a sabotagem do governo federal.

Em menos de um mês, nada menos que três ministros – Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich e Sérgio Moro – deixaram o governo por se recusarem a cumprir ordens do presidente – não por insubordinação, mas em respeito aos brasileiros e aos princípios republicanos. Para Bolsonaro, quem o contraria está a contrariar o povo, que ele julga encarnar, razão pela qual seu comando deve ser obedecido sem questionamentos, mesmo que viole a Constituição, a ética e a decência.

Assim será com o próximo ministro da Saúde? Em vez de organizar os esforços nacionais do combate à pandemia, que está matando quase mil brasileiros por dia e esgotando o sistema hospitalar do País, o novo titular terá de ser apenas um obsequioso serviçal, pronto a pôr em prática os devaneios de Bolsonaro e a rasgar os manuais da ciência médica, fazendo o que nenhuma autoridade de saúde no mundo civilizado faria neste gravíssimo momento? Ou seja, terá que trabalhar pela sobrevivência política do presidente em detrimento da sobrevivência de milhares de brasileiros?

Como escreveu o médico Antonio Carlos do Nascimento em artigo publicado ontem no Estado, “sem a opção do genocídio, só nos resta o isolamento e a testagem abrangente para limitar o universo de circulação do vírus”. Aparentemente, o presidente Bolsonaro já fez sua mórbida opção.