segunda-feira, março 03, 2014

Sociologia do ateísmo - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 03/03

Na Finlândia, em 2000, 60% se diziam ateus; em 2001, 41%; em 2004, 28%. Há uma queda de ateus


Semanas atrás, escrevi nesta coluna ("Quem Herdará a Terra?") sobre uma disciplina chamada demografia das religiões. A tese do autor em questão, Eric Kaufmann, é que os seculares têm muitas ideias, mas têm poucos filhos, e por isso em breve o Ocidente perderá em muito seu perfil secular.

Mesmo aqueles seculares que adotam a teoria da seleção natural de Darwin como visão de mundo, adotam-na apenas na teoria, porque na prática não o fazem: seleção natural, no limite, é reprodução; quem não reproduz desaparece. E as mulheres seculares são inférteis por conta dos valores individualistas que carregam.

Recebi muitos e-mails (não imaginei que esse assunto seria um blockbuster) e alguns me chamaram a atenção para um fato interessante: os ateus (que não são a mesma coisa que os seculares, porque posso crer numa inteligência organizadora do universo e não crer que ela seja Jesus ou similar, e viver sem referência a qualquer código religioso) creem firmemente que dominarão o mundo por meio da educação, das ciências e da tecnologia. Podem estar bem errados.

O ateísmo vem muitas vezes acompanhado de uma crença num processo histórico inexorável em direção ao ateísmo universal, uma vez dadas "educação e cultura" para todos. Esquece, esta querida tribo, que as pessoas, sim, fazem escolhas baseadas em modos distintos de valorar a vida e seus sucessos, e que, sim, muitas comunidades religiosas usam ciência e tecnologias da informação ao seu favor e com grande habilidade.

Antes de tudo, é importante reconhecer que a sociologia do ateísmo, sim, pode nos fazer crer, em alguma medida, que há uma relação entre alta formação cultural, boa educação universitária e "ateísmo orgânico", aquele tipo de ateísmo a que você chega por meio da escolha livre --e não porque algum regime totalitário (como o de Cuba) ou pais autoritários proíbem você de crer em Deus ou similar.

Mas o tema transcende essa teoria e é por demais importante para ser pego nas redes de "pregações" disso ou daquilo, pelo menos para quem acredita que a sociedade secular deve ser cuidada, mas não iludida com seus próprios fantasmas de sucesso no futuro.

Vejamos alguns dados dos pesquisadores Norris, Inglehart, Davie, Greeley, Bondenson e Peterson. Peguemos países estatisticamente apontados como possuidores de alta percentagem de ateus orgânicos da Europa ocidental:

Suécia: em 1999, 85% se diziam ateus; em 2001, 69%; em 2003, 74%; em 2004, 64%. De 1999 até 2004 há uma variação para baixo dos ateus assumidos.

Dinamarca: em 2000, 80% se diziam ateus; em 2003, 43%, e em 2004, 48%. Ainda que tenha havido um pequeno crescimento entre 2003 e 2004, a queda entre 2000 e 2004 é evidente.

Noruega: em 2000, 72% se diziam ateus; em 2003, entre 54% e 41%; em 2004, 31%. Também queda.

Finlândia: em 2000, 60% se diziam ateus; em 2001, 41%; em 2004, 28%. Também vemos uma redução dos ateus assumidos.

Entretanto, sabemos que pesquisas nem sempre são precisas e que seus métodos variam e, portanto, seus resultados podem não ser tão autoevidentes.

Esses países têm visto um número crescente de grupos cristãos fundamentalistas, mas o importante é entender que esse crescimento se dá, diferentemente do caso dos EUA, ainda sob grande discrição. Sem ruídos, mas com determinação.

O caso dos luteranos laestadianos finlandeses (comunidade luterana fundamentalista na vila de Larsmö) é de chamar a atenção.

A relação entre a fertilidade de suas mulheres e a das finlandesas seculares é a seguinte, respectivamente: 1940, dois bebês contra um; 1960, três bebês contra um; 1980, quatro bebês contra um. Em 1985, a taxa de fertilidade de cada grupo era 5,47 para as fundamentalistas e 1,45 para as seculares.

A maioria das instâncias de razão pública (tribunais, universidades, escolas, mídia) é, ainda, tomada por seculares. Isso nos faz pensar que o mundo é "nossa bolha".

Veja que, no Brasil, nem o poderoso movimento gay conseguiu derrubar o pastor Feliciano. O "lifestyle" individualista secular é autocentrado e dado a "causas do Face", e por isso não tem defesa contra mulheres férteis e homens determinados.

A presidenta e o teleprompter - GREGORIO DUVIVIER

FOLHA DE SP - 03/03

Vamos chamar alguém pra consertar isso, depois a gente volta a gravar. Pode desligar. Tá esperando o quê?


Meus amigos e minhas amigas,

Graças ao esforço de todos os brasileiros e de todas as brasileiras, o Brasil termina o ano... O Brasil termina. O ano. O Brasil. (silêncio constrangedor) Gente, apagou o teleprompter. Alguém sabe como é que conserta isso? Gleisi? Não?

A Erenice sabia consertar essa joça. Alguém pode ligar pra ela? Deixa. Melhor não. Corta. Vamos chamar alguém pra consertar isso, depois a gente volta a gravar. Pode desligar. Tá esperando o quê?

Ah. Tá ao vivo? Sem problema. Posso falar de improviso. Eu adoro falar de improviso. Problema nenhum, gente. Calma, Gleisi. Eu sei lidar com improviso. Não precisa ficar nervosa. Deixa comigo. Eu sou brasileira. Eu tenho o improviso no sangue. Você não faz ideia da minha ginga. Querem ver? Vamos lá.

Bom. É. Bom. O Brasil é um país que.

Desculpa, gente. Me perdi. Onde é que eu estava? Ah, sim. Vamos lá.

Graças ao brasileiro de todos os esforços. Merda. Ih, gente, desculpa pelo merda. Ih, gente, desculpa ter repetido a palavra merda. Merda. Outra vez. Vamos lá.

Graças ao esforço de todas as brasileiras e de todos os brasileiros. Urru! Consegui, porra! Chupa, Gleisi! Desculpa pelo porra. Desculpa pelo chupa. Corta. Não! Continua. Bom, deixa pra lá. Vamos lá. De onde eu parei? Ah sim.

Graças a tudo isso que eu falei, o Brasil é um país. Mas não é qualquer país. O Brasil é um país que é muito brasileiro. Com muito esforço. Graças a Deus. E ao brasileiro. Precisa falar mais? Então vamos lá. O Brasil é um país que terminou o ano. Com muito esforço. Foi um ano de vitórias graças ao povo brasileiro.

Na medida em que foi um ano especialmente brasileiro no que se refere à brasilidade. Como? Não resta dúvidas de que, na medida em que o Brasil, no que se refere ao ano que terminou, deixou um legado. Por quê? Porque graças aos esforços de todas as brasileiras e de todos os brasileiros o Brasil é uma referência no que se refere ao ano de 2014.

Na medida em que o Brasil termina o ano ainda mais brasileiro graças aos esforços dos brasileiros no que se refere a ser uma referência internacional de brasilidade. E ponto final.

Pronto? Acabou o tempo? Ufa. Agora, pelo amor de Deus. Alguém conserta esse teleprompter. A vida sem isso é muito complicada. Hoje à tarde eu preciso comprar pão e não vou saber o que dizer.

Entre o poder e a vida - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 03/02

"É um estranho desejo buscar o poder e peder a liberdade"
FRANCIS BACON, filósofo ingês
Esta é a história de um político que trocou o poder pelo Galo da Madrugada - e não se arrependeu. Gustavo Krause Gonçalves Sobrinho é o nome dele. Natural de Vitória de Santo Antão, Zona da Mata de Pernambuco, nasceu no dia 19 de junho de 1946. Quando foi anunciado como ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, a revista "Veja" perguntou: "Gustavo o quê?" Era um desconhecido até então. Mas não só.

A PERGUNTA FEITA por "Veja" em reportagem de capa teve menos a ver com o Gustavo desconhecido e mais com o Gustavo nordestino. Desconhecido, ele não era. Advogado, especializado em Direito Tributário, havia sido prefeito do Recife, vice-governador de Pernambuco, governador, vereador e deputado federal - nessa ordem. Nordestino era de sobra.
Orgulha-se de ser.

ENTRE FICAR em Brasília fazendo política ou no Recife especulando sobre o próximo desfile do Galo da Madrugada, o maior bloco carnavalesco do planeta, Gustavo preferia ficar no Recife ocupado também em conseguir reforços para seu time, o Náutico.
Isso não quer dizer que fosse um provinciano.
Não é. Conhece bem o mundo. Só que seu mundo começa no Recife, assim como o meu. Assim como começava o do pintor Cícero Dias.

GUSTAVO SE ELEGEU deputado federal pelo PFL em 1990. Um ano antes, Itamar fora eleito vice-presidente da República na chapa encabeçada pelo aventureiro Fernando Collor. O Congresso derrubou Collor no final de 1992 sob a acusação de que era corrupto. Ao escolher os que governariam com ele, Itamar se fixou no nome de Gustavo para o ministério mais diretamente ligado aos interesses do Nordeste, o do Interior.

NO DIA 1º DE OUTUBRO daquele ano, Gustavo foi ao encontro de Itamar esperando ser convidado para o Ministério do Interior. Saiu de lá como ministro da Fazenda, o todo-poderoso chefão da economia. Itamar era assim, surpreendente. Gustavo argumentou que o ministério da Fazenda sempre coubera a um portavoz dos interesses do Sudeste e do Sul, onde se concentra a maior riqueza do país. Sem sucesso.

O MUNDO ENTÃO desabou sobre as cabeças de Itamar e de Gustavo. Acostumados a mandar na economia, os paulistas, principalmente eles, pularam da cadeira diante da perspectiva de lidar com o desconhecido. A "Veja" pulou junto. Gustavo era a esfinge. O não aliado automático. O que provocava calafrios e ranger de dentes. Por Deus, como derrotá-lo?

AFINAL, DESCOBRIRAM um modo: pau nele. Pau em Itamar. Coitado dos dois! Itamar receava passar à História como "Itamar, O Breve". Certa vez ouvira de um amigo: "Você não vai durar 48 horas". Gustavo receava passar à História como "Gustavo, O Breve". O receio dos dois não se confirmou. Itamar passou como o presidente que deu certo. Gustavo, pelo conjunto de sua obra. Itamar já morreu. Gustavo está vivo, vivíssimo.

GUSTAVO RESISTIU à pancadaria da imprensa exatos 75 dias. No que seria seu último dia no coração do poder, disse aos seus botões: "Chega! Optei pelo Galo". Não foi isso. Disse algo parecido com "optei pela vida". Galo e vida são a mesma coisa. Gustavo cumpriu o resto de mandato de deputado. Depois foi ministro do governo Fernando Henrique. E nunca mais voltou a Brasília como servidor público.

ESTE ANO, só faltou ao desfile do Galo por causa de um tratamento dentário. Quanto ao Náutico... Vai mal. Em tempo: o que quis dizer ao contar essa história? Sinceramente, nada. Só quis aproveitar o carnaval para contar uma história. Gosto de contar histórias.

Na ponta do lápis - VERA MAGALHÃES - PAINEL


FOLHA DE SP - 03/03

O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, nega que o governo exerça pressão sobre o STF para que não retome o julgamento das ações que pedem ressarcimento de perdas dos planos econômicos dos governos Sarney e Collor. "O que apresentamos, e será avaliado pelos relatores e pelo plenário, é se não seria adequado o aprofundamento sobre o efetivo impacto dessas ações no sistema financeiro", diz o ministro. Segundo ele, "isso não é pressão, é responsabilidade".

Veja bem 1 Adams também responde à acusação, feita pela defesa dos poupadores, de que, ao tentar evitar o julgamento das ações, o governo aposta na prescrição.

Veja bem 2 "Nesse caso não há prescrição intercorrente, que acontece em face da demora no julgamento, como existe nos processos penais e nas execuções fiscais", diz o advogado-geral.

Não tá fácil... A demora na troca de comando da Esplanada exaspera os ministros candidatos. Entre os que gostariam de deixar logo as pastas estão Aguinaldo Ribeiro (Cidades) e Maria do Rosário (Direitos Humanos).

... pra ninguém Depois de pedir para ficar no posto até a Festa da Uva em Caxias do Sul, Pepe Vargas (Desenvolvimento Agrário) também quer apressar a passagem do bastão para Miguel Rossetto. A mudança está prevista para os próximos dias.

No limite Eduardo Campos (PSB) só deixará o governo de Pernambuco em 4 de abril, prazo final de desincompatibilização para quem será candidato em outubro.

Para foto A saída de Campos do cargo será marcada por um grande ato de prestação de contas de seus dois mandatos, com a presença de todo o grupo político do presidenciável do PSB.

Posto avançado Dirigentes petistas que acompanham a movimentação pelo "volta Lula", capitaneada pelos deputados federais do partido, dizem que a escolha de Vicentinho (SP) para líder da bancada fez parte da estratégia dos insurrectos.

General Apesar de ter emplacado o ex-secretário Arthur Chioro no Ministério da Saúde, o prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho, é apontado como um dos líderes do grupo que sonha com o retorno do ex-presidente.

Timing 1 Eduardo Suplicy (PT) abordou Geraldo Alckmin (PSDB) na sexta-feira no Anhembi para conversar sobre o projeto de revisão de dívidas de Estados e municípios. Pediu dados da Fazenda estadual para defender a proposta no Senado e disse estar "à disposição" para o que fosse necessário.

Timing 2 Em seguida, Suplicy afirmou que ainda procuraria o prefeito Fernando Haddad (PT) para solicitar os dados municipais.

Cicerone Alckmin chegou ao sambódromo 40 minutos antes do anfitrião Haddad. Na ausência do petista, foi recebido pela mãe do prefeito, Norma, e pela vice, Nádia Campeão (PC do B).

Cada um na sua Quando se encontraram, governador e prefeito pouco falaram. O tucano dividiu rodas de conversa com o presidente do Tribunal de Justiça paulista, Renato Nalini.

Gaveta Quem conversou com o novo conselheiro do Tribunal de Contas do Município, João Antonio, diz que ele se surpreendeu com a quantidade de processos relativos à gestão Gilberto Kassab arquivados no seu gabinete e que está disposto a reabrir casos como o da operação Água Espraiada.

Protocolo Preterido para a presidência da SPTuris no início do ano, o ex-vereador Ítalo Cardoso (PT), vice da estatal, passou por saia justa no Anhembi. Ao recepcionar os responsáveis pela segurança, ao lado do chefe, ouviu: "Cumprimentamos o presidente primeiro?".

com BRUNO BOGHOSSIAN e PAULO GAMA

tiroteio
"Enquanto o PT faz campanha em São Paulo sem propostas, o ministro da Justiça quer adotar a polícia sem armas de Alckmin."
DE DUARTE NOGUEIRA, presidente do PSDB paulista, sobre José Eduardo Cardozo ter defendido que a Tropa do Braço seja adotada por outros Estados.

contraponto

Deixa para depois

Os presidenciáveis Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) se encontraram há algumas semanas, quando o tucano foi ao Recife visitar Miguel, quinto filho do governador de Pernambuco.
Depois de um brinde com cachaça mineira de Salinas, oferecido pelo anfitrião, almoçaram e conversaram sobre os detalhes da estratégia mútua de não agressão na atual fase da campanha. Em dado momento, debateram sobre até quando poderiam levar a boa convivência.
--Acho que o melhor para evitar briga é passarmos nós dois para o segundo turno --brincou Aécio.

--Pronto, é uma boa ideia! --aquiesceu o pessebista.

A educação ou a Petrobrás? - ANTÔNIO CABRERA

O Estado de S.Paulo - 03/03

"Se a Petrobrás é eficiente, ela não precisa ser estatal. Se não é eficiente, ela não merece ser estatal."



Durante a vida, num processo democrático, você será criticado de duas maneiras: pelo que faz ou pelo que deixa de fazer. Se é para receber crítica, então que esta apareça pela contribuição que desejo fazer ao meu país. Não há mais nenhuma justificativa plausível para o Brasil manter uma empresa pública como a Petrobrás. Explico.

Em primeiro lugar, quero reafirmar categoricamente que o petróleo é nosso. Já a Petrobrás, com essa política do governo de controlar os preços dos combustíveis de acordo com sua conveniência político-eleitoral, transformou-se num buraco negro de dinheiro público. Essa desastrada política de intervencionismo, pois a Petrobrás é a única empresa no mundo que vai ao mercado para comprar por 100 e vender por 90, causou nos últimos anos uma perda de mais de R$ 200 bilhões no preço de suas ações em bolsa. Em qualquer país sério não passaria em branco uma destruição dessa magnitude da riqueza pública. O resultado, fugindo da esterilidade da confrontação ideológica, é que o Brasil se tornou o único país do mundo que prefere importar gasolina e diesel a importar capitais para produzi-lo.

Reforçando, a verdade inconveniente é que o petróleo é um negócio extremamente arriscado e caro que não deve envolver dinheiro do povo (vide Eike Batista), mas, sim, auferir benefícios pela arrecadação de impostos, o que não ocorre com a contribuinte Petrobrás. Aliás, segundo a Cambridge Energy Research Associates, o Brasil deixa de ganhar em impostos cerca de US$ 1,5 bilhão a US$ 3 bilhões por não aplicar à Petrobrás uma política fiscal para a produção de petróleo e gás natural similar à dos EUA, da Grã-Bretanha ou da Noruega. Mas, ao tempo que isenta a Petrobrás, concomitantemente tributa qualquer doação destinada à educação e é o único país do mundo que tributa a mensalidade escolar.

Não bastasse isso, nossa tão propalada autossuficiência em petróleo sempre foi volumétrica e nunca monetária: exportamos petróleo bruto (mais barato) e importamos derivados (mais caros). Para minimizar esses prejuízos a fatura ficou ainda mais salgada quando, em 2011, um burocrata de prancheta decidiu manter artificialmente o preço da gasolina na bomba e, posteriormente, diminuir e eliminar a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) da gasolina. Pura ironia, os recursos da Cide deveriam ter sido aplicados em "infraestrutura de transporte" (não vi ninguém reclamando disso nas passeatas pelo aumento das passagens de ônibus em São Paulo) e "programas ambientais para reduzir os efeitos da poluição causada pelo uso de combustíveis".

Traduzindo, como o etanol continua recolhendo a Cide, o Brasil é o único país do mundo que tributa um combustível limpo e desonera um combustível fóssil e poluente (e também não vi ninguém pedindo "veta gasolina"). Mas não para aí, pois, enquanto livra a gasolina da Cide, neste retorno às aulas os pais estão pagando em média de impostos mais de 47% nas canetas e mais de 43% nas borrachas de seus filhos. Educação é prioridade?

Enquanto ninguém faz contas de quanto será esta conta que imoralmente estamos deixando para as gerações futuras, nos EUA os avanços nas técnicas de perfuração horizontal e fratura hidráulica vêm permitindo explorar reservas de gás antes inacessíveis, a custo economicamente viável e gerando uma nova revolução industrial, oferecendo às indústrias norte-americanas um custo de energia imbatível. Mas "notícia, se a boa corre, a ruim avoa", o México vem de privatizar seu setor de petróleo e energia: continua sendo propriedade do governo mexicano, mas companhias privadas poderão explorá-lo sozinhas. Com um custo de exploração em águas profundas menor que o do Brasil e tendo uma logística imbatível, eis que é vizinho do maior consumidor do planeta, o risco do País não é ser explorado pelos capitalistas de plantão, mas ser completamente ignorado. Se na nata do bolo apenas um consórcio apareceu no leilão de Libra, e agora? A resposta é que o governo vai perfurar poços de petróleo sozinho, mas não vai perfurar as barreiras educacionais do último Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), em que nossos alunos estacionaram nas derradeiras posições.

Em segundo lugar, nunca antes neste país um setor tão vibrante do agronegócio foi moído em bagaços como o sucroenergético. Na última safra mais de 70 usinas fecharam ou estão em recuperação judicial e 60 podem vir a fazê-lo nos próximos 24 meses, com multinacionais deixando o País e grupos nacionais atolados em dívidas. O que se exigiu dos biocombustíveis em dois anos nunca se exigiu do petróleo. Embora seja um setor que emprega mais de 1 milhão de pessoas (incluindo indiretas) e ancorado numa movimentação financeira que supera US$ 86 bilhões/ano, do corte da cana até o abastecimento do automóvel, o etanol passa por uma longa cadeia produtiva que, de acordo com estudo da Embrapa Agrobiologia, pode chegar a ser 80% menos poluente do que os procedimentos que levam a gasolina aos postos de combustível. Mas a mão pesada do Estado no preço da gasolina resultou em que somente 23% dos brasileiros com carros flex utilizaram etanol este ano - em 2009 foram 66% -, com todos esses benefícios ambientais jogados na lata do lixo. Com inúmeras vantagens da natureza a nosso favor, não suplicamos privilégios do governo, mas não suportamos o subsídio estatal à gasolina.

Por fim, neste país rico de recursos e pobre de decisões, recorro a Demóstenes: "Há pessoas que creem embaraçar aquele que sobe à tribuna perguntando-lhe: então, que fazer? A essas dou a resposta que me parece a mais equânime e veraz: não fazer o que estais fazendo atualmente". A educação brasileira agradece.

O sanduíche - PAULO DELGADO

O GLOBO - 03/03

A relação entre o preço do Big Mac e a renda per capita do país em que é vendido põe o holofote sobre certos desalinhamentos



Inventado por um aristocrata inglês de nome Sandwich, tornou-se esnobe e em algumas rodas quer ser chamado de hambúrguer. Em outras finge desconhecer seu primo cachorro-quente, vendido em carrocinha.

Deu a volta ao mundo, mas foi também na Inglaterra, na redação da revista “The Economist”, que, para facilitar a compreensão da complicada economia, usaram seu descendente mais ilustre, nascido na América, para criar o índice Big Mac, o qual mede a posição relativa das moedas nacionais. A relação entre o preço do Big Mac e a renda per capita do país em que é vendido põe o holofote sobre certos desalinhamentos.

Duas fatias de pão separadas uma da outra, razoável altura, dois andares de um prédio arredondado, não entra na boca de uma só vez, onde são colocados carne, queijo e alface. Quatro produtos empilhados pela mão de obra local, engordurados de impostos, chegando a uma diferença de preço de mais de 500% pelos mais de cem países onde o Big Mac é vendido.

Espera-se que o preço do padronizado mito acompanhe positivamente a renda per capita do país onde está sendo produzido e vendido. De fato é isso que se observa: renda per capita baixa, Big Mac mais em conta (o mais barato é na Índia, pelo preço de um sanduba simples brasileiro); renda per capita alta, Big Mac mais salgado (o mais caro, norueguês, custa quase 20 reais). Mas há um belo caso destoante. O abuso dos preços no Brasil. E o Big Mac é só um símbolo das várias situações que, em conjunto, fazem de nós o estranho país emergente no qual o PIB per capita medido em paridade de poder de compra é inferior ao PIB per capita a preços correntes. Ou seja, é a pátria da coisa cara. Essa peça comestível custa 250% mais caro aqui do que em Hong Kong. E, na Europa, somente nas milionárias Suíça, Suécia e Noruega o preço do Big Mac nos supera.

Mas arrancar o couro do freguês entre nós vai muito além do sanduíche. Com suas características continentais, o preço do avião ultrapassa qualquer comparação mundial ou enquadramento constitucional e de mercado. Esquivando-se tanto assim da austeridade, o Brasil acabará atropelado pela fartura. Constituiu-se no país uma política de preços altos e impagáveis a que nos acostumamos como quem vive de favor, sempre endividado, que nos serão cobrados mais cedo ou mais tarde. De forma frequente e extraordinária o que orienta as condições econômicas é o interesse do varejo político e não construir regras duradouras que façam gerações melhorarem de vida de forma estável. Pobres e caros, nunca nos tornaremos ricos.

A democracia política ainda não viu o futuro promissor que é gerir recursos naturais e ter eficiência na construção industrial e tecnológica. Nem está atenta para os cada vez mais frequentes episódios de desespero urbano, violência familiar e brutalidade do cotidiano a anunciar a separação entre riqueza e cultura, ou a convivência da fartura material com a privação espiritual. Pássaro na gaiola de ouro, o cidadão está cada vez mais cerceado em sua liberdade e autonomia econômica. Assim, furiosa e solitária, a violência vaza sobre a sociedade como uma fada caindo aos pedaços.

A derrota do país na área trabalhista - ABRAM SZAJMAN

FOLHA DE SP - 03/02

Para os que sempre foram contra a flexibilidade no trabalho, o eSocial, novo programa do governo federal, é a realização de seu sonho


À semelhança do que faz na área tributária o Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), da Receita Federal, o eSocial é um projeto do governo federal que reúne vários órgãos intervenientes no universo das relações trabalhistas. O seu objetivo é trazer para o ambiente digital informações até hoje dispersas.

Por meio do eSocial, as empresas serão obrigadas a encaminhar para o governo, em tempo real, imensa quantidade de dados trabalhistas e previdenciários.

Todos os detalhes da contratação, descontratação e administração do dia a dia do pessoal empregado terão de ser comunicados por meio de registros eletrônicos padronizados, incluindo exames admissionais, contrato de trabalho, salário, benefícios, bônus, horas extras, férias, abono de férias, licenças, adicionais de insalubridade, periculosidade, penosidade, acidentes ou doenças profissionais, afastamentos, contratação de serviços terceirizados, exames demissionais, enfim, tudo o que acontece durante o contrato de trabalho.

Com o eSocial, as empresas serão rigorosamente monitoradas o tempo todo, e o governo elevará enormemente sua capacidade de fiscalizar, autuar e arrecadar. Se vai devolver à sociedade o que arrecada na forma de bons serviços públicos, é questão em aberto.

Especialistas já destacaram a complexidade de implantação do novo sistema e as despesas a ele associadas. A distorção maior embutida no projeto, entretanto, é outra, e bem mais grave.

Tomando apenas a questão das relações do trabalho, o eSocial pretende tratá-las como se fossem relações tributárias. Estas são frias e absolutamente objetivas. Por força de lei, as empresas têm a obrigação de pagar impostos e recolher contribuições. Elas o fazem na data certa ou são multadas pelo atraso. São transações impessoais.

As relações do trabalho, ao contrário, são relações humanas baseadas em grande dose de confiança entre empregados e empregadores, que fazem pequenos ajustes ao longo do contrato de trabalho. É o caso de horas extras para atender situações excepcionais, compensadas em outra oportunidade mediante entendimento cordial, ou quando o empregado volta ao trabalho dias antes ou depois do término das férias, mediante compensações acertadas na base pessoal.

Ignorando essa realidade, o eSocial dará ao governo o poder de penalizar todo e qualquer desvio das normas regulamentadoras, mesmo quando acertado livremente de comum acordo entre empregador e empregado.

Assim, o Brasil se tornará o país mais rígido do mundo na aplicação das leis trabalhistas, pois o novo sistema não admitirá nenhum tipo de ajuste entre as partes.

De um clima harmonioso e cooperativo, passar-se-á para o ambiente de olho por olho, dente por dente, o que será péssimo para o convívio entre as pessoas e devastador para a produtividade do trabalho.

Para os que sempre foram contra a flexibilidade no trabalho, o eSocial é a grande realização dos seus sonhos: esse programa materializa a ideologia dos que pensam ser possível ter na prática uma reprodução rigorosa do que está estampado no frio quadro legal.

É a vitória dos que cultivam a rigidez trabalhista e a derrota de um país que, para competir e vencer, precisa criar um bom ambiente de negócios, atrair capitais, investir na capacitação das pessoas e ter altos níveis de produtividade.

Por essa razão, os empresários do setor comercial e de serviços consideram que se impõe um adiamento e uma melhor discussão do assunto, para que a dimensão humana das relações de trabalho seja também contemplada.

Ajustes de rota do Plano Real - ROBERTO LUIS TROSTER

O Estado de S.Paulo - 03/03

A deterioração da percepção do desempenho da economia brasileira angustia cada dia mais. Nas últimas semanas, o banco central norte-americano, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e instituições financeiras publicaram relatórios manifestando preocupação com a sua dinâmica.

Se, por um lado, a piora de imagem foi maior que a dos indicadores macroeconômicos, e os números do PIB divulgados na semana passada mostram isso, por outro, a performance da economia brasileira merece reparos: crescimento baixo, juros altos, inflação elevada, câmbio volátil e projeções pouco otimistas para o País.

É fato que o Brasil tem potencial, bem como não há risco de insolvência de títulos da dívida brasileira nem no curto prazo nem no médio prazo. Entretanto, é nítida a necessidade de um ajuste de rota na política macroeconômica.

A perpetuação da situação atual é nociva e esperar até 2015 tem custos que não convêm a ninguém. Alterações nas políticas monetária, cambial e fiscal são peremptórias.

Não será a primeira - e com certeza não será a última - reestruturação do Plano Real, que está comemorando 20 anos agora. Os primeiros ajustes ocorreram antes de seu lançamento, em 1993, e tinham como objetivo criar condições institucionais para que sua implantação fosse mais efetiva.

Duas medidas se destacaram nessa fase. A primeira ficou conhecida como Abertura da Caixa Preta, que propiciou ao Banco Central melhor controle das políticas monetária e cambial; e a outra foi o Fundo Social de Emergência (FSE), que facilitava a geração de superávits fiscais.

Em 1.º de março de 1994, data comemorada agora, começou a fase da Unidade Real de Valor (URV), que durou quatro meses e atrelou todos os preços em cruzeiros reais ao novo padrão, que era alterado diariamente. Em 1.º de julho foi feita a transição e a sincronização retirou pressões inflacionárias da nova moeda, o real.

No primeiro ano do Plano Real, a política cambial mudou radicalmente. Num primeiro momento, até março de 1995, ele flutuou e depois passou a ser desvalorizado à taxa de 7% ao ano. Na condução da moeda, o controle dos agregados monetários foi substituído com o uso da taxa de juros como instrumento principal.

O sucesso inicial foi meritório, a economia cresceu e a inflação despencou. Todavia, os primeiros sinais de esgotamento apareceram de forma nítida em 1997, com um desempenho mais fraco da atividade econômica e pressões fortes no balanço de pagamentos. Um quadro que guarda paralelos com o atual.

Em vez de reagir rapidamente, o governo só atuou dois anos depois, quando desvalorizou o real, adotou o regime de metas de inflação e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Corrigiu a rota, mas a demora custou dezenas de bilhões de dólares em reservas e o País teve três anos de crescimento baixo do PIB.

Os dois pontos a destacar são que regimes de política econômica se esgotam no tempo e que o imobilismo tem custos elevados. Na maioria dos casos, no Brasil e no resto do mundo, as alterações de rota ocorrem ou após uma crise ou após a mudança de governo. Aqui é praticamente consenso de que haverá um ajuste em 2015.

Não há necessidade de esperar e desperdiçar um ano. A incerteza quanto aos rumos da política econômica prejudica a percepção externa da economia brasileira e posterga investimentos necessários. Os agentes econômicos olham para onde vai um país muito mais do que para onde ele está. Três ajustes podem fazer diferença.

Um deles é na política monetária. A proposta é subir a meta de 2014 para 5,5% e reduzi-la em 0,5% cada ano até 2020, estreitar a banda e ajustar os juros para fazer a inflação convergir para os valores fixados.

Os ganhos com a medida seriam metas de inflação mais críveis, horizontes mais longos para os agentes econômicos, uma moeda mais estável no futuro e juros reais mais baixos para a economia brasileira. São medidas que dependem apenas do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central.

Outro ajuste é nas contas públicas. A meta anunciada de 1,9% de superávit primário para 2014 é insuficiente para colocar a dinâmica da dívida numa trajetória sólida. Para tanto, um orçamento plurianual verossímil e a adoção do déficit nominal zero proposto pelo professor Delfim Netto são imperativos.

Na política cambial, duas medidas são necessárias. A primeira é o Banco Central mudar sua atuação no câmbio. Deixar de operar no mercado de derivativos, que é caro, arriscado e que num momento de estresse mais forte pode custar dezenas de bilhões de reais ao erário, como aconteceu em 1999, e atuar apenas no mercado à vista, usando reservas e fixando bandas de oscilação para a moeda americana todos os dias em 0,5%. Como é um mercado mais estreito que o futuro, os volumes e os riscos são consideravelmente menores e é mais efetivo para reduzir a volatilidade cambial.

Outra adaptação é tirar as restrições para operar com câmbio à vista, que tem uma regulamentação anacrônica, burocrática e onerosa para a economia brasileira. Ganhos expressivos seriam auferidos com sua modernização.

Os ajustes propostos nas políticas monetária, cambial e fiscal são factíveis e, se e quando implantados, podem reverter a tendência dos principais indicadores econômicos. São mudanças que podem ser implantadas num curto espaço de tempo e com ganhos expressivos para a economia do País.

O Plano Real promoveu uma transformação estrutural irreversível na economia brasileira e criou condições para um desenvolvimento sustentável. Mais que um projeto de estabilização criativo e eficiente, foi um processo de ajustes ao longo do tempo, em que todos os governos deram sua contribuição.

Neste momento, a demanda é por ajustes de rota. Há também uma agenda de reformas que deve ser retomada. O Brasil tem de continuar avançando.

Lições da Grande Guerra e da queda do Muro de Berlim - RODRIGO BOTERO MONTOYA

O GLOBO - 03/03

Há analistas que encontram semelhanças entre 1914 e a aspiração da China de desafiar a posição dominante dos EUA



Este ano celebra-se o centenário de uma conflagração de dimensões continentais. Também se cumpre o 25º aniversário da implosão do império soviético. Os acontecimentos de 1914 e 1989 condicionaram o Século XX. Os primeiros 13 anos do século passado podem ser considerados um prolongamento do Século XIX. A década posterior a 1990 se confunde com o início do Século XXI. O período entre 1914 e 1989 se identifica com o surgimento dos totalitarismos, o enfrentamento militar entre as grandes potências e o fim da hegemonia europeia. São datas que enquadram o Século XX num mesmo ciclo histórico.

Em 1989 se produziram as insurreições populares que conduziram ao colapso dos regimes comunistas da Europa Oriental, à queda do Muro de Berlim, ao desaparecimento da República Democrática Alemã (RDA) e à dissolução da União Soviética. Estes acontecimentos trancedentais se desenvolveram sem a intervenção de protagonistas externos.

O ano de 1914 marca o início do conflito então chamado de Grande Guerra, entre 1914 e 1918, hoje conhecido como Primeira Guerra Mundial. O assassinato em Sarajevo do arquiduque austríaco Ferdinando e sua esposa, no mês de junho, foi o detonador de uma série de decisões por parte dos governos europeus, que desencadearam consequências imprevistas e irreversíveis.

O Império Austro-Húngaro declarou guerra à Sérvia. A Rússia se mobilizou em solidariedade à Sérvia, o que levou a Alemanha a também se mobilizar. Por seu turno, o envolvimento da Alemanha arrastou a França e a Inglaterra à guerra, segundo alianças preexistentes. A Itália interveio na qualidade de aliada de França e Inglaterra. O Império Otomano participou como aliado da Alemanha.

Os governos beligerantes entraram nas hostilidades sob a ilusão de que se trataria de um episódio breve, que se resolveria com o triunfo decisivo de suas respectivas forças armadas. O que sobreveio, porém, foi uma catástrofe na qual perderam a vida 17 milhões de pessoas, entre combatentes e civis, vítimas da capacidade destrutiva implementada por nações industrializadas. As frustrações causadas pelo sacrifício de uma geração na guerra de trincheiras serviram de caldo de cultura para a aparição do fascismo e do comunismo, como alternativas à democracia liberal.

Ao finalizar a guerra, tinham desaparecido o regime dos czares na Rússia e os impérios Austro-Húngaro e Otomano. A fragmentação de agrupamentos multiétnicos centro-europeus, assim com as rivalidades entre França e Inglaterra pelas antigas possessões otomanas, lançaram as sementes de novos conflitos. As sanções impostas à Alemanha em Versalhes pelas potências vitoriosas criaram ressentimentos que haveriam de conduzir à Segunda Guerra Mundial.

A evocação das tensões de 1914, diante do enfrentamento entre a Alemanha, uma potência emergente, e a Inglaterra, dá lugar a temores contemporâneos. Há analistas que encontram semelhanças com a aspiração da China de desafiar a posição dominante dos Estados Unidos. A História ensina que a aparição de novas potências mundiais nem sempre ocorre de maneira pacífica.

Reflexões no Carnaval - VALDO CRUZ

FOLHA DE SP - 03/02

BRASÍLIA - Estressada e cansada pelo ritmo eleitoral de suas viagens e pela troca de farpas com seus aliados no Congresso, a presidente Dilma deveria aproveitar o Carnaval para dar uma desconectada geral.

Diria que seria produtivo também refletir um pouco sobre os rumos de seu governo. Afinal, o ano vai ser cansativo. Economizar energias, evitando guerras e batalhas desnecessárias, será fundamental.

Entre amigos e interlocutores de Lula, por exemplo, há uma avaliação, correta, já transmitida inclusive à presidente Dilma, de que ela lançou excelentes ideias e programas, mas errou na sua execução.

Alguns casos. O programa de redução do elevado custo da energia elétrica no Brasil. Diagnóstico correto, medida necessária, entrave ao crescimento que ela enfrentou.

Só que adotou um caminho intervencionista, derrubou a capacidade de investir das estatais do setor elétrico e fez disparar o preço da energia elétrica no mercado livre.

Outro. A redução da elevada taxa de juros. Ela comprou uma briga com o mercado financeiro, algo que seu antecessor não teve coragem de fazer. Só que errou ao não ancorar sua acertada decisão. Com descontrole nos gastos públicos, a inflação subiu e, com ela, os juros também.

Mais. Decidiu mudar o Código de Mineração, alterando regras cartoriais no setor. Só que sua postura de não arredar pé de suas convicções impediu a aprovação do projeto. Resultado: a área está travada.

Resolveu endurecer com seus aliados no Legislativo, buscando conter o apetite fisiológico dos governistas. Corretíssimo. Mas não sabe, em troca, fazer um afago, um carinho. No fim, é obrigada a conceder boa parte do que não queria.

Fortaleceu a Petrobras, transformou-a na rainha do pré-sal, mas segurou o preço da gasolina. Resultado: derrubou seu valor nas Bolsas.

Enfim, são as virtudes presidenciais sendo neutralizadas por seus defeitos. Algo digno de reflexão.

Tempo gira e oposição roda - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

O Estado de S.Paulo - 03/03

Todas as pesquisas de todos os institutos confirmam que dois de três eleitores querem mudanças no governo. Mas as pesquisas mostram que esses mesmos eleitores não sabem a quem recorrer para mudar. É como se olhassem à volta, só vissem Kombis 76 sem capota traseira e se perguntassem: "E se chover?" De repente, viver com a tia Dilma mais uma temporada não parece tão ruim.

Daí a aparente contradição de a presidente seguir na liderança da corrida eleitoral, com mais intenções de voto do que a soma dos seus adversários, apesar de esta ser uma eleição mudancista. Como é possível que um terço daqueles que clamam por mudança declarem voto em Dilma Rousseff? O eleitor é um idiota que não sabe o que quer da vida nem do governo? Não e não.

A decisão do voto é sempre pragmática. O cálculo eleitoral começa pelo que o eleitor pode ganhar votando em um candidato específico. Se ele não reconhece nenhuma vantagem pessoal na eleição de qualquer dos candidatos, o raciocínio muda e passa a ser o que ele tem a perder com a vitória de cada um deles. Nesse caso, quem oferece menor risco tende a ser o vencedor.

Dilma é, hoje, a aposta menos arriscada para mais de 40% do eleitorado. Pelo menos metade desse contingente não está terrivelmente excitado com a perspectiva de ver a presidente dando as ordens por mais quatro anos no Palácio do Planalto. Só cita seu nome depois de compará-lo aos dos demais candidatos ao cargo. Chega a Dilma por eliminação da concorrência.

Isso aparece na comparação dos resultados dos vários cenários eleitorais pesquisados pelo Datafolha. A intenção de voto estimulada em Dilma varia de 40% a 47%, dependendo de quem são os adversários. Sua maior vantagem é quando enfrenta só Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB). E a menor é com Marina Silva (PSB) e Joaquim Barbosa (STF) no páreo, além do tucano.

No cenário que inclui os nanicos, Dilma perde 3 pontos (cai de 47% para 44%), mas Aécio e Campos também perdem: 1 ponto e 3 pontos, respectivamente - porque eleitores evangélicos e verdes tendem a preferir candidatos com seu perfil ideológico.

Isso mostra duas coisas: 1) Aécio e Campos não estão conseguindo catalisar o desejo de mudança tão bem quanto Marina e Joaquim; 2) mesmo quando aumenta o número de adversários, Dilma sustenta um eleitorado que a levaria pelo menos ao segundo turno.

Antes de entrar pelos problemas da oposição, convém entender por que Dilma mantém tantos eleitores potenciais. A resposta óbvia é porque metade dos brasileiros aptos a votar dá pelo menos nota 7 ao governo da petista, segundo o Datafolha. E, nessa metade, 77% declaram intenção de votar em Dilma.

A chance de alguém votar na candidata incumbente é proporcional à sua satisfação com o governo. Dilma tem 60% dos votos de quem lhe dá nota 7, 80% de quem lhe dá 8, e 90% dos 9 e 10. Abaixo de 7, porém, sua penetração no eleitorado é mínima: 14%.

Afora torcer para a presidente não sustentar seus 19% de notas 9 e 10, 18% de 8 e 15% de 7, Aécio e Campos têm que calibrar o discurso eleitoral para maximizar suas chances. Quanto mais radicalmente contra o governo ele for, mais apelo aos mudancistas ele terá, mas será também maior o risco de ambos alienarem a metade do eleitorado que têm simpatia por Dilma.

Além de saber o que dizer, os dois nomes da oposição precisam cavar oportunidades para fazer seu discurso chegar aos eleitores - principalmente na pré-campanha. Isso porque, quando o palanque eletrônico começar no rádio e na TV, eles terão contra si uma desvantagem maior do que Geraldo Alckmin e José Serra tiveram em 2006 e em 2010: têm, juntos, menos da metade do tempo de Dilma.

Tudo isso torna imprescindível aos candidatos, a todos eles, entender o que o eleitor quer mudar e como. Sem descobrir isso, vão rodar em falso enquanto o relógio gira rumo a outubro.

Descaso e incompetência dão nisto - VERA BRANT

CORREIO BRAZILIENSE - 03/03

Bem avisou Darcy Ribeiro, 30 anos atrás: melhor gastar com escolas que com penitenciárias. Disse ainda, em entrevista para a TV Cultura, que o Brasil se arrependeria se não o ouvisse. Não é só Brasília que está entregue aos bandidos. É o Brasil inteiro. Isso já estava previsto, há muitos anos atrás.

Governos incompetentes, crianças fora da escola, crescendo ignorantes e mal-alimentadas, sem capacidade para nada, a não ser se reunir com os moleques e inventar maldades. Quando são presas, vão para cadeia fétida, são tratados como bois no pasto e vão se deteriorando, alimentando os monstros internos, odiando a sociedade.

Quando o Darcy era vice-governador do Rio, pediu ao Lelé projeto de cadeia pré-fabricada. O projeto era maravilhoso. Cada quarto para quatro detentos, com quatro camas e banheiro decente, roupa de cama, etc. Refeitório limpo, amplo. Posto de saúde, pátio para exercícios físicos, salas de aula, locais para oficinas onde seriam confeccionados móveis para escolas, roupas para médicos, sapatos, roupas de cama para os hospitais, uniformes. Os detentos estudariam e aprenderiam ofícios para, recuperada a liberdade, exercerem profissão decente.

Com as escolas de tempo integral que o Darcy criou, as crianças teriam encaminhamento digno e hoje estaríamos mais tranquilos, com menor quantidade de bandidos nas ruas. Infelizmente, ele não foi imitado nos outros estados, como pretendia, e os governos que vieram depois, no Rio, fecharam as escolas. Recentemente, li reportagem sobre o Complexo Penitenciário de Ribeirão das Neves, em Minas, nos moldes do projeto do Lelé e fiquei contente que alguém tenha começado o processo. Antes tarde do que nunca.

Foi trabalho de parceria público-privada, em que se encontram internados 672 detentos. Não sei a razão de os milionários brasileiros não tomarem a iniciativa de fazer o que os governos não fazem, para o seu próprio bem e o de suas famílias. Porque, num futuro bem próximo, ninguém vai poder chegar à janela de casa sem ser molestado por monstros que a incompetência, o descaso e o desamor dos governos e da sociedade fizeram nascer.

Mas o tempo que já perdemos, o descaso e a incompetência dos vários governos causaram estragos irrecuperáveis. Não existe uma pessoa sensível que não se comova e se revolte quando assiste, na televisão, ao tratamento que os hospitais dão aos doentes pobres. Fico imaginando os filhos e os netos desses pobres coitados. Os médicos idealistas deixaram de existir.

Os professores deixaram de ser competentes e eficientes. Os ordenados que lhes são pagos são tão baixos que ninguém mais quer ser professor. E ainda têm que suportar a má educação dos estudantes que perderam a compostura nas salas de aula. A educação, no Brasil, está mais do que lastimável.

As televisões informam, diariamente, a fortuna que é roubada dos cofres públicos, cinicamente, até por juízes, como foi o caso de São Paulo. E fico pensando na decepção dos jovens que escolheram estudar direito e tomam conhecimento de absurdo dessa dimensão. Os doentes mentais estão sendo jogados em masmorras, sem a devida assistência médica. É lastimável que tenham chegado a esse absurdo.

Os idosos, quase todos abandonados pelas famílias, vivem em casas de caridade, dependendo de esmolas e da boa vontade de pessoas generosas para se alimentarem razoavelmente. Nem sei se haverá alguém com capacidade de consertar a bagunça que se instalou. Já nem falo na decadência moral dos políticos. Foi-se o tempo em que os idealistas se candidatavam, com o desejo de ajudar o povo na busca de caminho decente para um país fisicamente belo e farto, com terras férteis, rios abundantes e clima ameno. Hoje essa qualidade de gente é minoria. Os gananciosos, egoístas, injustos e irresponsáveis assumiram a direção do nosso destinos - em arriscada jornada.

Financiamento secreto - PAULO BROSSARD

ZERO HORA - 03/03

Se trata de saber se os brasileiros têm ou não preferência sobre os recursos nacionais


Faz alguns dias, depois de breve passagem por Davos, na Suíça, de dois dias em Lisboa em razão de suposta “parada técnica” a ensejar excelente experiência gastronômica, hospedagem no Ritz e jantar no Eleven, acompanhada de numerosa comitiva, a senhora presidente voou até Cuba, onde recebeu as homenagens do ditador Raúl Castro; lá fez declarações um tanto estranhas para serem ditas por uma chefe de Estado.
Como é sabido, em meados de 2012, por intermédio do BNDES, o governo celebrou contratos de financiamento com Angola e Cuba, chumbados com a nota de secretos até 2027. Esta circunstância chamou a atenção, uma vez que nenhum dos restantes contratos com Estados estrangeiros foi carimbado com o selo de secrecidade. Por que secretos os pactos com Angola e Cuba e só eles?
Concluída a metade das obras portuárias de Mariel, para as quais o Brasil entrou com a soma de US$ 802 milhões por intermédio do BNDES, a senhora presidente ao comparecer à inauguração desta etapa do porto, anunciou e prometeu a concessão de mais US$ 290 milhões, para a conclusão da mencionada obra; é de notar-se que esta soma adicional a ser concedida está na dependência do respectivo contrato.
A revelação de mera promessa na forma escolhida destoa dos estilos protocolares e dir-se-ia uma temeridade diplomática, que prefiro substituir dizendo que ela se deveria à pressa juvenil da senhora presidente, cuja precipitação recebida com aplausos cubanos teria arranhado as bicentenárias tradições da casa de Rio Branco, celeiro de precedentes em que a prudência, a medida, a oportunidade, o equilíbrio e o decoro do país eram cultivados religiosamente.
Na ilha do Caribe a ocorrência tem sido festejada como acontecimento histórico, mas são muitos os brasileiros incomodados com o ostensivo financiamento da construção de obras estrangeiras, quando os nossos portos, inclusive o maior deles, o de Santos, carece de complementos necessários e fundamentais.
Parece que a senhora presidente se esqueceu do que a Constituição, ao enunciar os Princípios Fundamentais da Nação, prescreve “a República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais: II. prevalência dos direitos humanos”. Ora, só por irrisão alguém poderia arrolar a ilha presídio, entre as nações fiéis aos valores universais, contidos na expressão prevalência dos direitos humanos. Daí porque, salvo erro, entendo que a maioria dos brasileiros sentir-se-ia melhor governado se visse os recursos de seus pesados tributos aplicados para o Brasil e os brasileiros, inclusive em seus portos carentes, lembrados antes de contempladas obras estrangeiras. Não se discute se estas têm importância, mas se trata de saber se os brasileiros têm ou não preferência sobre os recursos nacionais, recursos esses que representam 30% de tudo quanto o Brasil produz.
A cláusula constitucional invocada é novidade da Constituição de 88 e deve ser observada e construída com vistas à sua finalidade e dela não esquecer a ponto de chegar a ser esquecida.
A propósito, não seria o caso de indagar ao Ministério Público Federal, aquinhoado de tantos poderes, o ajuizamento de ação civil pública tendente a revelar à Nação os documentos que instruíram a marca de secretos, os negócios celebrados com Angola e Cuba?

Jornal, qualidade e relevância - CARLOS ALBERTO DI FRANCO

O Estado de S.Paulo - 03/03

A internet é, frequentemente, o bode expiatório para justificar a crise do jornalismo. Os jovens estão "plugados" horas sem-fim. Já nascem de costas para a palavra impressa. Será? É evidente que a juventude de hoje lê muito menos. Mas não é somente a moçada que foge dos jornais. Os representantes das classes A e B também têm aumentado a fileira dos navegantes do espaço virtual.

O público dos diários, independentemente da faixa etária, é constituído por uma elite numerosa, mas cada vez mais órfã de jornalismo de qualidade. Num momento de ênfase no didatismo, na infografia e na prestação de serviços - estratégias convenientes e necessárias -, defendo a urgente necessidade de complicar as pautas. O leitor que devemos conquistar não quer, como é lógico, o que pode conseguir na internet. Ele quer conteúdo relevante: a matéria aprofundada, a reportagem interessante, a análise que o ajude, de fato, a tomar decisões.

Para sobreviverem os grandes jornais precisam fazer que seja interessante o que é relevante. O jornalismo impresso deve ser feito para um público de paladar fino e ser importante pelo que conta e pela forma como conta. A narração é cada vez mais importante.

Quem tem menos de 30 anos gosta de sensações, mensagens instantâneas. Para isso a internet é imbatível. Mas há quem queira entender o mundo. Para estes deve existir leitura reflexiva, a grande reportagem. Será que estamos dando respostas competentes às demandas do leitor qualificado? A pergunta deve fazer parte do nosso exame de consciência diário.

Antes os periódicos cumpriam muitas funções. Hoje não cumprem algumas delas. Não servem mais para nos contar o imediato, o que vimos na televisão ou acabamos de acessar na internet. E as empresas jornalísticas precisam assimilar isso e se converter em marcas multiplataformas, com produtos adequados a cada uma delas. Não há outra saída!

O que se nota é que os jornais estão lentos para entender que o papel é um suporte que permite trabalhar em algo que a internet e a rede social não podem: a seleção de notícias, o jornalismo de alta qualidade narrativa e literária. Gay Talese, um dos fundadores do New Journalism (novo jornalismo) - uma maneira de descrever a realidade com o cuidado, o talento e a beleza literária de quem escreve um romance - é um crítico do jornalismo sem alma e sem graça. É preciso "contar a história de uma forma que nenhum blogueiro faz, algo para ser lido com prazer". É isso que o público está disposto a pagar. A fortaleza do jornal não é dar notícia, é se adiantar e investir em análise, interpretação e se valer de sua credibilidade.

Estamos numa época em que informação gráfica é muito valiosa. Mas um diário sem texto é um diário que vai morrer. O suporte melhor para fotos e gráficos não é o papel. Há assuntos que não é possível resumir em poucas linhas. Assistimos a um processo de superficialização dos jornais. Queremos ser light, leves, coloridos, enxutos. O risco é investir na forma, mas perder no conteúdo. Olhemos para o sucesso da revista britânica The Economist. Algo nos deveria dizer. Não é verdade que o público não goste de ler. O público não lê o que não lhe interessa, o que não tem substância, o que não agrega, não tem qualidade. Um bom texto, para um público que compra a imprensa de qualidade, sempre vai ter interessados.

Daí a premente necessidade de um sólido investimento em treinamento e qualificação dos profissionais. Para mim, o grande desafio do jornalismo é a formação dos jornalistas. O jornalismo não é máquina, tecnologia, embora se trate de suporte importantíssimo. O valor dele se chama informação de alta qualidade, talento, critério, ética, inovação. Por isso são necessários jornalistas com excelente formação cultural, intelectual e humanística. Gente que leia literatura, seja criativa e motivada.

O conteúdo precisa fugir do previsível. O noticiário de política, por exemplo, tradicionalmente forte nos segmentos qualificados do leitorado, perdeu vigor. Está, frequentemente, dominado pela fofoca e pelo declaratório. Fazemos denúncias - e é importante que as façamos -, mas, muitas vezes, faltam consistência e apuração sólida. O resultado é a pauta superada por um novo escândalo. Fica no leitor a sensação de que não aprofundamos, não conseguimos ir até o fim. O marketing político avançou além da conta. Estamos assistindo à morte da política e ao advento da era do declaratório e da inconsistência.

Políticos e partidos vendem uma bela embalagem, mas fogem da discussão das ideias e das políticas públicas. Nós, jornalistas, somos - ou deveríamos ser - o contraponto a essa tendência. Cabe-nos a missão de rasgar a embalagem e mostrar a realidade. Só nós, estou certo, podemos minorar os efeitos perniciosos do espetáculo audiovisual que, certamente, não contribui para o fortalecimento de uma democracia sólida e amadurecida.

Uma cobertura de qualidade é, antes de mais nada, uma questão de foco. É preciso declarar guerra ao jornalismo declaratório e assumir, efetivamente, a agenda do cidadão. O nosso papel é ouvir as pessoas, conhecer suas queixas, identificar suas carências e cobrar soluções dos governantes. O jornalismo de registro, pobre e simplificador, repercute o Brasil oficial, mas oculta a verdadeira dimensão do País real. Precisamos fugir do espetáculo e fazer a opção pela informação. Só assim, com equilíbrio e didatismo, conseguiremos separar a notícia do lixo declaratório.

Somente um sério investimento em qualidade, rigor e relevância garantirá o futuro dos jornais. Ninguém resiste a uma boa história, ao texto bem apurado, ao ímã mágico de uma bela reportagem.

Três anos de descrédito - ANTONIO IMBASSAHY

O GLOBO - 03/03

O que resta, hoje, é o retrato da Dilma real: uma presidente sem liderança, sempre em busca e à mercê de seu patrono, o ex-presidente Lula


A fechar o terceiro ano deste governo petista, restaram apenas marcas de uma gastança sem limites com seus 39 ministérios e 13 empresas criadas para acomodar companheiros, de um relaxamento com a corrupção presente ao redor da “comandante”, do afrouxamento no controle da inflação, da queda de competitividade do Brasil perante o mercado mundial.

O Brasil pós-Dilma paga o preço do descrédito geral nas promessas e acordos feitos, da deseducação, que nos coloca entre os países mais atrasados do mundo, da falta de infraestrutura, da ausência de uma política nacional de segurança pública, dos serviços públicos precários e ineficientes, apesar de os brasileiros estarem pagando impostos como nunca.

Esses três anos de administração caótica foram suficientes para que caísse por terra, definitivamente, a imagem marqueteira que nos foi vendida na eleição passada, da gestora competente, a mãe do PAC, rigorosa no combate aos corruptos, capacitada para solucionar os mais complexos problemas do país. Era tudo um engodo. Um personagem de ficção.

O que resta, hoje, é o retrato da Dilma real: uma presidente sem liderança, sempre em busca e à mercê de seu patrono, o ex-presidente Lula, e a balbuciar diante das câmaras os textos do seu guru-marqueteiro. Tão intolerante a ponto de praticamente agredir os que a cobram pelas promessas não cumpridas ou que têm opiniões diferentes das delas. Dia desses, chamou a oposição de cara de pau. Falta-lhe equilíbrio.

Uma presidente que posou de faxineira, mas que terminou por guardar o próprio lixo sob os tapetes do Planalto, por conveniências e ambições de poder. Uma presidente incapaz de fazer com que a sua mastodôntica máquina administrativa, montada a conluios, mexa-se e faça acontecer. O exemplo maior são as obras do tal PAC, que empacou, transformando o país num cemitério de obras.

Por fim, ela se mostra uma pessoa de penoso diálogo com o Congresso Nacional, com o Judiciário e também com os empresários, parceiros nos caminhos históricos que levam ao desenvolvimento da nação.

Hoje, sabemos bem, temos uma presidente-candidata, sem projetos para o país, mas com a ideia fixa na reeleição, olhos e pés no palanque. “Podemos fazer o diabo na hora da eleição”, confessou a presidente.

É bom lembrar: Dilma é uma criatura forjada à semelhança de seu criador, o sempre presente Lula. Ao lançá-la candidata, Lula sabia exatamente que Dilma era incapaz de liderar as transformações que o país necessita. Mesmo assim, se aproveitou da confiança dos brasileiros.

Não, Dilma não é a líder que o Brasil precisa para entrar de verdade num novo tempo. Perdeu a credibilidade, mostrou que não possui estatura para gerir a construção de um país moderno. Há uma certeza: o país quer mudar. E isso já foi detectado até pelas pesquisas — segundo o Datafolha, 66% das pessoas querem mudança. E terão mudanças. Não vai adiantar mais a velha estratégia de oferecer ao país uma personagem de ficção, construída pela propaganda.

Plano Real, 20 - AÉCIO NEVES

FOLHA DE SP - 03/02

O país está em festa. Milhares de brasileiros estão nas ruas e passarelas do samba, protagonizando uma das maiores e mais bonitas celebrações populares do mundo e a nossa excepcional diversidade cultural.

Neste momento, suspendemos as tensões e eventuais diferenças e idiossincrasias para ocupar as avenidas, sob o signo da alegria. Poucos fenômenos são capazes de construir uma convergência assim, tão ampla e verdadeira.

Pensando nela, lembrei-me de um outro momento da vida nacional que uniu os brasileiros, em um fevereiro como este, 20 anos atrás: depois de vários planos econômicos fracassados, o Plano Real acabou com a hiperinflação.

As novas gerações nem sequer podem imaginar o que significou uma era de descontrole inflacionário que dizimava a renda das famílias, aumentava a desigualdade social e impedia o país de crescer.

Sem pirotecnia, demagogia e quebra do ordenamento jurídico, instaurou-se uma agenda que contemplava os fundamentos da estabilização e do desenvolvimento, na mais importante reforma econômica do Brasil contemporâneo.

Outros avanços estruturais moldaram o país moderno e respeitado que somos hoje.

Mas a data de 27 de fevereiro é emblemática como ponto de ruptura com o passado de equívocos e o advento de uma nova ordem. Foi, acima de tudo, uma construção política, nascida na democracia e em diálogo aberto com a sociedade. Um exemplo de como a coragem e a responsabilidade podem ser instrumentos transformadores da nossa realidade.

Mas nem o unânime reconhecimento que o Plano Real conquistou nesses anos foi suficiente para uma autocrítica daqueles que, apesar de terem se beneficiado dele, o combateram com ferocidade, pautados, como sempre, pelos seus interesses eleitorais.

Todos sabemos que nenhum dos avanços obtidos nos últimos 20 anos teria sido possível se a inflação não tivesse sido derrotada. Esta é a verdadeira herança deixada pelo PSDB para os brasileiros, já incorporada ao patrimônio do país.

Não podemos permitir que essa conquista se perca.

O país vive um momento delicado, de baixo crescimento, inflação rediviva e credibilidade em risco. A infraestrutura compromete nossa competitividade; a educação demanda uma gestão inovadora para cumprir o seu papel transformador; as instituições públicas, reféns de grave aparelhamento e pactos de conveniência, precisam ser resgatadas e devolvidas ao interesse público.

Crises graves, como a desassistência à saúde pública e a violência endêmica, merecem uma nova mobilização de todos os brasileiros, para fazer o país avançar mais.

Convergência. Coragem. Responsabilidade. No país que é também do Carnaval, todo dia é dia de construir o Brasil que podemos ser.

Drible no Judiciário - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 03/03

Ganha terreno no debate público a ideia de que os conflitos fundiários devem ser resolvidos à margem da lei - e, muitas vezes, ao arrepio dela. Sob o gelatinoso argumento da "questão social", defende-se que a propriedade, por mais documentada que seja, nada vale ante a urgente necessidade de "reparação histórica", o que obrigaria os proprietários formais a restituir a terra àqueles que seriam seus "legítimos" donos - índios e quilombolas. Se tal ideia fosse subscrita apenas pelos ditos movimentos sociais, amparados por suas convicções socialistas, não haveria nenhum problema, uma vez que, numa democracia, é lícito defender qualquer ponto de vista, inclusive os esdrúxulos. No entanto, gente graúda do governo federal resolveu apoiar essa flagrante ilegalidade, travestindo-a de "justiça" - não a Justiça institucional, que garante o Estado de Direito, e sim aquela que aparece nos gritos de guerra dos invasores de terra.

Em recente evento em Brasília, um seminário intitulado "Conflitos Fundiários em Debate", o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, corroborou uma tese segundo a qual as disputas por terra entre seus legítimos donos e os chamados "povos tradicionais" que a reivindicam deveriam ser resolvidas não mais no âmbito do Judiciário, e sim por meio de "mediação". Ele chegou a defender a criação de uma "escola de mediadores".

Também presente ao encontro, um importante funcionário do Ministério da Justiça, o secretário de Reforma do Poder Judiciário, Flávio Caetano, declarou que é preciso "mudar a cultura jurídica do País, que é a cultura do processo, do litígio" - como se o legítimo proprietário da terra não tivesse o direito óbvio de recorrer à Justiça para se queixar de quem a invadiu.

A opinião de Carvalho e de Caetano respaldou-se em estudos das organizações não governamentais Instituto Pólis e Terra de Direitos, ambas dedicadas a cobrar a regularização de territórios que, em sua visão, pertencem a índios e quilombolas. Em tais pesquisas, encomendadas pelo Ministério da Justiça, a retórica é poética - um dos relatórios diz que o objetivo é "construir um caminho dialógico para a democratização da justiça" -, mas, na prática, o palavrório a respeito de "mediação" significa criar maneiras de driblar o Judiciário para favorecer os "povos tradicionais".

Em seu discurso no seminário, Carvalho chegou a lamentar que o "aparelho de Estado" brasileiro, a começar pelo Executivo, que ele representa, seja obrigado a cumprir a "tarefa ingrata, inglória" de fazer valer o que está na lei, mesmo uma lei com a qual "sabidamente nós não podemos estar de acordo". O ministro disse ainda que "há uma mentalidade no aparelho de Estado que se posiciona claramente contra tudo aquilo que é insurgência", como se não fosse obrigação do Estado combater aqueles que ameaçam a ordem democrática. Carvalho expressa, assim, um mal-estar do governo em relação ao próprio Estado de Direito.

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) não demorou a se manifestar a respeito desse absurdo. Dizendo-se "perplexa", a entidade expressou especial preocupação com "a defesa, por autoridades, da submissão de conflitos de enorme complexidade a mediadores ideologicamente comprometidos, em substituição a magistrados imparciais, protegidos por garantias constitucionais e selecionados com impessoalidade, por meio de rigorosos concursos públicos".

A respeito das tais "escolas de mediadores" sugeridas por Carvalho, a CNA observou que o ministro não esclareceu "qual será o currículo e quem serão os professores desses futuros substitutos de juízes". Nem é preciso muita imaginação para supor que tal escola teria como cartilha os alegados direitos históricos dos índios e dos quilombolas sobre as terras.

Tem razão a CNA ao reagir com firmeza. O governo federal tem sido omisso em relação às ordens judiciais para a reintegração de posse de terras invadidas por supostos índios - como acontece neste momento no sul da Bahia -, e agora apela à antropologia de botequim para questionar o próprio direito constitucional à propriedade.

Chinelos da impunidade - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 03/03

Pouco mais de um ano e três meses atrás, logo depois de decididas as penas para figurões do mensalão do PT, veio à tona um novo e bizarro escândalo: o escritório da Presidência da República em São Paulo se transformara numa filial de tráfico de influência sob a chefia de Rosemary Noronha.

Íntima de Luiz Inácio Lula da Silva desde a década de 1990, ela vai agora responder na Justiça pelos muitos favores que teria concedido e pedido como uma das mulheres mais influentes da república petista. A ação criminal contra ela e 17 associados se inicia no exato momento em que próceres do partido se livram de cumprir penas de prisão em regime fechado.

Noronha foi instalada no gabinete paulistano por Lula e ali mantida por Dilma Rousseff, mas não tanto por seus dotes administrativos.

Como se tivesse recebido um feudo para nele mandar e desmandar, de acordo com a Polícia Federal, comandava de São Paulo um esquema de venda de pareceres que chegou a envolver duas agências reguladoras federais e a Advocacia-Geral da União (AGU).

A amiga de Lula indicou os irmãos Paulo Rodrigues Vieira e Rubens Carlos Vieira para diretorias da ANA (águas) e da Anac (aviação civil), respectivamente. Na AGU, segundo a investigação, contavam com o beneplácito do advogado-geral-adjunto da União, José Weber Holanda Alves, que ajudou a resolver problemas do ex-senador Gilberto Miranda (PFL-AM) com ilhas no litoral paulista.

Eram várias as moedas de troca aceitas pelo grupo. De pagamentos em dinheiro vivo a passagens para cruzeiros, circulava de tudo pelos dutos do esquema. Tais miudezas, diante das enormidades do mensalão, chegaram a ser descritas por policiais como "chinelagem".

Na época em que eclodiu, o escândalo ajudou a firmar a noção de que o PT, ou ao menos setores do partido, não conhecia limites para a corrupção. Solidificou a ideia de que a praticava no atacado e no varejo --como fazem de resto tantas agremiações políticas no Brasil.

Para impor tais limites, porém, existe a Justiça. Se vierem novas condenações neste caso --que ora se torna mais robusto com a aceitação da denúncia-- e outras nos muitos escândalos que decerto surgirão, talvez um dia se recomponha a certeza de que a coisa pública não é um butim devido a quem conquista o poder.

A credibilidade é o problema- EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 03/03

Mais relevante que o tamanho do corte no orçamento federal determinado por Dilma é a falta de confiança na palavra do governo



Entre os assuntos relevantes estudados pelos cientistas políticos está o tema da “governabilidade”. A definição mais simples dessa expressão diz respeito ao quadro de estabilidade política, equilíbrio econômico e tranquilidade social, que se traduz em condições para que o governante seja visto pela população como seu legítimo representante, logo podendo exercer com autoridade e plenitude suas atribuições. Os casos da Síria e da Ucrânia – essa última tendo seu presidente deposto depois de conflitos violentos nas ruas – são mais dois exemplos que entram para a história, mostrando que o chefe de governo que perde a governabilidade acaba por completar seu mandato de forma melancólica: ou renuncia ou é deposto.

Nem todos os exemplos de falta de governabilidade terminam de forma sangrenta e com deposição do governante. Alguns levam seus mandatos até o fim, como timoneiros de um barco sem rumo, sem liderança e eivado de maus indicadores econômicos e sociais. De certa forma, foi o que aconteceu com o presidente Sarney. Ele foi sustentado no cargo como um governante fraco, cujo mandato lhe caíra nas mãos em razão da morte de Tancredo Neves. Sem condições de fazer reformas, com inflação elevada e frágil em suas decisões, Sarney foi até o fim e passou a faixa presidencial a Fernando Collor. Este, ao perder totalmente a governabilidade, deixou a Presidência no meio de um processo de impeachment.

O governante sábio esmera-se na conquista da confiança da população, pois sabe que sem isso a governabilidade se esvai e sua manutenção no poder acaba ameaçada. Como governante algum deixa o poder tranquilamente, em geral instala-se o caos social com manifestações violentas, como as que têm ocorrido em várias partes do mundo. A presidente Dilma está, neste momento, iniciando o processo de um teste para saber se existe confiança em sua palavra – independentemente de concordância com as medidas de seu governo.

Quando era chefe da Casa Civil no governo Lula, Dilma Rousseff afirmou que a política de seu colega Antônio Palocci, à época ministro da Fazenda, era “rudimentar”, referindo-se ao plano de Palocci de perseguir a austeridade fiscal e a elevação do superávit primário para pagar os juros da dívida pública – e, assim, impedir que o passivo subisse perigosamente. Recentemente, pressionada pelos maus indicadores econômicos e pela constatação da falta de confiança dos agentes econômicos nacionais e internacionais em suas palavras e na ação do governo, a presidente Dilma determinou a seu frágil ministro da Fazenda, Guido Mantega, que anunciasse um corte de R$ 44 bilhões nos gastos do orçamento de 2014, cuja previsão foi reduzida de R$ 1,052 trilhão para R$ 1,008 trilhão.

Guido Mantega é visto pelo mercado como um ministro sem vontade própria, um mero executor das decisões imperiais da presidente da República. Esse corte, se for executado, será bem visto pelos agentes econômicos, mas é considerado insuficiente, porquanto o superávit primário – que já teve a meta de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) – ficará em apenas 1,9% do PIB, bem abaixo do valor necessário para bancar os juros da dívida pública.

Todavia, o problema não está no tamanho do corte. Está na falta de confiança na palavra do governo, que foi construída a partir de alguns ingredientes: baixo crescimento do PIB; inflação elevada; manipulação da contabilidade fiscal; congelamento parcial dos preços de energia, combustíveis e tarifas de transporte; interferência nas empresas estatais; e intervencionismo na economia. Esses ingredientes formaram o prato feito pela presidente Dilma e seu ministro da Fazenda para a queda da credibilidade governamental e estão na base da desconfiança dos agentes econômicos no governo.

A presidente está muito longe de perder a governabilidade, mas há um notório desgaste em sua capacidade de convencer os agentes econômicos de que seu governo fará o que está dizendo. Governabilidade não é algo que se perde de uma vez só; é algo que se desgasta com o tempo e acaba por minar a capacidade do chefe da nação de exercer com eficiência e eficácia suas atribuições. Neste momento, seria bom a presidente Dilma prestar mais atenção aos cientistas políticos – que são estudiosos da arte de governo – que aos marqueteiros bem pagos, especialistas em ganhar eleições.

Voto meritório - EDITORIAL ZERO HORA

ZERO HORA - 03/03

É a crença na política, e não a descrença, que pode consertar o que está errado. Quanto antes esta seleção começar, mais acertos teremos.


Voto facultativo, voto em branco e voto nulo são recursos frequentemente mencionados por muitos brasileiros revoltados com a corrupção na política. Esses apelos voltam a aparecer na véspera de mais um processo eleitoral, especialmente em manifestações feitas pelas redes sociais. A indignação é legítima e acentua-se sempre que explode um escândalo político ou que um julgamento do Supremo, como a recente apreciação dos recursos dos mensaleiros, não corresponde à expectativa da nação. Mas é a crença na política, e não a descrença, que pode consertar o que está errado.
É humano e compreensível que pessoas revoltadas com o comportamento de seus representantes no poder resvalem para a generalização, afirmando que todos os políticos são inconfiáveis. Este conceito, porém, carrega no seu bojo uma contradição: os políticos, queiramos ou não, somos nós. Eles não vêm de outro planeta. Saem dos setores organizados da sociedade, chegam ao poder pela autorização explícita de contingentes de eleitores numerosos o suficiente para diferenciá-los dos demais postulantes da mandatos. No máximo, podemos dizer, sem cair em grande contradição, que a política corrompe.
Ainda assim, corrompe porque a sociedade tolera. Em primeiro lugar, não há corrupção sem corruptores. Então, a responsabilidade não pode ser atribuída apenas aos políticos. A pergunta que se impõe é: o que os cidadãos podem fazer para impedir a deformação da política? Numa democracia, podem muito. Cidadãos bem informados e partícipes têm poder para fiscalizar e depurar a política, colocando nos postos de comando da administração pessoas íntegras e comprometidas com o país. Se não acreditarmos que essas pessoas existem, estamos duvidando de nós mesmos.
A descrença na política pode ter esse viés positivo de aumentar a massa crítica da população, de levar a indignação para as ruas e de criar uma cultura de acompanhamento e controle da representação. Em vez de revolta contra o voto obrigatório, que é uma determinação constitucional, o mais sensato talvez seja transformá-lo na prática em voto meritório, de forma que contemple apenas candidatos sobre os quais não paire qualquer dúvida em relação à integridade, à honestidade e à vontade de efetivamente trabalhar pelo país.
Quanto antes esta seleção começar, mais acertos teremos. Evidentemente, sempre haverá enganos e traições, mas a mesma democracia que possibilita tais desvios oferece igualmente remédios para corrigi-los. O país tem jeito, sim. Basta lembrar que já não se pode mais contar nos dedos de uma mão os políticos que perderam mandatos, cargos e até a liberdade por terem traído a confiança da população.

Rompendo a inércia - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 03/03

Apesar de a corrupção ser, infelizmente, elemento cativo na vida do país, o aparato legal de enfrentamento do mal sempre foi acanhado. E não apenas pela distorção quase atávica de a legislação brasileira, por se constituir um cipoal de normas, pôr à disposição de advogados competentes, remunerados de forma régia por acusados de corrupção, inúmeras possibilidades de chicanas.

Sempre se reclamou, que, enquanto o foco de polícias e tribunais se concentrava no corrupto, o corruptor estava livre de maiores incômodos. E, por mais que se punisse o receptor de favores para dar em troca facilidades, sempre haveria espaço para a corrupção enquanto também não se constrangesse o agente aliciador.

Eis por que é de grande importância a entrada em vigor, no final de janeiro, da Lei Anticorrupção (12.846/2013), cujo alvo é a pessoa jurídica corruptora, o grande agente especializado em abrir portas (e cofres) no setor público, da administração direta e indireta, com certos “jeitinhos”.

Mas, mesmo que a lei tenha tramitado por uma década no Congresso, há preocupações com o que foi aprovado e a maneira pela qual dispositivos serão regulamentados.

Agora, com seu faturamento passível de ser taxado com multas — de 0,1% a 20% —, as empresas precisam ter estruturas que detectem a ação corruptora de funcionários. Há até a possibilidade suprema de dissolução da companhia. Entre outros dispositivos, a lei prevê “acordos de leniência", ou delação premiada. É um desses acordos que tem dado impulso às investigações sobre um cartel de fabricantes de trens com o qual governos tucanos em São Paulo teriam negociado e fechado operações com a receptação de propinas. A ação de fornecedores de bens e serviços ao Estado no submundo do “toma lá, dá cá” na área pública chega a ser folclórica. Mas entrega de malas repletas de dólares, contas recheadas em paraísos fiscais deverão ser menos frequentes. Além dos reflexos positivos nos preços de bens e serviços públicos, superfaturados para financiar as “comissões”.

Um caso emblemático de corrução é o que envolve o deputado Paulo Maluf (PP-SP). Prefeito de São Paulo na década de 90, Maluf já foi condenado em duas instâncias por recebido dinheiro de empreiteiras que abriram a Av. Águas Espraiadas, depois batizada de Jornalista Roberto Marinho.

Há tantas provas contra o político que a justiça de Nova York, via Interpol, emitiu ordem de prisão contra ele. Até mesmo bancos pelos quais transitou a propina admitem devolver recursos aos cofres públicos paulistanos. Um, o Deutsche Bank, já o fez.

Porém, se já existisse a Lei Anticorrupção, as empreiteiras no mínimo já teriam sido acionadas. Quem sabe, talvez até houvessem recusado alguma conversa camarada com o prefeito. Aposta-se no poder dissuasório da nova lei.

As vantagens dela superam em muito eventuais problemas, sempre passíveis de correção pelo próprio Congresso.

Ilusão na aviação regional - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 03/02

Exaspera a incapacidade do governo de entregar o que promete. Depois de bravatear a intenção de construir 800 aeroportos regionais, no final de 2012, a presidente Dilma Rousseff se fez de desentendida e disse que, na verdade, a meta eram 270 terminais - um objetivo já bastante ousado. Passado mais de um ano, é claro que nada saiu do papel - mas agora já se sabe que o custo dessa aventura, cuja previsão inicial era de R$ 7,3 bilhões, deverá ser maior.

Levantamentos feitos pelo governo, conforme revelou o Estado, indicam que os gastos foram subestimados. Segundo os técnicos, os projetos não levavam em conta a necessidade de grandes obras em aeroportos chamados "médio-grandes" - casos de Ribeirão Preto e Bauru (SP), Governador Valadares e Patos de Minas (MG), Rondonópolis (MT), Dourados (MS), Caxias do Sul (RS) e Maringá (PR).

Os problemas nos projetos já eram conhecidos. Nesse tempo todo, a Secretaria de Aviação Civil (SAC), sem ter estabelecido prioridades, atrasou o levantamento das necessidades de investimentos nos aeroportos, o que demandaria análises de impacto ambiental e projetos de engenharia a um custo de cerca de R$ 292 milhões.

A justificativa da SAC é de que a maior parte do tempo foi usada para aprovar no Congresso a medida provisória que criou o plano. Depois, foi preciso abrir licitação para contratar empresas de engenharia que farão os projetos - dos 270 aeroportos, só 16 contratos foram feitos. Mesmo se todos os contratos estivessem fechados, não há garantia de que eles seriam concluídos no prazo alardeado pela propaganda oficial.

O problema principal são os vícios de origem. Fruto do voluntarismo típico deste governo, o projeto para a aviação regional já nasceu eivado de defeitos. Nele, por exemplo, aparecem aeroportos para cidades pequenas, com menos de 100 mil habitantes, distantes apenas 50 km de outras que também terão recursos para construir ou ampliar seus aeroportos. Trata-se de um óbvio desperdício de dinheiro. Além disso, estão previstos aeroportos em cidades pequenas próximas de metrópoles que já dispõem de grandes terminais, o que pode gerar ociosidade - e, portanto, prejuízo para as prefeituras, às quais caberá administrar os aeroportos, se não houver interessados privados.

O açodamento para transformar em realidade a promessa de Dilma foi tão grande que a SAC mal consultou as partes interessadas para elaborar o projeto. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) não foi ouvida e as companhias aéreas só puderam opinar uma semana antes do anúncio do plano.

Para o governo, no entanto, planejamento é mero detalhe. O plano de aviação, segundo a SAC, visa a equipar cidades médias e pequenas de tal forma que grandes empresas sejam incentivadas a transferir suas plantas industriais para essas localidades. É óbvio que muitos outros fatores pesam em decisões desse porte, e é claro que várias cidades poderão ficar com moderníssimos aeroportos às moscas, se e quando eles forem construídos, mas isso não parece inibir as grandiosas fantasias do governo.

Que o Brasil necessita de um robusto investimento em aviação regional, não resta dúvida. Multiplicam-se casos de aeroportos do interior já saturados, pois servem como escape para o gargalo dos grandes terminais das capitais. Além disso, a demanda por voos regionais, como substitutos de rotas rodoviárias, também é crescente. Essa urgência, porém, não justifica medidas irrefletidas.

Mesmo com todos os problemas, Dilma mandou acelerar os projetos para ter o que mostrar já no primeiro semestre, coincidindo com o calendário eleitoral, que é a única coisa pela qual a presidente se interessa. Se tudo correr como o governo espera, o primeiro lote de obras, com 20 aeroportos, deverá ter seu edital publicado até o fim de março. Depois, até junho, esperam-se mais 80 licitações. Restarão 170 aeroportos, cujas licitações terão de esperar até o fim deste ano, ou o início de 2015. Considerando-se o histórico de procrastinação do governo e os problemas enfrentados pelo projeto, é uma expectativa otimista.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

MESMO QUEIMADO, KASSAB TENTARÁ SER GOVERNADOR

O ex-prefeito paulistano Gilberto Kassab (PSD), que chegou a ser cassado, reintegrado e deixou o cargo com rejeição de quase 40%, avisou a presidenta Dilma que deixará o comando de seu partido para disputar o governo de São Paulo. Em reunião no Planalto esta semana, Kassab disse que passará o bastão do partido a Guilherme Campos, o deputado fiel escudeiro, e reforçou que apoiará a reeleição de Dilma.


FICHA SUJA

Quando prefeito, Kassab foi acusado de improbidade administrativa, financiamento ilegal de campanha e irregularidades em contratações.


DOIS PALANQUES

Gilberto Kassab acha ainda que Dilma terá os palanques paulistas dos candidatos do PT, Alexandre Padilha, e do PMDB, Paulo Skaf.


TODOS CONTRA UM

A candidatura de Kassab é vista com bons olhos pelo Planalto, na esperança de forçar 2º turno contra o tucano Geraldo Alckmin.


FILHO ÚNICO

Apesar da guerra para levar as eleições ao segundo turno em São Paulo, ala do PT quer Dilma apenas no palanque de Alexandre Padilha.


COMITÊ DO PT CRIA PRESSÃO ARTIFICIAL PRÓ-MADURO

Há um movimento nas redes sociais para que o governo brasileiro se posicione favoravelmente ao governo autoritário de Nicolás Maduro, na crise da Venezuela. A origem do “movimento” foi facilmente localizada. A figura que coordena ações da campanha de reeleição da presidenta Dilma nas redes sociais, é Franklin Martins, ex-ministro de Lula. O mesmo que atuou na campanha do lamentável venezuelano Maduro.


VALE QUANTO PESA

No Planalto, assessores “dilmistas” ironizam o peso de Lula no governo chamando-o de “Rei Momo”. As “chaves da cidade” ele já tem…


#VAIPRARUA

A absolvição dos quadrilheiros poderá ser tiro no pé de Dilma, dando um mote aos protestos de rua contra a “justiça dos ricos”.


DÚVIDA CRUEL

Gleisi Hoffmann (PT) quer Osmar Dias (PDT) como vice ao governo do Paraná ou disputando o Senado. Ele dará resposta até o fim do mês.


MAIS IGUAIS

Ao contrário do que pensa o governo, o novo salário de US$1,2 mil não aplacará a insatisfação dos cubanos do “Mais Médicos”, que querem os R$10 mil que ganham colegas de outros países. Vão cobrar na Justiça.


POR NOSSA CONTA

Um diretor da Infraero, Geraldo Neves, e o assessor, Flávio Rodrigues, farão 20 dias de “visita técnica” aos aeroportos de Johanesburgo, Paris, Madri, Zurique, Dublin, Frankfurt, Munique, Mumbai, Cingapura, Kuala Lumpur e Vancouver. Autêntica volta ao mundo por nossa conta.


PELUSO SEM PIJAMA

Aposentado desde agosto, o ministro Cezar Peluso, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, não vestiu o pijama: divide um escritório de advocacia com o constitucionalista Erick Wilson Pereira, em Brasília.


OBJETIVO COMUM

O presidente do PPS, Roberto Freire, convocou reunião da executiva nacional para terça (11), em Brasília, para discutir alianças estaduais e participação na campanha de Eduardo Campos. O lema é derrotar PT.


CAIU NA REDE

Com um pé fincado na Rede da ex-senadora Marina Silva, o deputado Antônio Reguffe enfrenta resistência para disputar governo do DF. O dono do PDT, Carlos Lupi, quer apoiar reeleição Agnelo Queiroz (PT).


MÁQUINA PRONTA

A ameaça de ser enquadrado pela Lei da Ficha Limpa não intimidou o ex-governador José Roberto Arruda (PR), que articula a todo o vapor sua candidatura ao governo do DF com Liliane Roriz (PRTB) de vice.


MANOBRA FRACASSADA

Líder do PR, Bernardo Santana (MG) ignorou acordo com Anthony Garotinho e tentou emplacar Wellington Roberto (PB), em vez de Paulo Feijó (RJ), no comando da Comissão de Agricultura. Acabou derrotado.


DEU BANDEIRA

A recessão chegou às bandeiras importadas do Brasil à China: um fabricante reclamou à agência Reuters que vende menos que em 2010, e que Alemanha e Reino Unido concentram 80% dos pedidos.


PENSANDO BEM…

…errar é humano, derrubar um governo é ucraniano.


PODER SEM PUDOR

A MALDIÇÃO DA CADEIRA


Em campanha eleitoral, Jânio Quadros visita o Palácio e encontra o presidente do STF.

- Nesta cadeira será diplomado um dos três candidatos à Presidência – disse-lhe o ministro Nelson Hungria.

- E o senhor ainda tem dúvida sobre qual será ele? – respondeu-lhe Jânio.

O fotógrafo, atento ao diálogo, convida Jânio a sentar na cadeira. Ele recusa, dizendo:

- Dá azar! – batendo na mesa de madeira ao lado.