sexta-feira, agosto 05, 2016

Deposição de Dilma marcará o fim da última tentação autoritária - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 05/08

A deposição de Dilma Rousseff marcará o fim da última tentação autoritária com lastro social no Brasil. Malucos a sonhar com tiranos virtuosos sempre haverá. Sim, também o petismo deixará corações contritos e mentes saudosas.

Na semana passada, andava eu "longes terras", como o poeta, quando meu bolso foi surpreendido por um choque de tempos. Uma amiga me enviou um artigo de Eleonora de Lucena, repórter especial desta Folha, intitulado "Escracho".

Referindo-se ao impeachment de Dilma, escreveu a autora: "A elite brasileira está dando um tiro no pé. Embarca na canoa do retrocesso social, dá as mãos a grupos fossilizados de oligarquias regionais, submete-se a interesses externos, abandona qualquer esboço de projeto para o país".

Eis uma sequência de orações coordenadas que tem tudo para devastar a tal "elite brasileira", o que deveria, sejamos lógicos, deixar Eleonora feliz, já que o texto evidencia a sua indisposição com essa elite nefasta. Em se tratando, como ela diz, de um tiro no pé, por que reclamar?

Eu mal podia crer que lia aquele texto num iPhone. Quando ela arremata seu artigo anunciando a "velha luta de classes escrachada nas esquinas" –uma decorrência, entende-se, da "elevação da extração da mais valia" e do corte de benefícios sociais (que não aconteceu)–, eu voltei ao século 19 e me dei conta de que Eleonora reescrevia Marx. Aplauda-se a ousadia.

A "luta de classes" caracterizada por ele jamais estaria nas esquinas –onde se encontra, no máximo, um arranca-rabo... Segundo o pai do conceito, os golpes da burguesia buscam é mitigar a dita-cuja, nunca explicitá-la, suposta consequência do "golpe" de agora. A esquerda brasileira sempre foi muito pouco... marxista! Ou teria mais admiração pelo capitalismo, a exemplo de Marx, para quem a luta de classes nunca foi uma questão moral, mas apenas o dado de uma equação econômica, social.

A autora repete até o clichê da cartilha esquerdopata nativa, segundo o qual a Revolução de 32 buscava deter o progressismo de Getúlio Vargas –aquele que desferiu um golpe fascistoide em 1937. Como Luiz Carlos Prestes rendeu à "luta anti-imperialista" o cadáver da própria mulher e subiu no palanque de Getúlio, as esquerdas se sentiram autorizadas a transformar em herói o verdugo que mandara torturar e matar comunistas. Não poupava nem as grávidas...

Eleonora vê algum erro no petismo? Ela não se ocupa do assunto. Pois é... A autora até poderia estar certa se a matemática fosse uma invenção das elites ou uma sistematização da natureza que servisse apenas a elas. Mas, para a má sorte de seus sonhos de reparação, a dita-cuja reproduz uma conta que a realidade faz, independentemente de os matemáticos terem compreendido as suas implicações.

Quem gasta mais do que arrecada produz deficit. Quem distribui mais do que produz faz inflação. Pode até ser injusto. Mas, como lembrou Raymond Aron em "O Ópio dos Intelectuais", livro recém-lançado pela editora Três Estrelas, a esquerda é a única corrente de pensamento que se preocupa mais com a fraternidade do que com a igualdade e a liberdade.

Produzir deficit e inflação é um bom jeito de ser fraterno. É uma pena que, assim, as pessoas se tornem menos livres e iguais. Vai ver é por isso que todo esquerdismo termina sempre em ditadura ou em populismo. No segundo caso, no pós-populismo, vêm recessão, desemprego e mais pobreza.

Que bom! Assim Eleonora pode culpar as elites e continuar a sonhar com tiranos virtuosos.

Pokémon Go' é divertimento banal que nos move - LUIZ FELIPE PONDÉ


FOLHA DE SP - 05/08



LUIZ FELIPE PONDÉ


Desde, no mínimo, o alto paleolítico (cerca de 70 mil anos atrás), tínhamos por hábito ficar sentados ao redor do fogo, à noite, após mais um dia de labuta, e rirmos uns dos outros, contarmos histórias uns para os outros, brincando, muitas vezes ingerindo substâncias que nos dessem experiências de ampliação de consciência, enfim, passando o tempo.

Somos uma espécie pré-histórica perdida no mundo contemporâneo, carregando nas costas e na alma nossa herança de sobreviventes a própria história.

Continuamos a apreciar coisas que nos façam rir, coisas lúdicas, fantasias, experiências que ampliem nosso cotidiano, mesmo que seja de mentirinha. Preferimos imagens a letras, na maioria esmagadora dos casos. O avanço da técnica é, e sempre será, o avanço da história do fogo em nossas vidas. E assim chegamos, do alto paleolítico ao 'Pokémon Go'.

Sei que deveria odiar o 'Pokémon Go', como membro da inteligência que sou. Mas não o odeio. Não porque não o ache mais uma evidência de como nos deixamos levar pelo "mal do capitalismo" e sua indústria do lazer e do divertimento banal. Mas a necessidade de divertimento é a mesma desde que que nos descobrimos Sapiens. Se existisse celular no alto paleolítico, estaríamos caçando Pokémons. O amor, a banalidade que nos caracteriza, leva muitos de nós ao desespero.

Aí chegamos a algo que talvez indique um certo avanço em nossa condição delirante de contemporâneos. Enquanto antes caçávamos de verdade, hoje corremos atrás de figurinhas na tela do celular. De longe, os inteligentes olham com desprezo esse miserável Sapiens em busca de divertimento a qualquer custo.

Mas essa moda passará. Apesar de todas as tentativas levadas a cabo –seja pelo "malvado mercado", seja pelos anjinhos do bem– de fazer de nós, bobos, uma espécie que ajudou a extinguir cerca de dez "parentes" competidores ao longo de milênios, resistirá a essa época de ressentidos, mimados e retardados.

O diálogo da retomada dos investimentos - FLÁVIO FREITAS

ESTADÃO - 05/08

Retomada do crescimento, sem dúvida, também passa pela retomada dos investimentos em rodovias



O governo brasileiro sinalizou positivamente para superar dificuldades dos contratos de concessão de rodovias federais assinados após o ano de 2013. A Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR) reuniu-se com o Ministério dos Transportes e com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para avaliar, objetivamente, as condições dos contratos e, em conjunto, assegurar a continuidade do programa de concessões, que foi afetado pela severa crise econômica que se abateu sobre o Brasil dos dias de hoje.

A discussão ocorre no momento em que o governo trabalha para acelerar os leilões de rodovias como alternativa para a retomada do crescimento. Impactos negativos em contratos firmados podem comprometer o modelo eficiente e afastar a confiança de atuais e novos investidores. E isso o governo não quer. As empresas concessionárias, então, receberam a indicação positiva de uma atenção aos problemas desses contratos.

A 3.ª Etapa do Programa Federal de Concessões de Rodovias tem como característica principal um elevado volume de investimentos concentrados nos primeiros anos de concessão. Em apenas dois anos de execução já foram duplicados mais de 10% das obras exigidas para o início da cobrança do pedágio. Este é o maior volume de obras realizado em tão curto espaço de tempo em toda a história do programa.

Vale, no entanto, apontar aspectos importantes relacionados aos contratos assinados após 2013 e que envolvem seis concessões federais: BR-040 (Via 040), BR-101 (Eco 101), BR-163 (CCR MSVia), BR-163 (Rota do Oeste), BR-050 (MGO Rodovias) e BR-060/153/262 (Triunfo Concebra).

O poder público praticou atos que impactaram os custos e a viabilidade dos projetos assinados após 2013, como, por exemplo, o aumento de preços do asfalto, que subiu 87% desde 2014. Sem dúvida, alta de um insumo que pode ser precificado e controlado pelo próprio governo. Um aumento desse quilate, não previsto na elaboração do contrato original, compromete a matriz de custos das empresas.

Posso citar, ainda, o não cumprimento dos financiamentos conforme condições previstas pelos bancos públicos e divulgadas junto com o edital de licitação das concessões. Na época – e não faz muito tempo –, o compromisso era liberar, no mínimo, 70% das necessidades das obras. Hoje os bancos oferecem apenas 40%.

Outro fator relevante são os atrasos nas licenças exigidas por órgãos ambientais e a exigência de condicionantes além do que era usualmente praticado. As práticas burocráticas mexem nos cronogramas das obras das concessionárias e, consequentemente, pesam nos custos finais. Além disso, os impactos imprevisíveis sobre o projeto de concessões e da gestão das contas públicas nos últimos anos dificultaram a situação no que diz respeito à manutenção dos custos. Um exemplo é a regulamentação, em abril de 2015, da Lei dos Caminhoneiros, que aumentou o limite de excesso de peso dos caminhões. O efeito da sobrecarga sobre a vida útil do pavimento significou acréscimo de 15% no custo de manutenção dos contratos de concessão.

O setor vê com bons olhos iniciativas tomadas pelo governo federal que visam a preservar o modelo de concessões de rodovias, a melhor alternativa para os sérios problemas de logística rodoviária no Brasil. Se voltarmos no tempo, veremos que, em meados da década de 1990, quando o programa brasileiro foi lançado, o ambiente econômico no País apresentava situação bem mais desafiadora. E foi superada. Da mesma forma serão superados os desafios atuais, considerando a qualidade da experiência empresarial acumulada pelo setor no período.

Mas, para isso, é urgente o reconhecimento da situação econômica extraordinária e imprevisível que impactou os contratos de 2013, além da adoção de providências governamentais para o reequilíbrio econômico-financeiro de todos os projetos e investimentos projetados. A retomada do crescimento, sem dúvida, também passa pela retomada dos investimentos em rodovias.

*Engenheiro, é diretor técnico da ABCR

Pokémon Go é só o começo - PEDRO DORIA

O GLOBO - 05/08

Realidade aumentada usada no jogo que virou febre pode ter outras aplicações, como em obras ou até para ajudar a reconhecer pessoas na festa da empresa


Pokémon Go é bem mais importante do que a febre pelas ruas parece sugerir. É o primeiro contato que a maioria de nós terá com a realidade aumentada (RA). Esta tecnologia, que permite incluir objetos virtuais no mundo real, é potencialmente revolucionária. Sim: revolucionário é um termo abusado nas coisas digitais. Só que neste caso não há exagero. O que há, isto sim, é uma incrível dificuldade de juntar as possibilidades tecnológicas com o mundo real.

Pokémon Go não é o primeiro jogo de RA. Alguns aventureiros de primeira hora empolgaram-se, há três anos, com Ingress, um game criado pela Niantic, à época subsidiária do Google. Jamais decolou. Mas era, essencialmente, um Pokémon Go. Não é à toa que a mesma Niantic fez o novo jogo sob encomenda da Nintendo.

DISPARE O JOGO NO CELULAR, e a tela mostra o ambiente à sua frente. A diferença é que ele inclui Pokémons para caçar. As aplicações reais do conceito são transformadoras. A mais óbvia é um GPS. Ao invés de celular com um mapa, use óculos de realidade aumentada. As setas aparecem na própria rua. É só o início.

Na Bienal de Arquitetura de Veneza, deste ano, o arquiteto Greg Lynn falou de sua experiência com o HoloLens, óculos que a Microsoft está desenvolvendo. Com o projeto pronto em 3D, ele pode ver o prédio de pé onde só há terreno. Com os mesmos óculos, um mestre de obras tem como dispensar instrumentos de medição. Traça paredes, encaixa canos, corta espaço para conduítes seguindo uma matriz virtual que seus olhos veem. Fazer obra vira um jogo de siga os pontos com a planta sobreposta ao vazio. Aplicações industriais similares não faltam.

Realidade aumentada é uma internet sobreposta ao mundo. Passeie pelos corredores de um supermercado, pegue uma garrafa de vinho, os óculos reconhecem a etiqueta. A opinião de seu crítico favorito aparece. Na cozinha, a receita escrita está constantemente à esquerda enquanto o chef amador corta cebolas e frita o alho.

E, naturalmente, ter a internet assim traz possibilidades ainda maiores. Nunca mais, por exemplo, o constrangimento de não reconhecer uma pessoa na festa da empresa. O nome de cada um pode aparecer sobre sua cabeça, basta pescar de um banco de dados comum e fazer o reconhecimento do rosto. Assim como as aulas de ciências ficarão mais interessantes, com vulcões, órgãos funcionando e tudo o mais aparecendo como hologramas no meio do espaço.

Há um motivo, porém, para que Pokémon Go só tenha aparecido agora e seja, convenhamos, tão primitivo. As tecnologias que permitem realidade aumentada já existem, mas não são portáteis o bastante.

Um dos problemas é energia. Realidade aumentada é pouco prática no celular. O Google tentou criar seu par de óculos, era frágil. Há, principalmente, pouco espaço para bateria. Outra questão é processamento. Chips minúsculos ainda não são capazes de gerar imagens em 3D com qualidade. E o rosto muda de posição a toda hora. Cada micromovimento é um redesenho do objeto virtual. Mesmo com chips de celular é difícil e exige muito da bateria.

A maior dificuldade é localização. Celulares não são precisos o bastante para registrar com o necessário detalhe onde estamos a cada segundo. Mas, sem esta informação, a posição do objeto virtual não será clara e, assim, ele parecerá flutuando. O GPS não funcionará, a planta do mestre de obras muito menos. Realidade virtual chegará a nós bem antes da realidade aumentada.

Pokémon Go é o primeiro uso de RA com o qual a maioria de nós conviverá. Como toda febre, provavelmente vai arder bastante e, em pouco tempo, irá embora. Alguns outros jogos do tipo aparecerão sem repetir o mesmo sucesso. Mas realidade aumentada mesmo, a de verdade, esta ainda demorará um bocado para aparecer.


Confusão na terceirização - CELSO MING

ESTADÃO - 05/08

Definir o que é atividade-fim ou atividade-meio pode ser problemático e, enquanto isso, a Justiça do Trabalho fica atravancada por processos



O ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, adverte que a terceirização é um fato irreversível em todo o mundo e não só no Brasil. Não adianta querer revertê-la, como pretendem algumas lideranças sindicais. Para apontar o fato consumado, o ministro cita o próprio Ministério do Trabalho no Brasil que mantém contratos com oito prestadores de serviços terceirizados.

Apenas para quem está chegando agora a esse assunto, terceirização é a contratação de uma empresa ou de especialistas para realização de atividades inerentes ao funcionamento dessa empresa. É o supermercado que usa prestadoras de serviços destinadas a repor mercadorias nas prateleiras ou uma editora que contrata uma distribuidora para fazer chegar seus produtos aos leitores ou, ainda, uma indústria que contrata uma empresa para garantir a segurança de seu funcionamento.

A queixa recorrente de sindicalistas e especialistas em Direito do Trabalho é a de que a terceirização precariza as condições de trabalho, ou seja, avilta salários, opera com grande flutuação de mão de obra, dificulta tanto o recolhimento das contribuições previdenciárias como a observância dos direitos trabalhistas.

Em 2011, com o objetivo de regulamentar definitivamente a matéria, o Tribunal Superior do Trabalho divulgou a Súmula 331. Sua principal determinação foi a de que as empresas só poderiam terceirizar atividades-meio e não atividades-fim. Ou seja empresa de limpeza não pode terceirizar serviços de limpeza e uma empresa de confecção não pode terceirizar serviços de costura.

O problema é que, na prática, não há como definir o que seja atividade-fim e atividade-meio. Em 2014, a Cenibra, empresa de celulose, recorreu ao Supremo Tribunal Federal após ser condenada em todas as instâncias pela Justiça mineira por contratar empresas para serviços de cortes de eucalipto.

Se for para fazer prevalecer esse critério, a modernização da atividade produtiva ficaria inviabilizada em grande número de setores. Basta imaginar o que seria de uma usina de açúcar se não pudesse contratar empresas para garantir corte de cana; ou de uma fazenda de soja se ficasse proibida de encarregar empresa para pulverizar a cultura com defensivos ou fertilizantes. E o que seria dos hospitais que tivessem de pilotar laboratórios próprios de análises clínicas ou se as construtoras tivessem de cuidar, elas próprias, da instalação elétrica, dos encanamentos ou da fixação de caixilhos...

Os processos de terceirização continuam atravancando a Justiça do Trabalho e, pior, se tornaram enorme fonte de insegurança jurídica, porque cada juiz entende a coisa de um jeito.

Para o ministro do Trabalho, a distinção entre atividade-fim e atividade-meio é inviável. Ele entende que a saída para regulamentação definitiva é autorizar a terceirização de serviços especializados, ou seja, daqueles que a empresa contratada pode executar melhor do que a contratante.

Esse conceito parece mais adequado, mas aparentemente não resolve tudo, não só porque o conceito de especialização sempre poderá ser questionado, mas, também, porque precisa ser mais bem definido o que é a tal precarização do trabalho que se quer evitar.

CONFIRA:

Foto: Infográfico

No gráfico, a evolução do saldo das cadernetas de poupança.

Dilma está sozinha
Enfim, mais uma trombada entre a presidente Dilma e o PT. Nesta quinta-feira, 04, o presidente do PT, Rui Falcão, rejeitou a proposta da presidente Dilma de convocação de um plebiscito destinado a definir eleições presidenciais imediatas: “Se Dilma defender novas eleições, estará pregando golpe nela mesma e nos seus eleitores”. Por aí se vê que já não existe nenhuma coordenação entre o PT e a presidente afastada para definição de estratégias para enfrentar a situação pós-plebiscito.

Agenda econômica - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 05/08

A PEC do teto dos gastos só será votada depois das eleições; a reforma da previdência só estará pronta para ir a plenário em 2017. Quem disse foi o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Apesar de ele estar interessado em concentrar os trabalhos da Casa na pauta econômica, existem prazos regimentais que não podem ser encurtados. Para a semana que vem está prevista a votação da renegociação da dívida dos estados.

Há uma impressão equivocada de que a partir da votação do impeachment tudo se resolve, num passe de mágica, e as propostas das mudanças para alavancar a economia serão votadas. Rodrigo Maia, em entrevista que me concedeu ontem, explicou que para votar o mais aguardado dos projetos, o teto dos gastos, será preciso passar por longa tramitação:

— Tem que haver 11 sessões deliberativas na Câmara antes de o plenário votar a PEC do teto dos gastos. Simplesmente é impossível fazer isso antes de outubro.

Por ser proposta de emenda constitucional, terá também que ser votada em dois turnos e, nessa tramitação, segundo o deputado, o governo precisará de muita capacidade de persuasão:

— O governo tem que comunicar as razões da mudança, porque, do contrário, vão dizer que estão tirando dinheiro da saúde e da educação. É preciso mostrar o quanto custa manter um déficit de R$ 150 bilhões ou mais em termos de inflação, desemprego e taxa de juros.

Maia acha que os projetos são necessários, porém polêmicos, será preciso muito convencimento e ele acha que a comunicação do governo não tem sido boa.

Sobre a reforma da previdência, Rodrigo Maia disse que quando o projeto for enviado ao Congresso começará a tramitação e, de novo, será lenta:

— Espero passar nas comissões este ano, mas a reforma só conseguirá ir a plenário no ano que vem. Espero deixar tudo pronto para ela ser votada no ano que vem.

Entrevistei o deputado Rodrigo Maia para o meu programa na Globonews sobre a intensa pauta da Câmara dos Deputados neste curto período em que ele comandará os trabalhos. Maia foi eleito para um mandato tampão, cumprindo o resto do mandato de Eduardo Cunha, que renunciou à presidência e agora aguarda a votação da proposta de sua cassação. Quando será votada a cassação de Cunha? Essa é uma das perguntas que estão sobre a sua mesa de trabalho. Ele não é taxativo. Colocará o tema em discussão na semana que vem, para então se definir a data:

— A sessão tem que ser em momento de quorum alto, de 400 deputados, para que a votação aconteça. Por isso é preciso escolher a data corretamente.

Maia nega que o governo esteja cedendo exageradamente no projeto da dívida dos estados. E repetiu a explicação dada pelo ministro Henrique Meirelles de que foram separadas algumas despesas da conta dos gastos salariais dos estados, mas todos os itens das despesas estarão submetidos ao mesmo teto, que impede reajustes acima da inflação. Perguntei se o teto seria negociado também e ele negou. Disse que o teto é que dá sentido ao projeto que renegociou a dívida dos estados.

Rodrigo Maia explicou que sua polêmica declaração, de que o presidente interino, Michel Temer, pode ser candidato em 2018, foi dada ao fim da entrevista e ele não considerou que ela tivesse a importância dada pelo jornal. Mas, de qualquer maneira, ele repete que se o cenário for de um governo que supera os desafios e fortalece a economia, Temer será importante em 2018 como candidato ou como eleitor:

— O presidente me agradeceu, mas quer seguir o que prometeu: não ser candidato em 2018. Mas se o governo der errado, haverá um candidato do DEM, Ronado Caiado, do PSDB, que tem três précandidatos, do PMDB. Já se o governo der certo, haverá uma aglutinação de forças.

A reforma trabalhista também será analisada este ano, pelo menos nos pontos já apontados pelo governo: o negociado valendo sobre o legislado e o projeto de terceirização que já tramita no Senado. A agenda tem muitos itens, todos polêmicos, no meio de uma eleição municipal, que reduz o quorum, mas o deputado Rodrigo Maia acha que, discutindo e votando questões como essas, que ajudam a tirar o país da crise, a Câmara estará enfrentando sua própria crise.


Togas e saias-justas - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 05/08

Mesmo com a Olimpíada, a semana política foi “dura” (como já antecipara um dos investigadores da Lava Jato) e nem o Supremo Tribunal Federal passou ileso. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, deu um puxão de orelhas no ministro Dias Toffoli. E o ministro Luiz Edson Fachin reviu uma decisão do presidente Ricardo Lewandowski. Tenso, não é?

Janot – que deu uma perceptível guinada depois do vazamento da gravação de Lula reclamando de “ingratidão” – apresentou um recurso crítico contra a decisão de Toffoli de relaxar, rapidinho, a prisão de Paulo Bernardo, ex-ministro de Lula e Dilma e envolvido na constrangedora Operação Custo Brasil, sobre desvios no crédito consignado de funcionários públicos endividados.

No recurso, o procurador diz que o relaxamento da prisão de Bernardo foi indevido porque: 1) ele teve participação “intensa e relevante” no esquema, tanto que continuou recebendo dinheiro depois de sair do Planejamento; 2) pode prosseguir cometendo crimes, pois há indícios de que ocultou patrimônio para driblar a Justiça; 3) tecnicamente, Toffoli não deveria acatar habeas corpus antes do Tribunal Regional Federal correspondente e do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Ficou feio. Toffoli agora pode manter Bernardo preso, rever sua decisão ou despachar o imbróglio para uma das turmas do Supremo ainda na semana que vem, com um novo dado: o ex-ministro virou réu ontem, dia seguinte ao recurso – ou puxão de orelhas – de Janot.

Como pano de fundo, Toffoli foi advogado do PT e virou saco de pancadas nas redes sociais por ter soltado em apenas seis dias o petista Bernardo, que é casado com a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), da tropa de choque de Dilma Rousseff na comissão do impeachment no Senado.

De outro lado, colegas ministros de Toffoli andam lembrando que Janot também pisou na bola quando pediu a prisão dos peemedebistas José Sarney, Renan Calheiros e Romero Jucá por gravações, consideradas vagas, obtidas pelo delator Sérgio Machado. Ou seja: o procurador critica ministros do Supremo, ministros do Supremo criticam o procurador e as redes sociais fazem a festa.

Não bastasse, Fachin, ministro mais novo do Supremo (entrou em 2015), reviu ontem uma decisão de Lewandowski, que é, nada mais nada menos, presidente da Corte. O tribunal tinha decidido por 7 a 4 que um réu condenado em segunda instância já poderia ser preso, mas Lewandowski pegou carona numa decisão em contrário do decano Celso de Mello, alegou que a decisão do plenário foi num habeas corpus – logo, sem efeito vinculante – e mandou soltar um outro preso nessa circunstância. Ontem, Fachin ratificou a decisão do pleno e desconsiderou a do presidente. Mais uma saia-justa.

Para completar, a semana da abertura da Olimpíada flagrou a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado autorizando um aumento dos salários dos ministros do Supremo, de R$ 33,7 mil para R$ 39,2 mil. Mas... já houve uma gritaria quando do aumento geral do Judiciário; o momento é de cortes, não de gastos, muito menos de aumento da folha de pagamento; e os salários dos ministros do STF servem de teto para todo o funcionalismo (federal, estadual e municipal) nos três Poderes (Judiciário, Executivo, Legislativo).

Quem paga o pato é o governo interino de Michel Temer, pois os agentes econômicos começam a desconfiar que o ministro Henrique Meirelles está sendo leniente com gastos, aumentos de salários e benesses políticas, em detrimento do mais importante: tapar o rombo fiscal.

Por fim, como a presidência de Lewandowski acaba em 10 de setembro, uma sexta-feira, a tradição é antecipar a posse do substituto para a véspera, mas tudo indica que a afirmativa, mas discreta, Cármen Lúcia só vai assumir a vaga na semana seguinte. Até lá, como fica?

Abaixo essas instituições! - FERNÃO LARA MESQUITA

ESTADÃO - 05/08

O que a nossa situação extrema requer é uma dose cavalar de democracia



Morre-se sem hospital, o desemprego engata meio milhão por semestre, a quebradeira está só começando, mas tudo o que o “governo de salvação nacional” salvou foi o funcionalismo por mais quatro anos. “A condição para estabelecer um teto”, diz ele, é arrombar o teto que há. R$ 60 bilhões pros federais, R$ 50 bilhões pros estaduais, nada de contrapartidas. E ainda faltam os municipais. Como em Brasília todos os passarinhos são verdes e no Brasil quem elege é “a máquina”, não o eleitor, a dança de acasalamento é a única que se dança por lá. O País que coma bolos...

Há algo de muito torto na lente com que o Brasil se vê. As reações não combinam com as ações. É preciso empurrar o pânico que grassa aqui fora pra dentro daquele mundinho sem pressa que fabrica as crises, mas está dispensado de vivê-las. Nossa pauta política é estranhamente colonizada. Não discutimos nossos problemas, nossas urgências, nossas prioridades. Compramos as dos americanos, dos alemães, dos dinamarqueses, muito mais “modernas” e“progressistas”. Vivemos aos trambolhões, mas só falamos dos mais refinados passos de balé. Não nos decidimos nunca a bater a água e a farinha do bolo, mas temos tudo a dizer sobre as coberturas que ele poderia ter se existisse. Não temos a comida e a integridade física garantidas, mas baixamos uma lei por minuto para prevenir que quem venha a sobreviver a este nosso olímpico descaso para com o principal incorra no risco de pensar ou sentir“incorretamente”. O massacre é amplo, geral e irrestrito, maior que o de todas as sírias, mas “indignação” mesmo só com os pedacinhos dele que alimentem considerações“modernas” sobre a raça ou o gênero das minorias identificáveis na pilha dos 57 mil assassinados de cada ano.

Segurança pública pra valer (e mobilidade, transporte, acesso e o mais...) só quando inglês vier. Depois, de volta ao dilúvio...

Nós copiamos o “jeitão” das democracias e trabalhamos feito loucos pelo aplauso de quem a pratica. Mas pra brasileiro mesmo, nada. A Constituição americana, com 227 anos de idade, tem 7 artigos e 27 emendas. A nossa última, com 28, nasceu com 250 artigos e já tem mais de 80 emendas. A deles define os sete pilares da democracia, quantos bastam para o povo mandar nos seus governantes e não mais se deixar roubar. A nossa também os inclui, mas soterrados em 330 exceções que garantem que fique afastado das“excelências” o cálice da submissão à lei.

A função da Corte Suprema deles é garantir as 7 regras, a da nossa é impor as 330 exceções. E isso faz de tudo o mais o inverso do que parece. Consagramos o “federalismo”, mas vivemos a ditadura tributária centralizadora do Executivo. Instituímos “Poderes independentes”, mas, com tudo e mais alguma coisa transformado em “norma constitucional”, base por definição de qualquer pretensão exigível nos tribunais, o Judiciário e, no fim, o Supremo, tudo pode decidir ou“desdecidir”. Tudo acaba sempre nos 11 e dos 11 bastam 6...

“As instituições estão funcionando”?

Sim! Desgraçadamente! Enquanto forem as que são,“abandonai toda a esperança, ó vós que estais dentro”. É claro que fora do rito institucional é a selva e é dentro dele que temos de desmanchar essa confusão fabricada. Essa história de que é inconstitucional desconstitucionalizar o que quer que tenha sido constitucionalizado um dia é um truque barato. Até burro dá marcha à ré para não despencar no abismo. Para além do rito tudo tem de ser refeito. E o caminho para isso, testado e aprovado, existe.

A raiz do câncer é a “representação” subornada imposta à sociedade. Desde Getúlio come solta a metástase sindical. Desde 88 come também a partidária. Continuam “deles” as estatais, estoque de feudos a serem distribuídos aos barões que sustentarão o rei da vez. É isso que garante que tudo apodreça antes de amadurecer. Não há quem não saiba, não há quem não veja. Mas é proibido dizer. Vamos em frente esmurrando a faca, “proibindo” no papel que se produzam na vida real as consequências obrigatórias das causas que nos recusamos a remover.

Não dá mais. Batemos no osso. Agora é física a impossibilidade de levar a vida “arrecadando”. A alternativa para o certo é o errado. Não há meias medidas. Ou mudamos pra valer, na raiz, ou nos arrebentamos todos. A corrupção não é “causa” de nada. É só a pior consequência da falta de democracia. Puni-la, apenas, não resolve coisa alguma. O que a nossa situação extrema requer é uma dose cavalar de democracia.

O Brasil não é imune à democracia. Apenas não tem ideia do que ela é. Desenhar instituições – democráticas ou antidemocráticas – é encadear dependências. É isso que determina o jogo. O nosso é mais explícito a cada ato. Na ordem institucional, como na vida, manda quem tem o poder de demitir. Você está sendo demitido, mesmo fazendo tudo certo, porque “eles” não podem ser demitidos mesmo fazendo tudo errado. Nem quando a República sucedeu ao Império, nem nas idas e voltas das ditaduras, jamais mudou a nossa maneira antidemocrática de encadear dependências.

Descartem-se os bandidos para efeito de raciocínio. Democracia é o povo no poder, nem mais nem menos. Mas nem os nossos “liberais” nem os nossos“desenvolvimentistas” mais bem-intencionados contemplam a sério a ideia de pôr o povo no poder e submeter-se à vontade dele. Criticam-se mutuamente as “intenções”, mas só reivindicam uns o lugar dos outros no controle das mesmas alavancas.

É isso que tem de mudar. Revoluções só acontecem de baixo para cima e, no limite em que estamos, nós vamos ter uma logo, controlada ou não. O “recall” é a chave comutadora. Dá ao povo o poder de demitir e reformar Estado adentro e o voto distrital permite que essa revolução aconteça com segurança e sem dor. Plantadas nos municípios essas sementes da saúde já invertem irreversivelmente a cadeia das dependências e, com ela, a das lealdades. Daí em diante o desmonte da doença acontece sozinho, pedaço por pedaço.

* FERNÃO LARA MESQUITA É JORNALISTA

Malditos adjetivos - BERNARDO MELLO FRANCO

FOLHA DE SP - 05/08

A comissão do impeachment terminou sem surpresas. Os senadores que defendem Dilma Rousseff repetiram o discurso do golpe. Os senadores que preferem Michel Temer repetiram o discurso das pedaladas. Como o segundo grupo estava em maioria, o relatório foi aprovado com folga, por 14 votos a 5.

A sessão foi tediosa porque todos já sabiam o placar por antecipação. O clima só esquentou por causa de uma polêmica inusitada: os senadores bateram boca sobre a forma como os discursos ficarão registrados nas notas taquigráficas.

A polêmica começou depois que a petista Fátima Bezerra chamou o relatório de Antonio Anastasia de "fraudulento". O tucano permaneceu impassível, mas o peemedebista Raimundo Lira não gostou. Usando os poderes de presidente da comissão, mandou os servidores apagarem o adjetivo dos anais da Casa.

A ordem foi a senha para os dilmistas iniciarem um motim. "Vossa Excelência não pode censurar a nossa opinião!", protestou o petista Lindbergh Farias. "É fraude, fraude, fraude! Eu quero que isso fique para a história!", prosseguiu.

Irritado, Lira disse que fez o mesmo quando aliados de Temer chamaram Dilma de "criminosa" e os petistas de "quadrilheiros". "Isso não é censura!", bradou. Depois, mais calmo, ele acrescentou que o regimento interno do Senado proíbe o uso de "expressões descorteses ou insultuosas".

Os dilmistas usaram o episódio como pretexto para ganhar alguns minutos antes da derrota anunciada. Mesmo assim, é risível que alguém ainda fale em apagar palavras de notas taquigráficas numa era em que todas as sessões podem ser assistidas em áudio e vídeo na internet.

Os piores diálogos do impeachment acontecem longe dos microfones, onde senadores negociam votos em troca de cargos, emendas e outros incentivos mais. Se os vícios do julgamento se limitassem a alguns adjetivos malcriados, ninguém teria razão para se preocupar.


Fim inexorável - MERVAL PEREIRA

O Globo - 05/08

O comentário aparentemente cândido do presidente do PT, Rui Falcão, sobre as dificuldades que a proposta de um plebiscito sobre nova eleição presidencial enfrentaria para se tornar realidade, na verdade, é uma crítica direta à presidente afastada, Dilma Rousseff, que explicita a separação entre o partido e aquela que foi sua candidata à presidência por influência de Lula.

Nunca Dilma teve o apoio do partido, que não a engoliu mesmo quando as coisas da política pareciam favoráveis ao partido e a ela. Agora, a crise os separa cada vez mais, e já se prevê que a dissonância aumentará à medida que as delações premiadas da Operação Lava-Jato começarem a envolver Dilma e seus dois governos.

Ela já ensaiou o tom que usará quando comentou a revelação do marqueteiro João Santana de que recebeu milhões de dólares no exterior, pagos por um intermediário ligado a empresa envolvida no escândalo da Petrobras, a mando do PT. Trata-se de uma modalidade nova, caixa 2 oriunda de propina, ao contrário da maioria das propinas, que eram pagas como se fossem doações legais das empresas.

Mas Dilma, que anteriormente negava a possibilidade de ter havido pagamento de propina ou mesmo caixa 2 em suas campanhas, teve que mudar seus comentários diante dos fatos que estão surgindo nas investigações da Lava-Jato. A delação premiada dos executivos da Odebrecht, sobretudo a de seu presidente Marcelo, deve, pelo que já vazou, incriminar largamente a presidente afastada, inclusive com financiamento ilegal do trabalho do marqueteiro João Santana para as campanhas presidenciais de 2010 e 2014.

Dilma passou então a dizer que esse seria um problema do PT, e não dela, pois como candidata e presidente nunca autorizou pagamento de propinas. Jogando a culpa sobre seu partido, Dilma está apenas fazendo jogo de cena, pois, pela legislação brasileira, os candidatos são responsáveis pela prestação de contas das campanhas.

A separação política do PT não impediu, no entanto, que os senadores da base aliada tivessem uma ação ativa na Comissão do Impeachment para tentar retardar ao máximo a decisão, que acabou saindo ontem pelo placar esperado, largamente contrário à presidente afastada. Agem em benefício próprio, não do país, muito menos de Dilma, para tentar montar uma narrativa que os ajude a recolher os cacos de carreiras políticas manchadas pela corrupção.

O senador Lindbergh Farias, um dos mais ativos na tentativa de atrapalhar os trabalhos da comissão, caiu na malha fina da Operação Lava-Jato na delação premiada de Otávio Azevedo, expresidente da Andrade Gutierrez.

O mesmo deve acontecer no plenário do Senado, e a definição de posições começa a mostrar que o quadro na votação final será necessariamente contrário à permanência de Dilma por uma grande diferença. O senador Cristovam Buarque, ao rebater ontem a tese do golpe parlamentar, fez um belo discurso mostrando bem a diferença entre decisões democráticas como o impeachment, cujo processo transcorre há quase um ano no Congresso, com a supervisão do Supremo Tribunal Federal, e os golpes de Estado antidemocráticos.

O senador Eduardo Braga também já se posicionou no campo antipetista ao aliar-se ao prefeito tucano Arthur Virgílio em Manaus. O senador Jader Barbalho, embora não queira anunciar seu voto agora, dificilmente deixará de votar a favor do governo Temer, que tem seu filho como ministro.

Caminhamos assim para um desfecho provável até o fim deste mês, momento em que o presidente interino passará a ser efetivo e terá que mostrar toda a sua habilidade para lidar com um Congresso que tem sua maioria atrelada ao novo governo, mas está disposto a fazer valer seus desejos, que muitas vezes não coincidem com os do país.

Michel Temer, até o momento, tem cedido a todas as chantagens a que é submetido por corporações e indivíduos, mas a margem de manobra está sendo reduzida à medida que a leniência com os gastos públicos retira-lhe o apoio da sociedade e traz incertezas aos investidores.

Desculpas cínicas e a arte da guerra - LUIZ CARLOS AZEDO

CORREIO BRAZILIENSE - 05/08

O longo desfecho de um caso como o de Eduardo Cunha apenas reforça a imagem negativa de uma das piores legislaturas da história política brasileira, onde a bancada BBB (bala, boi e bíblia) comandou os primeiros anos na Casa
Uma das máximas de A arte da guerra, o clássico livro de Sun Tzu sobre negociações e batalhas, aponta que, se a vitória demorar a chegar, as armas ficarão cegas. "Quando suas armas estiverem cegas (.) outros líderes surgirão para tirar vantagem de suas dificuldades. Nenhum homem, por mais sábio que seja, conseguirá evitar as consequências." O deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) parece subverter os ensinamentos do clássico chinês. O peemedebista perdeu uma batalha há tempos, mas consegue sobreviver às custas da camaradagem e do medo de parlamentares do Centrão e de outros tantos.

Um calendário apertado na Câmara dos Deputados é a desculpa mais cínica que os políticos podem dar para manter Cunha no Congresso por mais um mês. O risco de salvação dele, a partir da ausência dos amigos do Centrão no plenário, é o que explica a sobrevivência do parlamentar até setembro, o que por si é um escárnio. E tais faltas seriam possíveis por causa do temor da vingança de Cunha, por mais fragilizado e fora de combate dentro da Casa. Ao longo dos anos, o parlamentar construiu um escudo formado por aliados dependentes de apoios eleitorais e políticos do ex-presidente da Câmara.

Defenestrado

Com a derrota de Cunha no Supremo Tribunal Federal (STF) e a renúncia do cargo de presidente da Câmara, imaginava-se que até a próxima semana o peemedebista finalmente pudesse ser defenestrado da Casa. Qual o quê? Cunha deve sobreviver olimpicamente - desculpe o trocadilho - aos jogos do Rio de Janeiro e pode chegar próximo às eleições ainda na cadeira de deputado. Para o parlamentar, tal prazo é uma vitória parcial sobre todos os que acreditaram que ele cairia bem antes da presidente afastada Dilma Rousseff - a sessão final poderá ser iniciada entre os dias 25 e 29 de agosto.

O longo desfecho de um caso como o de Eduardo Cunha apenas reforça a imagem negativa de uma das piores legislaturas da história política brasileira, onde a bancada BBB (bala, boi e bíblia) comandou os primeiros anos na Casa. Mantê-lo ao longo de mais um mês como espécie de morto-vivo a assombrar os gabinetes é o pior dos acintes. Cunha é réu no Supremo sob acusação de corrupção e lavagem de dinheiro, por suposto envolvimento no escândalo da Lava-Jato. Sem o peemedebista, poderia se respirar um ar um pouco mais puro nos corredores do Congresso. Apenas por isso a cassação já valeria há tempos.

Batalha própria

De volta à Arte da guerra, antes de considerar uma derrota definitiva de Cunha, é preciso identificar o principal adversário do peemedebista. Por todos os ataques mútuos, é possível afirmar que o deputado brigou com os petistas e com Dilma Rousseff. Assim, talvez se explique como as regras de Sun Tzu podem ter sido subvertidas na história de Cunha. É que, na prática, entre a petista e o peemedebista não há vencedor. Os únicos derrotados foram os eleitores de um lado e do outro de uma batalha particular que, independente da eficiência dos ataques, levou os políticos à lona.

Olimpíadas

Para quem não é lá muito fã de esportes, a abertura das Olimpíadas hoje é uma boa oportunidade de análise política sobre a vaia contra políticos. Ao longo da semana, tanto o presidente em exercício, Michel Temer, como o prefeito do Rio, Eduardo Paes, afirmaram que não se incomodarão com possíveis protestos. Não custa lembrar que o início do fim político de Dilma com a queda da popularidade pode ser marcado na Copa das Confederações, ainda em 2013.


Oportunidades durante a crise - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 05/08

Em momentos de crise econômica, política e social como a vivenciada atualmente pelo Brasil, abrem-se janelas de oportunidades que não devem ser desprezadas. O setor industrial é um dos mais penalizados pela recessão que se instalou no país, com níveis de ociosidade mais altos da série histórica. Mas esse quadro não pode ser encarado apenas como motivo de preocupação, pois a crise vem forçando alguns setores produtivos a buscar maior eficiência e competitividade, o que mostra a vitalidade do segmento produtivo.

Essa constante busca por melhor desempenho de setor tão vital para a economia abre espaço para a volta do crescimento de forma mais equilibrada e com menor pressão sobre a inflação e as contas externas. Especialistas ainda não fazem suas apostas em uma breve e firme retomada da atividade industrial, mas jogam suas fichas em um forte avanço no próximo ciclo de desenvolvimento, o que esperam ocorrer em 2018/2019.

A retomada do crescimento da indústria ainda é lenta, porque a demanda pelos produtos fabricados no país precisa voltar de forma sustentável para, primeiramente, consumir estoques, reequilibrar a capacidade ociosa e levar à expansão da produção. Antes da atual crise, a capacidade industrial instalada estava quase toda no limite. Época em que havia filas quilométricas nas revendedoras de caminhões, mesmo com a produção no limite, devido aos incentivos governamentais e aos juros baixos.

O aquecimento da economia continua praticamente imperceptível, mas existem sinais de aumento da confiança dos investidores internos e externos. Um indicador de melhora da atividade econômica são os números da balança comercial, que vem tendo superavit todos os meses. Os setores exportadores lideram a tímida recuperação, notadamente, o de celulose, de mineração e de automóveis. Também começam a apresentar resultados positivos os produtos de madeira e calçados, assim como vestuário e medicamentos pela via da substituição das importações.

Apesar de as estatísticas continuarem ruins, algo está se movendo na economia real. O Brasil ainda vai enfrentar tempos de recessão e não se sabe quantas empresas sobreviverão à crise, mas quem vencer a turbulência ficará mais forte e mais eficiente. Certamente, a economia brasileira deixará a crise para trás fortalecida. O caminho é longo e cheio de armadilhas, mas o país já o está trilhando.

Os descaminhos de Dilma - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 05/08

É inacreditável a postura olímpica de Dilma Vana Rousseff, às vésperas de ter seu impeachment decretado, em relação à sua própria responsabilidade na grave crise



No exercício interino da Presidência e prestes a se tornar sucessor da presidente afastada – e a despeito das dificuldades decorrentes das circunstâncias excepcionais que o colocaram na função –, Michel Temer tem ensinado a Dilma Rousseff e ao PT uma lição elementar, que Lula não conseguiu transmitir a sua pupila. A de que governar um país, numa democracia, é um enorme desafio de natureza essencialmente política que não comporta soberba, autoritarismo, desapreço pelo contraditório. Egocêntrica, Dilma fez questão sempre de exibir seu poder, em vez de fazê-lo prevalecer pelo caminho democrático da adequação de meios a fins. Tentou levar a extremos o princípio inverso, autoritário, de que os fins justificam os meios. O resultado está aí.

É inacreditável a postura olímpica de Dilma Vana Rousseff, às vésperas de ter seu impeachment decretado, em relação à sua própria responsabilidade na grave crise da qual o País luta para se desvencilhar. Está prevista para o dia 10 a divulgação de uma Carta aos Brasileiros na qual ela exporá argumentos que julga capazes de atingir o principal objetivo da iniciativa: reverter a seu favor o julgamento final do impeachment previsto para se realizar no Senado no fim deste mês. A julgar pelo comportamento que Dilma tem adotado desde sempre, é fácil imaginar o teor da tal Carta: a proposta de soluções que ela própria não teve a capacidade de adotar enquanto governava e, principalmente, o indigitamento dos culpados pelos problemas do País – da direita inimiga do povo ao PT, passando pela “mídia monopolizada”. Um amplo elenco do qual ela nunca teve o menor escrúpulo de se excluir, embora tenha sido chefe do governo por mais de cinco anos.

É tão desmedida sua soberba que Dilma baniu a primeira pessoa de qualquer consideração negativa da gestão pública pela qual ela foi a responsável constitucional até semanas atrás. Ela jamais admitiu ter alguma culpa pelo descontrole das contas públicas, pela recessão da economia e, consequentemente, pelo brutal aumento do desemprego e pela diminuição dos recursos disponíveis para programas sociais que são considerados a maior realização dos 13 anos de lulopetismo. Tudo é culpa de terceiros. Quando não é da conjuntura internacional adversa, é da oposição desalmada que sabotou seu governo com pautas-bomba no Congresso ou da mídia a serviço das elites que não consegue enxergar os méritos de um “governo popular”.

Mas, se não consegue ser minimamente fiel à realidade – o que implica dizer que quem está errada é a maioria absoluta dos brasileiros que hoje a repudiam –, Dilma não consegue tampouco dedicar um mínimo de fidelidade ao partido político que a inventou e a carregou nas costas em duas eleições presidenciais. Na terça-feira passada, Dilma foi implacável com o PT: “Eu acredito que o PT tem de passar por uma grande transformação. Primeiro, uma grande transformação em que se reconheçam todos os erros que cometeu, do ponto de vista das práticas, da questão ética, da condução de todos os processos de uso de verbas públicas”.

Dilma aconselhou o partido a fazer aquilo a que ela própria se recusa: “A instituição, que é o PT, tem de ser preservada, tem de ser melhorada, tem de ser redemocratizada. (...) As pessoas é que têm de fazer as suas autocríticas”.

É fácil entender, diante disso, por que a direção do PT, embora ainda procure manter as aparências, está cada vez mais distante daquela a quem só aceitou como candidata à Presidência por imposição de seu então todo-poderoso chefão, Lula da Silva. E com a qual, ao longo de cinco anos de mandato presidencial, teve frequentes desencontros, como por ocasião da “faxina” ministerial que ela tentou promover logo no início do primeiro mandato ou quando, no início do segundo, o Ministério da Fazenda foi entregue ao “liberal” Joaquim Levy, que tentou em vão impor um mínimo daquilo que o populismo lulopetista jamais praticou: austeridade no trato dos recursos públicos. Bem a seu estilo, Dilma renega hoje o PT com o qual jamais se entendeu. Um enorme erro político pelo qual está pagando caro.