sexta-feira, abril 26, 2019

Montanha-russa - MARCOS LISBOA

FOLHA DE SP - 26/04

Agenda desorganizada dificulta superar os problemas do país


Tempos de preocupação. A economia não se recupera e resta-nos esperar que a política consiga, finalmente, tratar dos graves dilemas que prejudicam o país. O desalento decorre de um governo que não sabe muito bem para onde vai, em meio a uma oposição que se revela apenas oportunista.

Comecemos pelos equívocos da oposição. A infantilidade dos xingamentos e os argumentos pedestres são um tiro no pé da própria oposição.

Políticos de esquerda ignoram o descontrole dos gastos com a Previdência e a imensa injustiça das suas regras, que favorecem a elite dos servidores públicos, muitos deles entre o 1% dos adultos mais bem pagos do país.

Pode-se criticar a direita, mas, depois das obstruções na deliberação sobre a reforma da Previdência, os políticos de esquerda resgataram o oportunismo dos anos FHC, quando, por exemplo, se opuseram a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Seus técnicos em economia não analisaram os dados públicos sobre a nossa demografia? Afinal, não há grave problema na Previdência? O setor público não está nas cordas pelos gastos com servidores? As regras de aposentadoria não concedem muitos privilégios que devem ser revistos?

Há graves desafios a serem enfrentados e a oposição reage com a irresponsabilidade das gangues de rua.

A discordância e o contraditório são fundamentais em uma democracia e permitem alertar sobre riscos e conflitos a serem enfrentados. O debate, porém, torna-se disfuncional quando o objetivo é apenas desqualificar a divergência. Tudo bem, é parte da regra do jogo em uma democracia, mas a oposição decepciona ao não oferecer qualquer alternativa factível.

O governo também não ajuda com suas brigas intestinas. Além disso, errou ao não apoiar a proposta de reforma da Previdência relatada pelo deputado Arthur Maia, que poderia ter sido aprovada há vários meses e que enfrentava os principais desafios, ao reduzir os privilégios dos servidores públicos e adotar a idade mínima.

Era de bom tamanho para começar 2019 acreditar na implementação de uma agenda para retomar o crescimento. Em vez disso, optou-se por recomeçar o jogo com o adendo de uma ideia de capitalização para as novas gerações que ninguém sabe muito bem do que se trata.

Na ausência de substância, de uma proposta detalhada sobre a capitalização e como seria implementada, o resultado foi apenas adicionar barulho e tornar mais difícil a reforma da Previdência que o próprio presidente ainda defende com parcimônia.

Para agravar, as polêmicas contribuíram para desperdiçar esses meses em que o governo poderia utilizar a legitimidade da sua eleição recente para começar a enfrentar os problemas que prejudicam a produção e a geração de emprego.

Também não ajudou a demora do governo em liberar as bases de cálculos e as premissas adotadas para estimar sobre os impactos da reforma, o que colaborou com o discurso conspiratório da oposição.

Resta a dificuldade de um governo em que muitos, tanto no Executivo e quanto na base aliada, foram contra a reforma da Previdência do governo Temer com argumentos muito similares aos adotados então e agora pela esquerda mais radical.

Houve ainda o desastre da manutenção do tabelamento do frete dos caminhoneiros. O governo, que se dizia liberal, patrocinou a manutenção da intervenção mais lamentável na economia realizada pelo governo Temer, com a criação de um cartel coordenado pelo próprio Executivo. Para além do precedente lamentável, há suas consequências sobre o custo do transporte, com prejuízos a serem pagos pelo restante da sociedade.

Esperava-se mais de um governo recém-eleito com promessas de mudanças e uma política econômica liberal. O que se viu foi apenas a submissão a um grupo de interesse organizado que ameaçou chantagear o país.

O tabelamento do frete e as reuniões com sindicatos de caminhoneiros reproduzem a agenda corporativista do governo Dilma, que não sabia muito bem como operar a economia, e resgatam a memória dos trágicos anos 1980, quando poder público fixava os preços de bens e serviços.

A falta de rumo de parte do governo se revela igualmente na renovação dos subsídios para Sudam e Sudene e nas novas medidas protecionistas, como as contra a importação de leite e de bananas, na contramão de uma política liberal na economia.

Os Ministérios da Infraestrutura e da Justiça, assim como a Secretaria da Previdência, têm propostas postas para o debate. Mas o mesmo não se pode dizer do resto do governo.

Na falta de uma agenda estruturada para enfrentar os nossos graves problemas, a economia desacelera e aumenta o risco de frustração de uma população que esperava por grandes mudanças.

A política econômica anda desorganizada, com seguidos anúncios de grandes medidas que depois não são apresentadas. Ora fala-se de uma confusa reforma tributária, que contribui para aumentar a incerteza, ora de desvinculação de R$ 1,5 trilhão. Parece discurso de campanha.

O governo deveria definir a estratégia para a política econômica e iniciar o dever de casa. Há uma extensa lista de medidas que estão à mão do Executivo para melhorar o ambiente de negócios. Muito pode ser feito para simplificar o sistema tributário federal, reduzindo a complexidade que leva a um contencioso registrado na Receita Federal de 11% do PIB em 2013, dezenas de vezes maior do que se observa em outros países.

O mesmo pode ser feito nas regras de comércio exterior, demasiadamente complexas e repletas de medidas não tarifárias que servem apenas para proteger setores ineficientes e terminam por dificultar a aquisição de bens de capital e de insumos mais eficientes produzidos no exterior. As distorções tributárias e as proteções ao comércio exterior contribuem para o baixo crescimento da produtividade e da renda.

O trabalho que precisa ser feito, longo e minucioso, pode não render anúncios que mereçam a primeira página dos jornais ou nas redes sociais, mas, em conjunto, resultaria em notáveis avanços para a retomada do crescimento econômico.

Para isso, entretanto, é necessário que os técnicos da economia passem a se dedicar ao trabalho pouco midiático de rever as regras existentes, identificando ineficiências e complexidades desnecessárias, além de reduzir distorções setoriais. Há muito a ser feito, mas isso requer menos anúncios bombásticos e mais faxina nas muitas regras que prejudicam a nossa economia.

O governo colaboraria estabelecendo os princípios na gestão econômica, o que facilitaria ao enfrentar os grupos de interesse, que sempre argumentam que o seu caso é diferente e que se deve começar as reformas pelos demais. O segredo está nos detalhes e muito pode ser feito por meio de decisões administrativas e projetos de lei que resolvam problemas específicos.

Uma agenda clara e bem definida auxiliaria na construção de alianças para viabilizar as mudanças necessárias e revigorar um país cansado depois de tantos anos de profundos problemas na economia.

O governo fortalece a oposição oportunista ao ser pouco preciso sobre a sua agenda, anunciar com pompa propostas pouco embasadas, titubear sobre os seus princípios e ser pouco transparente sobre a evidência que suporta as suas propostas.

Pior ainda quando são anunciados como conquistas exclusivas do atual governo processos de concessão e reformas iniciados na gestão Temer. A coalizão política necessária para implementar as reformas seria fortalecida caso o governo reconhecesse os méritos de quem veio antes. A vaidade desmedida, e injustificada, afasta possíveis aliados.

O resultado é uma economia que não se recupera em meio ao zigue-zague de notícias e muita volatilidade. Evitar o descontrole requer clareza de propósitos e uma estratégia organizada; requer uma agenda para o país, e não de governo, deixando de lado velhas picuinhas. O oportunismo pode ser desastroso e todos vamos afundar neste naufrágio. Por outro lado, se houver correção de rumos, podemos começar a superar os nosso graves problemas.

Hora de rever as regras do jogo para que não se torne roleta-russa.

Marcos Lisboa
Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia

A cavalgada do dólar - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 26/04

A previsão correta do clima não é importante apenas para quem precisa sair com a roupa adequada. É, também, para os agricultores. Assim funciona com o câmbio. É importante não só para quem pretende viajar, mas, também, para quem põe dinheiro no comércio exterior, no mercado futuro ou em fundos multimercado.

Persiste indisfarçável insegurança quanto ao desempenho da economia brasileira. É o que leva empresas e pessoas físicas a buscar segurança. E digam o que disserem sobre Donald Trump e sobre os Estados Unidos, o dólar continua percebido como sendo bom porto seguro.

Quando pinta um clima de insegurança no Brasil, mais gente se agarra ao dólar. É o que explica a disparada das cotações da moeda estrangeira nas últimas semanas. Nesta quinta-feira, o dólar chegou a ultrapassar os R$ 4 no câmbio interno (Veja o gráfico). Foi revertido prontamente com baixa expressiva, mas mostrou aumento do azedume geral.

Há números reais puxando para o desalento. O crescimento econômico, por exemplo, vai decepcionando; em vez dos 3,5%, aponta para não mais que 1,71%. O desemprego alcança 13 milhões de trabalhadores e pode aumentar. Na quarta-feira, o Caged mostrou que 43,2 mil postos de trabalho formais (com carteira assinada) foram fechados apenas em março. A economia argentina vai engolindo água, fator que desperta a velha cisma de que, na condição de farinha do mesmo saco, o Brasil vai para a mesma fornada. E a reforma da Previdência só avança aos trancos, à mercê de um jogo político miúdo, movido por interesses corporativos. Qualquer tropeço nessa matéria detona o que nesta quinta-feira reconheceu, com alguma rima, o próprio Bolsonaro: “Se a reforma não passar, o caos vai se instalar”.

Até mesmo empresários que vivem se queixando de excessiva valorização do real (e são velhos puxadores de avanços nos preços da moeda estrangeira) sugerem que o Banco Central (BC) intervenha no mercado e venda dólares ou contratos amarrados ao dólar, para evitar a disparada excessiva (overshooting).

Ninguém deve exigir que o BC fique de fora. Mas a intervenção não é a primeira atitude a tomar. A própria flutuação das cotações deve ser entendida como defesa contra excessos, porque uma forte alta produz tração para desestimular novas compras. E a insegurança original que empurrou o aplicador para a retranca pode exigir uma reversão nessa atitude, na medida em que aumenta o risco de perdas com compras de moeda estrangeira. Trata-se aí de optar pelo menor entre dois riscos: o de perder com a paradeira ou o de perder por comprar dólar caro demais.

É verdade que o governo parece não estar se empenhando a fundo na aprovação da reforma. Mas é cedo para concluir que o precipício está logo aí. As contas externas continuam saudáveis, o que é a primeira razão técnica a desestimular a corrida para o dólar, porque há mais moeda estrangeira entrando do que saindo. E o mínimo que se pode dizer sobre a reforma é que alguma coisa acabará sendo decidida. Pode não emplacar o trilhão em economias pleiteado pelo ministro Paulo Guedes, mas deixará uma situação fiscal alguma coisa melhor do que é hoje.

Simpatia quase amor - ELENA LANDAU

O Estado de S. Paulo - 26/04

Sobre a desestatização de setores da economia não há o que discutir, porque o Estado nem deveria ter passado por lá.


Na ressaca da ameaça de mais uma greve pelos caminhoneiros, Bolsonaro revelou ter uma “simpatia inicial” pela privatização da Petrobrás. O presidente teria chegado à inevitável conclusão de que as estatais estão sempre sujeitas ao uso político. Mesmo em um governo liberal, que não é o caso deste, as empresas públicas são naturalmente vistas como instrumento de negociação política, em sentido amplo. Desde o uso criminoso, como revelou a Lava Jato, até a expectativa de que os preços de seus produtos sejam controlados, passando por indicações políticas para cargos executivos. Severino Araújo foi apenas mais singelo ao pedir “aquela diretoria que fura poço”, mas há na classe político-partidária a presunção de que essas empresas fazem parte do jogo.

A Lei das Estatais melhorou muito a governança dessas empresas, ao exigir qualificação técnica e dificultar indicações partidárias aos seus postos de comando. Uma boa governança ajuda, mas não resolve. A intervenção do presidente na política de preços da Petrobrás é prova cabal disso.

Só há uma solução para blindar as empresas e proteger o patrimônio que, controlado pela União, é nosso: a privatização.

O governo tentou, em um contorcionismo narrativo, dizer que a Petrobrás voltou atrás na sua decisão de elevar o preço do diesel por livre e espontânea vontade. A conversão de Bolsonaro à fé privatista teria sido parte do plano. Mas a versão não colou. Ao menos, a lição parece ter sido aprendida. Os primeiros R$ 30 bilhões perdidos em um único dia, nunca se esquece, sendo pouco provável que novas interferências venham a ocorrer.

Mas de que privatização Bolsonaro estaria se aproximando? Na realidade, nada mais fez do que reforçar a política de desinvestimentos da empresa que foi desenhada já no governo passado: venda de parte de sua posição monopolista no refino, distribuidoras da Gaspetro e BR Distribuidora. Neste último caso, sem alienação do controle. A decisão continua sendo preservar a Petrobrás focada na sua vocação principal, que é óleo e gás. Bom lembrar que a venda do controle é vedada pelo art. 62, da Lei 9478/97, assim Bolsonaro dependeria da autorização do Congresso para sua privatização.

No rastro dessa discussão, o tema da desestatização voltou mais seriamente ao noticiário. As divergências internas foram expostas, desde a entrevista do secretário Salim Mattar à revista Veja. Salim se diz frustrado. Eu também. Da promessa irreal da arrecadação de R$ 2 trilhões com venda de ativos e imóveis, teremos de nos contentar com a previsão de pouco mais de R$ 80 bilhões para este ano, neles já incluídos a conclusão dos leilões de concessão, previstos desde o ano passado. EBC, Ceitec, EPL continuam fora da lista. Pelo menos a venda dos Correios parece ter entrado na pauta. Seria necessária uma maior determinação de Bolsonaro para arbitrar as disputas ministeriais e colocar em definitivo a venda de ativos nas mãos de Salim e Guedes. Minha experiência mostra que sem a determinação do presidente, no caso FHC, não anda.

Mas a pergunta que não quer calar é: por que a venda de estatais encontra tantas resistências? A simples comparação da universalização alcançada na energia elétrica e nas telecomunicações, com os vergonhosos índices de cobertura de esgoto deveria ser suficiente para mostrar os seus benefícios. Sobre a desestatização de setores da atividade econômica não há nem o que discutir, porque o Estado não deveria ter estado por lá em primeiro lugar.

O debate sobre o tema parece um diálogo de surdos. De um lado, os argumentos vão desde “setores estratégicos” ao crime de lesa-pátria, do outro, tudo o que o Estado faz, faz malfeito. Quando assumi a diretoria de desestatização no BNDES, fui para contribuir com a reforma do Estado, parte do Plano Real. Tinha uma visão mais pragmática. A convivência com o universo dessas empresas me levou a uma postura mais radical: é preciso privatizar tudo que a Constituição permitir.

As companhias controladas pelo governo não têm a capacidade de se modernizar com a rapidez que a competição exige, pois são limitadas pela lei de licitação e pela inflexibilidade na política de pessoal, por exemplo. Além de não conseguirem ofertar serviços de forma eficiente, essas barreiras criam um ambiente fértil para grupos de interesse se alimentarem dessa ineficiência.

Não é por acaso que funcionários, políticos locais e fornecedores sejam os maiores opositores à desestatização. Usam o imaginário da população, como “entreguismo do patrimônio”, para falar em nome da sociedade. São as saúvas do Estado. Bolsonaro deve ter percebido isso na negociação com os caminhoneiros. Daí sua simpatia inicial. Que vire amor, ou quase amor.

Sem a determinação do presidente, o processo de privatização não anda

ECONOMISTA E ADVOGADA

Terroristas do Sri Lanka eram de classe média e com boa formação: alguém surpreso? - RODRIGO CONSTANTINO

GAZETA DO POVO - PR -26/04
Alto nível de educação, família de classe média ou média alta, com recursos econômicos próprios. Esse é o perfil dos nove terroristas suicidas que, segundo a polícia do Sri Lanka, lançaram os atentados de domingo em três hotéis de luxo e três igrejas, deixando pelo menos 359 mortos e mais de 500 feridos.

Pouco a pouco vão sendo conhecidos mais detalhe sobre como ocorreu o ataque terrorista mais sangrento da história do Sudeste Asiático. Para a polícia, já está comprovado o envolvimento de nove terroristas suicidas, entre eles uma mulher. As autoridades divulgaram os vídeos das câmeras de circuito fechado na paróquia de São Sebastião, em Negombo, nos arredores de Colombo, nos quais se vê o homem apontado como culpado pela explosão que matou, nessa igreja, pelo menos 110 pessoas. O vídeo mostra um jovem magro, de barba, carregando uma mochila grande e aparentemente muito pesada. O jovem vai até a entrada da igreja e, em um aparente ato reflexo, acaricia a cabeça de uma menina que cruza seu caminho acompanhada por seu pai.

Foi uma operação complexa que, sem dúvida, levou muito tempo para ser organizada. Os preparativos para lançar um ataque coordenado tão mortífero podem ter levado sete ou oito anos, declarou ao Parlamento o ex-chefe do Estado-Maior e atual ministro do Desenvolvimento Regional do Sri Lanka, Sarath Fonseka.

Alguém fica surpreso com isso? Só Obama e os esquerdistas! Para eles, o terrorismo deriva de um problema econômico e social, fruto das desigualdades. Eles sempre adotaram a narrativa de que é a pobreza que leva jovens ao radicalismo, o que é absurdo.

Normalmente, os terroristas seguem perfil similar: a maioria é homem e jovem. As ideologias extremistas e as religiões fanáticas atraem esses jovens alienados, em busca de alguma válvula de escape, de “sentido” como fuga do niilismo que os exaspera. É o ressentimento, o rancor, o vazio espiritual, a alienação, isso que costuma levar jovens para grupos extremistas.

O japonês responsável por organizar o ataque a Pearl Harbor havia estudado nos Estados Unidos. Os ideólogos por trás do comunismo, do nazismo e do fascismo eram de classe média, assim como muitos de seus seguidores fanáticos. As ideologias seduzem não o povão, mas justamente esse sujeito revoltado e entediado de classe média.

A complexidade dos atentados mostra como o discurso de que os atos em Sri Lanka foram uma reposta ao ataque na Nova Zelândia é furado. Não foi represália alguma ao atentado na mesquita. Não daria sequer tempo de orquestrar tudo em tão pouco tempo.

O ódio é o que move essa turma mesmo. E os discursos “progressistas”, infelizmente, acabam fomentando mais esse ódio, gerando mais vazio e alienação, e fazendo vista grossa ao perigo ideológico e religioso presente no radicalismo islâmico. Não tem nada a ver com desigualdades materiais e assistencialismo estatal jamais será a solução.

O que é o monopólio do gás e como Paulo Guedes planeja quebrá-lo - JÉSSICA SANT'ANA

GAZETA DO POVO - PR - 26/04


O governo deve apresentar até o fim de junho um projeto para abrir o mercado de gás natural e acabar de vez com o monopólio de produção, transporte e distribuição exercido pela Petrobras.

Chamado de “Novo Mercado de Gás”, o programa prevê a venda de transportadoras e distribuidoras de gás da estatal e uma nova regulamentação para que os estados que têm distribuidoras locais permitam o acesso de terceiros aos gasodutos (hoje há restrições) e que consumidores possam comprar de qualquer distribuidor. O governo quer, ainda, incentivar esses estados a vender suas distribuidoras regionais.

Objetivo é baratear custo e gerar “choque de energia barata” no país
O programa está sendo desenhado pelos ministérios da Economia e de Minas e Energia. O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem dito em eventos públicos que a abertura do mercado dará um “choque de energia barata” no país. O gás natural é usado principalmente por indústrias para geração de eletricidade.

A avaliação é que a quebra do monopólio deve atrair novos players para o mercado, o que trará mais investimentos para o Brasil. Também vai facilitar a ampliação da nossa rede de gasoduto, considerada pequena para o tamanho do país. E com mais concorrentes e dutos, o preço do gás tende a cair.

A mesma avaliação é compartilhada por Filipe Soares, diretor de energia da Associação dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace). "A modernização do setor de gás natural pode promover uma racionalidade econômica na formação de preços. Não dá para aceitar um país como o Brasil que praticamente dobrou a produção de gás natural nos últimos dez anos e que quando você nota a componente de preço, o gás natural está com um preço muito próximo da GNL, que é aquele gás natural liquefeito que vem de outras regiões do mundo e que é comum em países que não têm produção nacional, como a China e o Japão", afirma.

Ele defende que o Brasil use mais o gás natural que é extraído e produzido aqui. "Temos que usar o gás nacional. Mas um gás nacional com preço razoável. E para isso a gente precisa da questão da quebra do monopólio, para estimular um mercado competitivo. E em um mercado competitivo a tendência é baixar preço."

Venda de ativos da Petrobras já está em andamento
A venda de transportadoras e distribuidoras da Petrobras já está em andamento. A estatal começou a vender ativos e subsidiárias em 2016 para sanar suas dívidas. O programa será intensificado na gestão de Roberto Castello Branco, que assumiu a presidência da estatal em janeiro.

A empresa divulgou nesta semana que está estudando a modelagem mais adequada para vender uma fatia da BR Distribuidora, a sua distribuidora de combustíveis, incluindo gás natural. Atualmente, a Petrobras é dona de 70% das ações da BR Distribuidora. O restante está distribuído na bolsa de valores.

A Petrobras também vendeu no início de abril 90% da sua Transportadora de Gás Natural (TAG), dona de uma rede de gasodutos de 4,5 mil quilômetros no Norte e no Nordeste. O grupo francês Engie e o fundo canadense CDPQ compraram por US$ 8,5 bilhões.

Antes, em 2016, a companhia já tinha vendido 90% da Nova Transportadora do Sudeste (NTS), com atuação no Sudeste, para a gestora canadense Brookfield e para a Itaúsa por US$ 4,2 bilhões.

Falta se desfazer dos gasodutos das demais regiões, da BR Distribuidora e da Gaspetro. A última ainda não entrou na lista de desinvestimento.

Plano para os estados está sendo finalizado
No âmbito dos estados, a abertura do mercado estará prevista em duas medidas: uma nova regulamentação estadual e no Plano de Equilíbrio Financeiro (PEF), um programa de socorro aos estados. Os dois projetos serão encaminhados ao Congresso e precisam da aprovação dos parlamentares.

A regulamentação vai deixar mais clara algo que a Lei do Gás, de 2009, já previu, que é a figura do consumidor livre de gás natural. A ideia é permitir que as empresas possam comprar gás de qualquer distribuidora e que distribuidores privados tenham acesso à rede de gasodutos. Alguns estados que possuem distribuidoras próprias de gás impedem o acesso ou cobram por isso.

Já o PEF é um programa preparado para ajudar os estados em grave crise financeira, com notas C e D no Tesouro, ou seja, sem capacidade de pagamento. Para liberar acesso à crédito com garantias da União, o programa deve incentivar, entre outras coisas, a venda de distribuidoras estatais estaduais de gás.

O que é o monopólio do gás natural
A Petrobras domina a produção, transporte e distribuição de gás natural no país. Segundo os dados mais recentes da Agência Nacional de Petróleo (ANP), a estatal controla 92,9% da produção de gás natural no país. Em fevereiro, a produção nacional foi de 110,1 milhões de metros cúbicos por dia. O gás é retirado junto na extração de petróleo.

A estatal era dona até o ano de 2016 de toda a rede de gasoduto no país. Uma lei de 2009, chamada lei do gás, tentou abrir o mercado para que empresas privadas tivesse acesso à infraestrutura, mas sem sucesso.

Ao todo, o Brasil tem 9,4 mil quilômetros de gasoduto. A extensão é considerada pequena para o tamanho do país. Isso aconteceu porque o gás natural era considerado um subproduto no país. Parte do gás extraído junto na exploração de petróleo é simplesmente queimada e outra injetada novamente nos poços. Isso acontece por falta de demanda, por problemas no combustível e por falta de acesso dos poucos players privados (menos de 10%) à rede de gasoduto da Petrobras.

Por exemplo, dos 110,1 milhões de metros cúbicos por dia extraídos em fevereiro, 5,1 milhões foram queimados e 36,3 milhões devolvidos aos poços distribuidores. Somente o restante pode de fato ser vendido ao mercado.

Um espanto! - ELIANE CANTANHÊDE

O ESTADÃO - 26/04

Educação e Meio Ambiente estão entre as três melhores áreas do governo? Pode?!

A pesquisa CNI-Ibope confirma o quanto é complexa, indecifrável e até surpreendente a percepção popular sobre o que acontece no País. Sabem quais as três áreas mais bem avaliadas do governo Jair Bolsonaro? Segurança, Educação e Meio Ambiente.

Segurança (57%), vá lá. Afinal, o ministro Sérgio Moro é um ícone da Lava Jato e apresentou rapidamente um pacote que ataca a corrupção e o crime organizado, dois dos mais graves e cruéis males nacionais.

Mas Educação (51%)?! O pobre MEC vai tão mal que o ministro Ricardo Vélez Rodríguez caiu em menos de três meses. Aliás, caíram ele e todos os principais nomes da pasta, embolados numa guerra – entre “olavetes”, militares e técnicos – insana e pautada por um único mote: a ideologia.

Nenhuma medida prática foi proposta e aplicada. Aliás, as que chegaram a ser anunciadas foram um vexame tal que acabaram sendo suspensas: filmar alunos, ler slogan da campanha do presidente nas escolas, suspender a avaliação da alfabetização...

Logo, é um espanto a pesquisa apontar justamente a educação como a segunda área que vai bem no governo. E o Meio Ambiente (48%)?

O presidente Jair Bolsonaro e o seu governo não dão importância para a sustentabilidade, como se a proteção do ar, de florestas, rios e mares fosse um estorvo. Há até ministros que acusam ambientalistas de esquerdistas, globalistas, inimigos do Ocidente e desprezíveis – ou perigosos.

Já na formação do governo, a intenção de Bolsonaro era empurrar o Meio Ambiente para o Ministério da Agricultura, o que equivaleria a jogar os coelhos na boca do leão. Há óbvios conflitos de interesse entre os dois setores: a agricultura luta para expandir suas terras e o meio ambiente guerreia exatamente para manter preservadas grande áreas do País. Isso já dizia tudo e Bolsonaro voltou atrás por pressão interna e até internacional.

Foi assim que o Ministério do Meio Ambiente conseguiu manter sua autonomia. Bem, em parte. O presidente teve dificuldades para escolher um ministro e chegou ao advogado e administrador Ricardo Salles quase por exclusão: ele foi secretário de Meio Ambiente de São Paulo de 2013 a 2014 e tem uma visão “pragmática” da área, bem próxima à do presidente e seu entorno. Mas as coisas por lá andam áridas.

A presidente do Ibama caiu logo no início, o do Instituto Chico Mendes (ICMBio) acaba de pedir demissão e, com ele, a diretoria do órgão. Salles, que já tem sete militares no comando da pasta, substituiu os antigos diretores, especialistas no setor e com currículos reluzentes, por policiais militares de São Paulo. Com todo respeito aos policiais, particularmente os paulistas, será que foi uma boa troca?

Há também questões práticas. Bolsonaro já desautorizou a destruição de tratores e caminhões flagrados cometendo crimes em áreas de difícil acesso e, portanto, que exigiriam um enorme gasto de dinheiro público para serem retirados. A lei permite a destruição. O presidente proibiu o cumprimento da lei.

E o que dizer da exploração de petróleo ao redor de Abrolhos, na Bahia, um paraíso que é orgulho nacional? E da história mal contada do afastamento do fiscal que multou o então deputado Jair Bolsonaro por pesca ilegal em área protegida? O fiscal foi punido por cumprir a lei?

Justiça se faça: não se pode comprometer o desenvolvimento nem penalizar empreendimentos com alvarás, papéis e carimbos que atendem mais à burocracia e à ideologia do que ao interesse nacional. Mas que não se caia no oposto, jogando a proteção ambiental para o alto e destruindo tudo em nome do “progresso”. O Ibope não detectará isso agora, mas o futuro certamente cobrará seu preço. Tarde demais.

A Justiça que quebra o Brasil - VINICIUS TORRES FREIRE

Folha de S. Paulo - 26/04

Decisão do Supremo reduz de modo desequilibrado a conta de impostos de certas empresas


A maioria dos ministros do Supremo decidiu que o governo vai deixar de arrecadar uns muitos bilhões de reais em impostos, em benefício de grandes empresas. Pelo menos R$ 10 bilhões por ano, talvez até R$ 16 bilhões.

Foi nesta quinta-feira (25), em decisão que beneficiou firmas que fazem (ou farão ainda mais) negócios com a Zona Franca de Manaus, um processo que rolava desde 2008.

De onde vai sair o dinheiro? Ninguém sabe ainda, mas o governo federal terá de fazer mágicas e milagres sinistros.

A alternativa é mudar parte da lei de impostos sobre produtos da Zona Franca, o que é sempre uma guerra que mobiliza de políticos do Amazonas e do Norte a empresas do Sudeste e do Sul.

Não vai rolar, pois o governo terá de mendigar votos pela reforma previdenciária, não deve arrumar mais briga. Logo, vai haver corte.

Onde, repita-se?

Por exemplo, no ano passado, todo o investimento federal em obras viárias (estradas etc.) foi de pouco mais de R$ 10 bilhões. Neste ano, deve ser ainda menos.

Ou seja, a fim de pagar de uma talagada a graça ofertada pelo Supremo, seria necessário na prática fechar o Ministério dos Transportes ou enormidade equivalente, como cortar o dinheiro do Bolsa Família pela metade.

Noutro exemplo, a graça tributária decretada pelo Supremo levaria um pedação do esforço de contenção de gastos da Previdência.

Caso a reforma seja aprovada sem modificações, o governo estima que deixaria de gastar R$ 174 bilhões com aposentadorias “do INSS” nos primeiros cinco anos de vigência da mudança (para ser preciso, com despesas do Regime Geral de Previdência Social, o que não inclui servidores). A decisão do Supremo, pois, no limite vai custar o equivalente a 46% dessa economia suada em meia década.

A decisão do STF é um caso enrolado, não cabe aqui e agora nestas colunas. Mas, em suma, empresas que compram insumos na Zona Franca de Manaus terão direito a um desconto de imposto que apenas faz sentido no mundo do malabarismo jurídico.

Além de fazer mais um buraco no cofre furado e vazio do governo, a medida tende a causar outras distorções e consequências impremeditadas.

Empresas que conseguirão grandes descontos de impostos, por assim dizer, com a decisão do Supremo, podem passar a comprar apenas insumos básicos na Zona Franca, deixando a produção mais complexa em uma fábrica de outra região do país. Manaus ficaria com a produção rudimentar.

Há mais. Em tese, as empresas que mais se beneficiam da medida são aquelas com cadeias de produção mais complexa e têm a capacidade e a organização de manter fornecedores distantes. Parece a descrição de uma empresa grande ou já bem estabelecida na praça, certo?

Essas reduções de impostos, de resto, criam distorções menos visíveis, mas daninhas. Uma empresa mais eficiente (que faz por menos e/ou com mais qualidade) é prejudicada pela concorrência da firma que paga menos impostos.

O monte de tributações especiais do Brasil causa várias outras distorções, que também não cabem aqui e agora nestas colunas, mas são motivos sérios de ineficiência econômica e transferências injustificáveis de renda.

O Supremo acaba de criar um novo capítulo no imenso compêndio nacional de demências e iniquidades tributárias. De quebra, arruinou ainda mais um governo que em breve não terá como pagar contas básicas, embora os salários do Judiciário estejam garantidos. Né.

País precisa de 'choque de capitalismo' - CLAUDIA SAFATLE

Valor Econômico 26/04

Nova Previdência é crucial, mas para crescer é preciso mais


A economia brasileira tornou-se "planificada, dirigista, intervencionista e instável na microeconomia". Essa visão, sintetizada pelo secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade, Carlos Alexandre da Costa, e compartilhada por outros economistas do governo, explicaria a lenta recuperação da atividade depois da forte e prolongada recessão. Tal como na fábula do "sapo na panela, fomos fervendo, fervendo e, quando vimos, estávamos cozidos", disse ele. "O Brasil se tornou inviável. Nossa tarefa é viabilizá-lo", completou o secretário.

Durante a recessão de 2015 e 2016, as empresas se ajustaram, cortaram o endividamento, reduziram a folha de salários e várias, inclusive, sucumbiram. Agora, como gatos escaldados, os investidores esperam para ver, concretamente, se não vão cometer os mesmos erros do passado recente, quando apostaram no país, avaliou.

Há excesso de burocracia, excesso de regulamentação e excesso de impostos. Mais grave, ainda, é a Receita Federal que praticamente todos os dias solta uma nova interpretação da legislação, que já é infernal, não raro cobrando tributos sobre o passado.

Nesse direção, Costa prepara um pacote de simplificação de normas e regulamentos, de medidas pró-mercados (nas áreas de energia, gás, setor farmacêutico) e para um mercado de trabalho mais eficiente para o emprego e qualificação da mão de obra.

Serão anunciadas, também, iniciativas relativas ao programa Brasil 4.0, que pretende incorporar novas tecnologias nos processos industriais.

"Precisamos retirar os fatores que prejudicam a produtividade brasileira e focar nas medidas ativas e horizontais que aumentam a produtividade e a competição", sublinhou.

Para se informar das normas e regulamentos que existem, não têm lógica e só atrapalham quem quer empreender, Costa já fez 371 reuniões com entidades representativas do setor real de janeiro para cá. No topo da lista de queixas estão algumas das normas e regulamentos (NR) do Ministério do Trabalho. A NR 12, que trata da segurança no trabalho, é campeã das reclamações e será a primeira a ser revista. Criada em 1978, a norma tinha 40 itens obrigatórios. A revisão feita em 2010 aumentou para 340 os itens com exigências retroativas ao maquinário existente que extrapolam os padrões europeus.

O secretário contou que ouviu de um dirigente da rede fast food McDonald's uma história ilustrativa da burocracia em que a gestão pública se embrenhou.

O empresário decidiu construir uma loja em uma cidade brasileira. Por dois anos ele aguardou a concessão de alvará ao novo projeto. Quando a prefeitura finalmente emitiu o alvará, em um outro ato, tornou a rua onde estaria a lanchonete contramão, inviabilizando o projeto.

Atualmente, segundo dados da Confederação Nacional da Indústria, o Brasil tem 180 mil leis federais, 80 milhões de processos em tramitação e 5,5 milhões de normas legais nos três níveis de governo (federal, estadual e municipal). A Constituição de 1988 tem 250 artigos e 114 disposições transitórias e já passou por 99 emendas. "Há camadas de ineficiência que vão se acumulando, e as pessoas começam a considerar aquilo como algo normal. É como um porco que você vai engordando e dele retira só o bacon", resumiu Costa, em uma metáfora, o drama da profusão de leis, regras e regulamentos que dificultam a vida dos brasileiros.

O secretário citou que, no Brasil, uma empresa precisa ter 25 vezes mais pessoas do que nos países desenvolvidos, para cada volume de produção, para administrar a parte tributária, trabalhista e de obrigações acessórias. Ainda assim, não há segurança de estar se fazendo a coisa certa.

Caso emblemático de medidas dirigistas é encontrado na indústria farmacêutica, no qual o governo iniciou um processo de liberalização do preço-teto de medicamentos isentos de prescrição médica (MIP). Nenhum dos remédios era vendido pelo preço máximo. Costa suspeita de que a norma era "um mecanismo de coordenação de cartel".

Ele mencionou, ainda, como exemplos da burocracia de gestão tributária o e-Social e o Bloco K, sendo que este último é uma "vergonhosa ingerência sobre o processo produtivo das empresas". Exemplo: a Grendene lança, em média, 450 novos produtos por ano e, pelo Bloco K, ela tem que prever e comunicar ao fisco até quanto usará de tinta em cada um desses itens. Se, no processo de inovação, a fábrica consumir menos tinta do que o esperado, a Receita vai cobrar explicações por suspeita de sonegação. "Dentro do mandato que a Receita recebeu - de elevar a carga de impostos para financiar a crescente despesa pública -, ela se saiu muito bem", observou.

A reforma da Previdência, aprovada nesta semana pela Comissão de Constituição e Justica (CCJ) da Câmara dos Deputados, é crucial, fundamental para reequilibrar as contas públicas e interromper a trajetória crescente e insustentável da dívida pública. Mas não é suficiente para convencer os investidores a expandir seus negócios no Brasil e, por consequência, a gerar empregos.

O país precisa, urgentemente, de um "choque de capitalismo", receitou o secretário. Essa mesma prescrição foi feita há 30 anos pelo então senador Mario Covas, candidato à Presidência da República, em discurso durante sessão do Senado, no dia 28 de junho de 1989. Naquele pronunciamento, Covas pregou a reformulação do Estado brasileiro. "Basta de gastar sem ter dinheiro. Basta de tanto subsídio, de tantos incentivos, de tantos privilégios sem justificativas ou utilidade comprovadas. Basta de empreguismo. Basta de cartórios. Basta de tanta proteção à atividade econômica já amadurecidas. O Brasil não precisa apenas de um choque fiscal. Precisa também de um choque de capitalismo, um choque de livre iniciativa, sujeita a riscos e não apenas a prêmios." Houve progressos e retrocessos desde então.

Visto pelo desempenho da atividade econômica, os retrocessos parecem ter tido maior peso. Enquanto na "década perdida" dos anos de 1980 a 1989 o crescimento médio foi de 3,03%, a expansão média do PIB na última década (2009 a 2018) foi de apenas 1,21%.

Os sinais da lenta recuperação da economia estão se consolidando nas expectativas do mercado para este ano. Em janeiro o relatório Focus, do Banco Central, trazia expectativa de crescimento de 2,5%. Com quedas sistemáticas, o último prognóstico é de expansão do PIB de 1,71%.

O Brasil e suas contradições - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 26/04

STF cria R$ 16 bi de despesa para o Tesouro e a reforma da Previdência vai tirar R$ 34 bilhões dos idosos muito pobres

O Brasil é aquele país em que o dinheiro público é entendido como vindo de um emissor abstrato que tudo pode. Esquerda e direita defendem políticas que concentram renda. E liberal convive bem com o autoritarismo. Ontem foi mais um dia de se ver as contradições do país. O Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu crédito de IPI para as empresas que, em outras regiões, compram insumos na Zona Franca de Manaus, isentos de impostos. O relator Marco Aurélio Mello foi contra, mas perdeu. “Vencido, mas não convencido”, disse. A benesse custará R$ 16 bilhões por ano.

O presidente Bolsonaro mandou demitir o diretor de marketing do Banco do Brasil por ele ter autorizado um anúncio estrelado por negros, jovens, tatuados e descolados. O BB pretendia atrair o público jovem, portanto o anúncio foi feito com essa linguagem da diversidade, das selfies, das tatuagens. Certo? Não. O presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, disse ao Blog do Lauro Jardim: “Eu e o presidente (da República) concordamos que o filme deve ser recolhido”. A rejeição exibe preconceito, e o presidente, ao decidir sobre um filmete da publicidade do Banco do Brasil, um autoritarismo de minúcias.

O Ministério da Economia divulgou ontem os tais dados e cálculos sobre a reforma da Previdência. Será preciso muito tempo para entender tudo, porque são 30 planilhas com 2200 abas sobre o Regime Geral. A equipe apresentou uma conta espantosa. Disse que quem recebe R$ 30 mil de aposentadoria, na previdência atual, tem R$ 4 milhões de subsídio, entre o que ele contribuiu e quanto ganha na inatividade. Ou seja, se somar tudo o que a pessoa recolheu ao sistema, nesse caso o Regime Próprio, e comparar com o que receberá aposentado, há essa transferência de renda. Mas esse e outros flagrantes de que a Previdência concentra renda no Brasil não incomodam a esquerda. Ela criticará a reforma dizendo falar em nome dos pobres, mas estará ajudando a preservar um sistema injusto. O presidente que agora propõe a reforma foi adversário de todas as outras. Bolsonaro nunca quis combater desigualdade alguma.

A equipe econômica diz que, dentro da proporcionalidade, o impacto da reforma no Regime Próprio é 14 vezes maior do que no Regime Geral. Quer dizer com isso que o servidor contribuirá muito mais para a economia feita pela reforma. Sairão R$ 224 bilhões de quem está no Regime Próprio, e eles são R$ 1,4 milhão de funcionários. E sairão R$ 807 bilhões do Regime Geral, que tem 71 milhões de beneficiários. O erro desse raciocínio é que o peso proporcional não se dá em relação ao número de pessoas, mas sim em comparação à renda. Qual é o percentual da renda que o beneficiário deixará de receber? Essa é a conta. Neste caso, quem tem o maior peso proporcional só pode ser o idoso pobre do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Com BPC e Loas a reforma vai economizar R$ 34 bilhões em 10 anos. Esse dinheiro deixará de ir para o idoso que tem como renda per capita R$ 250 por mês. Isso não deveria estar na reforma.

Enquanto isso, o Supremo Tribunal Federal estava concluindo ontem o julgamento de uma ação surreal. A União estava recorrendo porque considera que o benefício concedido em tribunais inferiores era indevido. Os insumos, matérias-primas e material de embalagens da Zona Franca de Manaus não recolhem impostos, por causa do benefício regional. As empresas de outros estados que compram esses produtos querem ter crédito do IPI não pago. E ganharam esse direito. O Tesouro passa a ter custo duplo. Primeiro, porque abre mão do imposto na Zona Franca, segundo, porque o crédito do adquirente em qualquer estado do país virará moeda para o pagamento de impostos. Por seis votos a quatro o Supremo decidiu que isso está certo. O ministro Marco Aurélio Mello foi relator e afirmou que o crédito não faz sentido, porque o incentivo é regional, não pode se espalhar pelo país. E também porque o crédito é fictício, dado que o valor não foi recolhido. A ministra Cármen Lúcia e os ministros Luiz Fux e Alexandre de Moraes concordaram. Votaram pelo direito ao crédito, Rosa Weber, Fachin, Barroso, Lewandowski, Celso de Mello e Dias Toffoli. Pelas contas da PGFN, o custo da Zona Franca de Manaus pode subir mais R$ 16 bilhões. O Brasil é assim.

'Pulhas' acima de tudo - CRISTIAN KLEIN

Valor Econômico - 26/04

Cenário de anomia, contra instituições, agrada Bolsonaro


Há pouco mais de três anos, numa entrevista na varanda de sua casa no Rio - à vontade, de chinelos, bermuda da Nike, camisa polo da Adidas e relógio Casio no pulso - o então pré-candidato a presidente Jair Bolsonaro afirmava que pediria, "pelo amor de Deus", a seus eleitores para que votassem, dali a dois anos e meio, nos nomes que indicasse a senador e deputado federal. Se não tivesse um grupo parlamentar de apoio no Congresso - como ainda não tem - Bolsonaro antevia duas alternativas, ao reconhecer a radicalidade de suas ideias. "Vão cassar o meu mandato ou vou ser um pulha - como a Dilma é pulha, como Lula foi pulha, e como FHC foi também um... vendido", dizia.

Por "pulha" Bolsonaro entendia os presidentes da República que têm necessidade de formar aliança, em sistemas multipartidários como o brasileiro. Antes mesmo de adotar os chavões da "velha política" e do "toma lá dá cá", já antecipava o comportamento refratário que dispensaria aos parlamentares, equiparados à figura de sequestradores. O eleitor deveria votar nos seus candidatos, tão radicais quanto ele: "Se não, vou ser refém desses caras".

Na tremenda onda conservadora, Bolsonaro viu suas preces atendidas, ao se eleger ao lado de uma bancada do PSL que, de nanica, tornou-se a segunda maior da Câmara, com 54 integrantes. Algo muito insuficiente, porém, para lhe dar maioria diante da extrema fragmentação do Congresso, ainda mais elevada nessa legislatura. A fatia do PSL é de meros 10,5% dos deputados e 5% dos senadores.

Em quase quatro meses de governo, Bolsonaro oscila entre o destemor com o precipício e a figura do "pulha" que imputa aos antecessores. O apoio de legendas do Centrão à aprovação da reforma da Previdência, na Comissão de Constituição e Justiça, na terça-feira, é sinal de que a crista empinada tem limite. A ideia de governar à margem dos partidos - com bancadas temáticas, como a ruralista, a evangélica ou a dos agentes da área de segurança - se mostrou um fracasso. Bem previsível, uma vez que a distribuição de poder e toda lógica interna do Congresso é partidária. Bolsonaro tentou inventar a roda e viu que a ideia o levaria a dar com os burros n'água. E, no caso do governo atual, não são poucos os jericos pelo caminho.

O presidente nem precisaria ser o "pulha", o refém do Congresso, pois já tem problemas o suficiente diante da confusão e clima de beligerância entre os principais grupos que o sustentam. O duelo entre seu filho Carlos Bolsonaro e o guru Olavo de Carvalho contra o vice Hamilton Mourão beira à sandice mas expõe o nível de conflagração entre olavistas e militares, a despeito das tentativas - raras - de apaziguamento. Bolsonaro nunca foi e nunca será um pacificador. A neutralidade não é possível, já deixou claro, quando um dos lados é "sangue do meu sangue."

Maquiavel afirmava que uma coisa é conquistar; outra, diferente, é manter o poder. Olavistas foram importantes na primeira etapa; os militares são a base da segunda fase, e estão presentes em vários postos da administração federal. Nesse conflito insanável, Bolsonaro se desgasta e mostra falta de liderança. Sua palavra não é respeitada pelo rebento que prefere seguir o ideólogo defensor da guerra contra um suposto marxismo cultural. De birra, depois de uma bronca, Carlos barra o acesso do pai à própria conta do Twitter presidencial.

As coisas se tornaram mais complexas para Bolsonaro e vão muito além de ser - ou não ser - o "pulha" perante o Congresso. O presidente já é refém - não propriamente dos profissionais da política - mas dos amadores, da enorme turma de voluntariosos que instalou no governo e que pretendem tutelá-lo. Não bastasse a fragmentação parlamentar, o partido não orgânico, com políticos inexperientes, a instabilidade é fomentada por atores ligados ao próprio Executivo e ao filho incontrolável.

Há um sequestro psicológico, emocional. Bolsonaro atribui a vitória eleitoral a Carlos - que fez as vezes de marqueteiro de sua campanha nas redes sociais. E foi, entre os três filhos que seguiram carreira política, o que aceitou a missão dada pelo pai, em 2000, de derrotar nas urnas a mãe e então vereadora Rogéria Bolsonaro. À época, com 17 anos, Carlos era o único dos três que morava com Jair Bolsonaro, a madrasta e o meio-irmão caçula, Jair Renan, enquanto Flávio e Eduardo viviam com a mãe. A política nacional não é mais analisável sem a ajuda da psicanálise. O (des)governo Bolsonaro não quer apenas "tirar Paulo Freire do pedaço". Requer deixar de lado premissas da escolha racional.

Mas a balbúrdia e a desorganização favorecem o enredo geral desenhado pelo presidente que é o de confundir mais do que explicar, o de personalizar mais do que apresentar ideias e propostas concatenadas. A queda de braço entre olavistas e militares, entre Carlos e Mourão, não traz uma única substância em termos de política pública. Está no nível das acusações mútuas de traição e de ingerência descabida no governo. É espuma para a falta de conteúdo que caracteriza um mandatário hiperdependente da aprovação da reforma da Previdência e, em menor medida, do pacote anticrime de Moro.

Resta saber o que será de Bolsonaro quando, e se, a reforma passar e não houver mais a âncora que atrai os liberais ao seu governo. Se partirá para novas reformas - como a tributária - ou, se autoisolado, mergulhará na agenda de costumes. O posto Ipiranga de Paulo Guedes terá sido apenas o "pit stop" para voltar à caravana dos confrontos eleitorais, na estratégia de manter seus simpatizantes mobilizados até 2022.

Bolsonaro chegou ao poder num cenário de anomia - de descrédito com os partidos, com as elites, com "o sistema" - e nele se sente bem. Pinto no lixo. O bruxo da Virgínia ajuda a desmoralizar instituições, até mesmo as Forças Armadas, e o estrato superior delas, os generais.

Militares de alta patente tendem a acreditar menos em teorias da conspiração - como a hegemonia gramsciana da esquerda. O risco é a cooptação e politização de praças e oficiais em início de carreira. A Venezuela, com sinal invertido, pode ser aqui.

O que é sério em Mourão vs. Carlucho - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 26/04

Bolsonaros perceberam que militares eram empecilho para exercício da tirania

Nada há de irrelevante, jocoso ou desprezível nos embates entre Hamilton Mourão, vice-presidente da República, e Carlos Bolsonaro, que atira em nome do pai. Trata-se do confronto entre a democracia liberal e o populismo autoritário, que recorre às urnas para solapar as garantias que o elegeram. Mourão é o ator improvável no papel de garantidor de direitos fundamentais? Também acho, mas isso só nos diz de algumas particularidades que o embate tomou entre nós. O fenômeno tem alcance mundial, como evidencia Yascha Mounk no livro "O Povo Contra a Democracia".

Não vou me restringir aqui às lutas palacianas, até porque o Planalto é apenas um dos palcos em que se trava essa batalha, embora tenha de caracterizá-la brevemente. Há outros. Infelizmente, setores consideráveis da imprensa se tornaram, na prática, aliados do populismo de extrema direita, e os terminais que os conectam com o autoritarismo são a Lava Jato e a luta contra a corrupção. À medida que esta se tornou um valor absoluto, relega os direitos individuais e públicos ao papel de coadjuvantes da marcha moralizadora. Se um valor é absoluto, todos os outros a ele se subordinam.

Um pouco sobre a rinha palaciana para poder avançar. Por que Bolsonaro passou a ver em Mourão o inimigo a ser abatido? Será que o general teve um "estalo de Vieira" democrático e acordou adversário do populismo de extrema direita? Foi dormir como o candidato a vice que chegou a propor uma Constituinte feita por notáveis e acordou como o empossado que defende o diálogo também com movimentos de esquerda? A resposta, nesse particular, não é complexa. Embora Mourão não seja estranho à ideia da tutela que os militares ambicionam ter da sociedade civil, marcadamente desde o golpe da República, seu conservadorismo reserva um lugar às instituições.

Não tardou para que os Bolsonaros, sob a inspiração de Olavo de Carvalho, percebessem que também o estamento militar era um empecilho para o exercício da tirania garantida pelas urnas. No meio do caminho, há mais do que os Poderes Legislativo e Judiciário. A rigor, e isto fica para outras tertúlias, a leitura que os militares fazem do Brasil, de suas vocações e de seu futuro, é mais consistente --não quer dizer que eu a considere necessariamente certa-- do que a desses outros atores. Ou por outra: é mais difícil criar a dissidência no corpo fardado do que entre os representantes do povo ou os togados.

É provável que Bolsonaro não tivesse sido eleito sem a facada, mas a facada só serviu como o voo da borboleta na história do caos. E chego, então, ao papel que a imprensa tem exercido neste momento notável da democracia brasileira. Mundo afora, ela tem resistido à ascensão do populismo autoritário. Entre nós, infelizmente, são raros os que apontam o papel que teve e tem a Lava Jato na destruição da ordem democrática. Relegou-se a um novo ente de razão o papel de limpar o Brasil de suas impurezas. O combate à corrupção ou a caça aos tarados serão sempre bons estandartes da hipocrisia autoritária, pouco importando quantas garantias terão de ir para a fogueira das vaidades garantistas.

A caracterização que Yascha Mounk faz das forças alinhadas com a "democracia iliberal" é precisa, embora eu repudie o termo. Eu o fiz pela primeira vez em artigo no longínquo 2013, contestando uma tese da professora Jocelyne Cesari, que assim definia o regime turco. Encerrei assim aquele texto: "Continuo a escolher o único regime que pode abrigar quem sou e penso: a democracia! A democracia LIBERAL! O 'iliberalismo democrático' é uma invenção estúpida de grupos que usaram o ambiente do livre pensamento para flertar com a sua destruição".

Amarro as pontas: os principais aliados de Bolsonaro na luta contra a democracia liberal não são Olavo de Carvalho e as milícias virtuais, com sua penca de boçalidades, mas o silêncio da imprensa quando se condena sem prova, quando se recorre à prisão preventiva como instrumento de coação e quando se trata o sistema de garantias constitucionais como empecilho ao combate à corrupção. Deltan Dallagnol, Sergio Moro e seus porta-vozes fazem muito mais em favor da "democracia iliberal" —que é só uma ditadura por outros meios— do que Bolsonaro, Carlucho ou Carvalho. No fim das contas, trata-se de saber de que lado estamos quando a referência é o Estado de Direito. O primeiro que piscar escolheu seus parceiros de luta. Mourão, depois de eleito, ainda não piscou.

As confusões cobram a conta - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 26/04

Pesquisa mostra que, aparentemente, a paciência dos brasileiros com Bolsonaro está acabando, e mais rapidamente do que aconteceu com os antecessores


Cresceu de 21% para 40%, entre janeiro e abril, o porcentual de brasileiros que desaprovam o modo como o presidente Jair Bolsonaro governa o País. Esse recorte da mais recente pesquisa de opinião feita pelo Ibope sobre o desempenho de Bolsonaro indica uma evidente perda de confiança na capacidade do presidente de realizar a contento as muitas e desafiadoras tarefas inerentes a seu cargo.

É certo que o próprio Bolsonaro já declarou, mais de uma vez, que “não nasceu” para ser presidente e que às vezes pergunta a Deus “o que eu fiz para merecer isso?”. Seu principal articulador político, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, também admitiu que todos ali ainda estão “aprendendo” e que o País “precisa ter um pouquinho de paciência com a gente”.

Aparentemente, contudo, a paciência está acabando, e mais rapidamente do que aconteceu com qualquer outro antecessor de Bolsonaro – salvo o caso de Michel Temer, que enfrentou inusitada impopularidade a despeito de ter reorganizado a economia e encaminhado reformas depois do desastre do governo de Dilma Rousseff.

A mesma pesquisa do Ibope indica que a aprovação do modo de Bolsonaro governar caiu de 67% em janeiro para 51% em abril. Já a confiança no presidente recuou de 62% para 51%, enquanto a desconfiança subiu de 30% para 45% nesse curto lapso de tempo.

O porcentual dos que aprovam a maneira como Bolsonaro administra o País agora está bem próximo do porcentual de votos válidos que ele recebeu no segundo turno da eleição do ano passado (55%). Ou seja, pode-se especular que sua aprovação hoje está restrita a seu eleitorado.

Na avaliação do presidente do Ibope Inteligência, Carlos Augusto Montenegro, Bolsonaro “perdeu gordura”, especialmente em razão das confusões desnecessárias que protagonizou ao longo desses quatro meses de mandato – como a divulgação de um vídeo pornográfico, a título de denunciar a promiscuidade no carnaval, e a recorrente bagunça criada pelos filhos do presidente especialmente nas redes sociais, sem falar na queda de dois ministros de Estado em menos de quatro meses de governo. Esses ruídos ajudam a piorar um cenário muito mais feio, em que o governo aparenta inação em diversos setores e acumula números negativos na economia, em especial os do desemprego e do crescimento.

No geral, o governo Bolsonaro é avaliado como “ótimo” ou “bom” por 35% dos entrevistados, contra 34% em março, o que indica estabilidade após queda acentuada – em janeiro, eram 49% os que tinham opinião positiva. Já a fatia dos que consideram o governo “ruim” ou “péssimo” saltou de 11% para 27% no mesmo período. O crescimento da faixa dos mais críticos ao governo tem sido constante. Em março, eram 24%.

Esses números confirmam que Jair Bolsonaro protagoniza o governo mais mal avaliado em início de mandato desde o de Fernando Collor (1990), considerando-se apenas os presidentes eleitos, e não os vices que assumiram o lugar em razão de impeachment. Para Carlos Montenegro, do Ibope, a questão é que talvez tenha havido “empolgação excessiva” dos brasileiros com os outros presidentes, o que não se repete agora com Bolsonaro. “Talvez seja melhor começar com uma baixa expectativa e ir melhorando”, analisou Montenegro.

Pode ser, mas o fato é que não parece haver razão para otimismo, nem agora nem no futuro, e o apoio ao presidente Bolsonaro cada vez mais deverá se restringir a seus eleitores mais fiéis. Não é necessariamente desastroso ser impopular – o ex-presidente Michel Temer mostrou que é possível governar razoavelmente bem sem contar com quase nenhum apoio das ruas. No entanto, a conjunção entre impopularidade crescente e incapacidade administrativa e política costuma ser explosiva, especialmente para um governo que tem se mostrado tão pouco afinado com o Congresso – lugar em que o apelo popular costuma ser mais sentido.

Desde as eleições, Bolsonaro vem dizendo que não confia nas pesquisas que lhe são desfavoráveis. Mas talvez fosse o caso de começar a se interessar pelas razões do crescente pessimismo dos brasileiros em relação a seu governo, cuja marca, por enquanto, é a do atabalhoamento.

Luta pela imagem - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 26/04

O presidente da Câmara está tratando a votação da reforma da Previdência como oportunidade de os deputados se pacificarem com a opinião pública

O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, parece estar numa cruzada pessoal para resgatar a credibilidade da Câmara dos Deputados, ao transformar a aprovação da reforma da Previdência em um assunto de Estado, e não do governo Bolsonaro.

Lembrou que desde o governo do ex-presidente Fernando Henrique se tenta reformar a Previdência, uma pauta que deixou de ter coloração política. Foi o que fez questão de revelar na entrevista na noite de quarta-feira à Central Globonews, onde manteve tom firme e fluência de pensamento que demonstram estar convencido do que defende.

Com isso, ele mantém também uma saudável distância de um governo do qual discorda em vários aspectos, mas reafirma seu apoio ao ministro da Economia Paulo Guedes, com quem dialoga muito bem em termos econômicos e pessoais.

De Bolsonaro, diz que não tem relação pessoal, e nem está interessado em ter, pois isto não é relevante para seu trabalho à frente da Câmara. É uma maneira cautelosa de agir, pois mostra-se incomodado com a insistência do governo em passar a ideia de que Bolsonaro está lutando contra os parlamentares para não aceitar um sistema fisiológico de trocas de favores por votos, coisa que Maia garante que não está havendo.

O presidente da Comissão Especial anunciado ontem, deputado Marcelo Ramos, do PR, já deu o tom, afirmando que os deputados têm que ter responsabilidade com o país, mas que o Parlamento tem que ser respeitado. E já reclamou de Bolsonaro, que ontem disse que a reforma mínima tem cortar pelo menos R$ 800 bilhões. “ Cada vez que o presidente fala, reduz o corte”, disse ele, ressaltando que a proposta de Guedes prevê uma economia de R$ 1,2 bilhão.

O aumento dos componentes da Comissão, de 34 para 49 membros, está dentro dessa estratégia de Rodrigo Maia de dar representatividade à comissão, mesmo que isso torne os trabalhos mais lentos, aumentando o prazo para a discussão, já que haverá mais deputados envolvidos.

Mas ele queria que todos os partidos estivessem representados, para que a decisão que sair da Comissão seja uma direção para o plenário, que votará em seguida. Dar mais pluralidade à Comissão significa maior credibilidade à decisão final, que representará a diversidade da Câmara.

Na entrevista à Globonews, Maia insistiu em que não é errado que os deputados e senadores possam indicar técnicos para cargos do governo, desde que tenham capacitação para eles, e não sejam pretexto para atuações não republicanas.

Lembrou os vários militares que ocupam cargos no governo Bolsonaro, muitos deles generais e almirantes, sem que se diga que há interesses indevidos da corporação. Maia insistiu que o governo não pode criminalizar todo tipo de indicação política. “Não se pode transformar a participação de um partido no governo em um crime, que não é.” Maia acha, no entanto, que o mais correto seria que o governo apresentasse aos partidos um programa para que aderissem, formando uma base partidária forjada em projetos comuns.

Mas questiona a agenda do governo Bolsonaro. Também na entrevista à Globonews, Rodrigo Maia destacou que o DEM, embora tenha três ministros, não faz parte do governo. Ele explicou: “Por quê? Por que a gente não sabe ainda qual é essa agenda do governo para que a gente possa ter clareza de dizer ‘quero fazer parte’. Qual é a agenda do governo? Eu pergunto qual é a agenda do governo para a Educação? Eu não sei qual é até o momento. Ninguém sabe. Qual é a agenda do governo nas relações internacionais? É um desastre.”

Rodrigo Maia, como presidente da Câmara dos Deputados, está correto em se empenhar pessoalmente na tramitação da reforma da Previdência, pois depende dele o encaminhamento dos estudos e das comissões, e se ele estiver convencido de que é um programa de Estado e não de governo, tem toda razão de assumir o protagonismo para tentar convencer seus companheiros a votar a favor.

O presidente da Câmara está tratando a votação da reforma da Previdência como uma oportunidade de os deputados se pacificarem com a opinião pública. É contraditório, porque o assunto não é popular, mas os deputados que votarem a favor estarão sinalizando que votam sem interesses imediatistas. Ele tenta dar uma dimensão institucional à Câmara, que no final vai melhorar a imagem da Casa.

quinta-feira, abril 25, 2019

Matemática rende uma reforma da Previdência por ano - MARCELO VIANA

FOLHA DE SP - 25/04

Profissões matematizadas podem contribuir com R$ 1 trilhão por ano para a economia


Marcelo Viana - Diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France


Já escrevi aqui sobre o valor material da matemática. Da otimização de redes de produção e distribuição ao desenvolvimento de tecnologias de comunicação e informação, o conhecimento matemático é protagonista na economia mundial da era da internet. Quanto vale isso em dinheiro?

No início da década, quatro países —Reino Unido, França, Holanda e Austrália— realizaram estudos técnicos para quantificar a contribuição da matemática às suas economias. As conclusões foram análogas e impressionantes: de 10% a 11% dos empregos estão em profissões com forte conteúdo matemático, e essas atividades geram de 13% a 16% do PIB (produto interno bruto) desses países.

Traduzido para o Brasil, significa que a matemática pode somar R$ 1 trilhão (por ano!) à nossa economia. É o que o governo federal pretende economizar, em dez anos, com a reforma da Previdência. Como realizar esse potencial?

Mais um país europeu, a Espanha, acaba de publicar um estudo desse tipo. Por ser um caso um pouco mais próximo do nosso, as conclusões são especialmente interessantes para o Brasil. Os números são menores, mas ainda assim impressionantes. Atividades com forte incorporação da matemática criam 6% dos empregos e geram 10,1% do PIB da Espanha, ou seja, 103 bilhões de euros (R$ 455 bilhões) por ano.

Incluindo impactos indiretos, sobe para 19,4% dos empregos e 26,9% do PIB. As atividades mais impactadas são a informática, as telecomunicações, as finanças e a indústria de energia.

A produtividade dessas profissões matematizadas é comparável à dos países mais avançados: 47,20 euros (R$ 208,40) por hora. Segundo o estudo, "a diferença de impacto se explica pela estrutura produtiva espanhola, que está mais orientada para atividades com menor presença de profissões que requerem certa intensidade matemática".

O estudo contém diversas recomendações para sair desse relativo atraso, todas relevantes para o Brasil: tornar a matemática protagonista no sistema educacional, melhorar o diálogo entre o meio acadêmico e o empresariado, promover a pesquisa e as aplicações da matemática.

Há anos, a comunidade científica brasileira insiste que gasto em ciência não é custo, é investimento. Não conheço outro com retorno de R$ 1 trilhão por ano. Você conhece?

Carlucho: queima a rosca com a nomeação do priminho R$ 23.000,00

Leo Índio e Carlucho em folguedos. Numa das imagens, aparece Bolsonaro, o tiozão. Ascensão meteórica em Brasília. 

O novo projeto de reforma tributária - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 25/04

Na ânsia de mostrar serviço, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, saiu na frente do Executivo e, já em janeiro, patrocinou o projeto de reforma tributária elaborado e debatido há anos no Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), dirigido pelo economista Bernard Appy. Esse texto foi transformado em Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/19 e apresentado à Câmara pelo deputado Baleia Rossi (PMDB-SP).

Embora seja de entendimento mais complicado, porque é assunto de alguma densidade técnica, as mudanças tributárias analisadas nesta Coluna mexerão com a vida econômica de todo consumidor. Por isso, convém destrinchá-lo.

Este projeto é mais abrangente e mais consistente do que aquele que está sendo preparado pelo secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, porque unifica não só impostos federais (PIS, Cofins, IPI), mas, também, o ICMS, cobrado pelos Estados, e o ISS, cobrado pelos municípios. O nome proposto: Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

Funcionará nos mesmos moldes do atual ICMS que, em outros países, leva o nome de Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Isto é, será cobrado em cada fase da produção. As parcelas das etapas intermediárias funcionarão como crédito a ser abatido do pagamento subsequente até que este seja feito pelo consumidor final.

Diferentemente do caótico ICMS, cobrado tanto na origem como no destino do bem ou do serviço, o IBS será cobrado apenas no destino, ou seja, apenas no município de domicílio do consumidor. Aí vai uma questão, ainda sem solução. Na proposta, explica Appy, o destino da receita do IBS acabará sendo determinado pelo CPF do consumidor, acoplado a seu CEP de residência. Significa isso que o contribuinte terá de alterar seu CPF a cada mudança de domicílio?

Para assegurar a independência federativa, o imposto será recolhido à conta única do Comitê Gestor, organismo cuja administração será partilhada de maneira paritária pela Receita Federal e por representantes dos Estados e dos municípios. Tal futuro Comitê Gestor será encarregado de transferir, em regime automático, a parcela do imposto correspondente a cada esfera de governo.

As alíquotas correspondentes à parcela dos Estados e municípios poderão variar para cima ou para baixo do valor de referência, de maneira a garantir a autonomia de cada ente federativo.

A questão aparentemente mais complicada é a que prevê dupla transição. A primeira delas tem a ver com o que Appy chama de “transição na distribuição federativa da receita”. É a definição de um período de dez anos entre o sistema atual e o seguinte, de maneira a não produzir nem aumento da carga tributária nem perdas para cada nível de governo. É um período em que o novo imposto tomará progressivamente o espaço dos anteriores. Essa suavização foi o jeito encontrado para reduzir eventuais resistências dos políticos. Também ajudará a eliminar os compromissos assumidos pelos Estados que, na guerra fiscal, concederam desonerações de ICMS para estimular a instalação de fábricas. Essas desonerações desaparecerão a partir do momento em que o imposto será cobrado apenas no destino e não mais no Estado que concedeu a vantagem fiscal.

A segunda transição, de até 50 anos, tem por objetivo reduzir as perdas que o novo tributo imporá aos Estados e municípios “exportadores” de mercadorias e serviços, na medida em que beneficiará apenas os “importadores”.

Mas não há compensação para o caso de municípios-sede de grandes plantas industriais e de refinarias, como Paulínia e Cubatão, que hoje têm grande participação nas receitas do ICMS e que perderão grande parte dessa vantagem quando o imposto passar a ser cobrado no destino. Para Appy, “o critério que hoje beneficia Paulínia e Cubatão, por exemplo, produz brutal distorção federativa”.

O novo imposto exigirá nova atitude nas políticas de desenvolvimento regional. Appy observa que as políticas que vigoram hoje, como as das zonas francas, são ineficientes. A reforma é oportunidade para corrigir esse defeito. Hoje, a maioria das isenções e incentivos fiscais tem por base o imposto que deixa de ser cobrado onde o produto é produzido. Quando o IBS for cobrado apenas no destino, os benefícios desaparecidos terão de ser substituídos por novos mecanismos de incentivo.

Appy acredita que, graças à simplificação e à transparência do sistema, essa reforma aumentará em 10% o potencial de crescimento da economia e, nessas condições, aumentará a arrecadação, sem aumento da carga tributária.

Carteira verde e amarela - JOSÉ PASTORE

O Estado de S.Paulo - 25/04/2019

O Brasil tem espaço para reduzir os encargos sociais e criar novas oportunidades de trabalho


O governo pretende criar a carteira de trabalho verde e amarela, optativa para os jovens que começam a trabalhar, com menos encargos sociais e com o objetivo de gerar mais empregos.

A ideia é boa, mas há desafios. No Brasil, a contratação de empregados envolve despesas com encargos sociais e com remuneração de tempos não trabalhados que ultrapassam 100%. Um grande número dessas despesas decorre de mandamentos constitucionais: aposentadoria, FGTS, 13.º salário, repouso semanal remunerado, férias anuais, abono de férias, indenização na despedida,

aviso prévio, auxílio enfermidade, seguro de acidentes do trabalho e outros. Vários desses encargos incidem uns sobre outros. Só os citados geram despesas da ordem de 70% do salário.

Do ponto de vista político, acho difícil de aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional que venha a retirar esses direitos da Carta Magna. Ou seja, a carteira verde e amarela tem pouca chance para contratar jovens que trabalhem como empregados. O que fazer, então?

É verdade que o emprego convencional, assalariado, com habitualidade, subordinação e por prazo indeterminado, como reza o art. 3.º da CLT, será predominante por muito tempo. Mas, ao lado dele, multiplicam-se as novas formas de trabalhar – trabalho atípico, flexível, independente, autônomo, casual, por demanda, por projeto, etc. – que se afastam da relação de subordinação que caracteriza o emprego. Elas atendem os contratantes e os que desejam (ou precisam) trabalhar com flexibilidade e autonomia. Os jovens, em especial, valorizam muito mais a liberdade, a satisfação no trabalho, o crescimento pessoal do que as regras rígidas da relação de emprego. Para eles, as proteções das leis do emprego não servem porque estão atreladas ao emprego, e não às pessoas. Eles precisam de proteções portáteis que lhes permitam fazer zigue-zagues ao longo da sua carreira, passando por diferentes formas de trabalhar e estando sempre protegidos. É neste terreno que a carteira verde e amarela pode vingar.

O Brasil já tem algumas regras para proteger os que trabalham fora do vínculo empregatício, como é o caso das proteções previdenciárias do trabalhador que recebe por meio do Recibo de Profissional Autônomo (RPA) ou do microempreendedor individual (MEI). Além disso, há as proteções previdenciárias para os que contribuem individual ou facultativamente ao INSS.

Mas, é claro, precisamos ir além. Se o regime de capitalização social for aprovado na reforma da Previdência Social, estarão abertas oportunidades valiosas para proteger o trabalho fora da relação de emprego por meio de planos de seguro e de previdência privada. Muitos países avançados já fazem isso.

Em suma, o Brasil tem espaço para reduzir os encargos sociais e criar novas oportunidades de trabalho. Nos Estados Unidos, por exemplo, o jovem que estuda e trabalha algumas horas por semana em restaurantes, lojas, escolas, hospitais, etc., tem suas proteções garantidas mediante o recolhimento de uma contribuição de 15,3% que inclui 12,4% para a Previdência Social (Social Security )e 2,9% para o seguro de saúde (Medicare). Como o Brasil já tem o Sistema Único de Saúde (SUS) que dá acesso gratuito a todos os brasileiros, seria razoável fixar em 12% a contribuição ao INSS para os detentores da carteira verde e amarela, podendo ser compartilhada entre contratantes e contratados. Alternativamente, poder-se-ia simplificar as regras do artigo 3.º da CLT, que trata do vínculo empregatício. Deixo isso para os juristas.

Brasil, um país 1%: emprego e impostos indicam que economia anda no ritmo de 2017 e 2018 - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 25/04

Não há, por ora, motivos para acreditar que esta situação de modorra mude antes da metade do ano


A cada semana aparecem sintomas de que a economia brasileira se acomodou a um ritmo de crescimento de pouco mais de 1% ao ano, como em 2017 e 2018.

Os sinais mais recentes de lerdeza vieram dos balanços de março do emprego com carteira assinada e da arrecadação federal de impostos, divulgados nesta quarta-feira (24) pelo governo.

Desde outubro do ano passado, o número de empregos com carteira assinada cresce em torno de 1,4% ao ano. Nesse ritmo, apenas em março de 2022 o país voltaria a ter empregos formais na mesma quantidade de março de 2015. Não é uma previsão, claro, mas uma medida do tamanho do atraso e do estrago.
Desempregado mostra carteira de trabalho em fila por vaga no centro de SP -

Desde outubro do ano passado, o valor da receita de impostos do governo federal cresce cada vez mais devagar. A arrecadação do primeiro trimestre foi apenas 1,1% maior que a do início do ano passado (em termos reais: descontada a inflação). É outro indício de economia devagar, quase parando.

O emprego com carteira anda mal por causa da indústria, entre os grandes setores da economia. As fábricas até pareciam se animar um pouco em abril e maio do ano passado. A partir de outubro, o caldo entornou, e a panela de empregos novos ficou vazia. Desde então, o número de pessoas empregadas com carteira assinada é praticamente o mesmo (na comparação com o mesmo mês do ano anterior).

Há regiões e estados com problemas mais sérios de emprego, como o Nordeste, Pernambuco, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, entre os maiores. A indústria pernambucana sangra empregos, assim como a fluminense, em particular nas fábricas de alimentos, bebidas, mecânicas e de material de transporte.

A construção civil, o grande setor que proporcionalmente perdeu mais empregos no país, ainda se recupera, mas de modo quase imperceptível, para não dizer irrelevante.

Os focos de crise são, pois, praticamente os mesmos desde o início desta recuperação, que, na verdade, falhou. O país está em uma espécie qualquer de depressão.

A gente tem costumado atribuir a frustração das previsões de crescimento à incerteza provocada por crises políticas anuais desde 2013 ou indefinição a respeito do conserto das contas públicas. Mas a vida do analista fica fácil, assim. Em parte, atribui-se o erro de estimativa a um efeito maior (e até então desconhecido) da incerteza sobre a atividade econômica.

Pode até ser. Pode ser coisa pior, um defeito mais crônico. Pode ser simples falta de um impulso de demanda (um empurrão qualquer do gasto do governo ou das empresas, investimento extra, difícil de fazer).

O fato é que não aumenta de modo relevante o investimento em novas instalações produtivas, construções, máquinas, equipamentos, o que faz a diferença na aceleração (ou freio) do ritmo da economia.

Há quem diga que, sem consertos de fundo, que dão resultados em médio e longo prazo, a coisa não vai. Mas não haverá longo prazo caso sobrevenha uma explosão qualquer de impaciência no curto prazo, “fadiga de reformas”, tumulto social e político.

Conviria pensar se a direção de curto prazo da economia está adequada. Obviamente, não virá milagre do crescimento, mas isso não é motivo para justificar passividade em temas que vão de juros a concessões de obras, por exemplo.

Em suma, não há, por ora, motivos para acreditar que esta situação de modorra mude antes da metade do ano. Pode piorar, se continuarem os surtos de tolice, picuinha oligofrênica e incompetência do comando do governo.

Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA)

Outra década perdida? - JOSÉ SERRA

O Estado de S.Paulo - 25/04

A solução para nossos problemas econômicos exige voto distrital misto e parlamentarismo


Tudo leva a crer que o ano de 2019 fechará mais uma “década perdida”, numa frustrante repetição do que ocorreu nos anos 1980. A expressão, na verdade um tanto exagerada e catastrofista, foi cunhada com relação àqueles anos, quando a economia brasileira, até então invejada por sua pujança, tropeçou no desequilíbrio externo e na superinflação, exibindo um crescimento medíocre do PIB, muito distante do ritmo do pós-guerra: cerca de 17% em dez anos. A presente década pode terminar sendo, em matéria de dinamismo econômico, pior do que aquela.

É bem verdade, porém, que a “década perdida”, numa perspectiva econômica, é um tanto injusta com o Brasil dos anos 80. Dado o crescimento rápido verificado no após guerra – e em parte devido às suas lacunas –, grandes problemas foram se acumulando, sintetizados na inflação galopante e no desequilíbrio externo, marcas da nossa transição de economia agrícola para industrial no historicamente curto espaço de 50 anos. Metrópoles expandiram-se com infraestrutura deficiente e a oferta agrícola não acompanhava a demanda crescente. Ademais, a população padecia de níveis muito baixos de instrução e pouco acesso à saúde.

Como é sabido, o modelo de desenvolvimento por substituição de importações que prevaleceu no pós-guerra, associado à urbanização rápida e à lenta modernização da agricultura, produziu uma economia concentrada, protegida da competição externa e menos propensa à inovação, e por isso mesmo sujeita a fortes pressões inflacionárias. A essas pressões estruturais se sobrepôs um relaxamento fiscal que decorreu de nossa complexa redemocratização, cujo momento crítico foi a Assembleia Nacional Constituinte.

A nova Carta trouxe-nos um federalismo mal calibrado e pouco consequente do ponto de vista fiscal, com a complicação suplementar de ter consolidado um corporativismo indomável e “de luta” no serviço público – que por bom tempo conseguiu passar-se por “defesa dos trabalhadores”. A fome juntou-se à vontade de comer e, unidas, confluíram num arranjo político fiscalmente precário, por mais que alguns governantes, aqui e ali, tenham tentado retirar a água do convés com pequenos baldes.

O Plano Real representou a grande guinada, ao controlar a superinflação aberta que se arrastara até 1994, por meio de uma engenhosa regra de desindexação. Logo após, outra grande obra política de Fernando Henrique Cardoso foi realizada: a renegociação das dívidas dos Estados e municípios, que garantiu a geração de superávits primários nos entes subnacionais e praticamente extinguiu os bancos estaduais, verdadeiras usinas de inflação.

Ainda assim, o Brasil pós-década de 80 não foi capaz de sustentar um regime fiscal conducente à estabilidade com crescimento. Nossas taxas de juros sempre foram muito elevadas, deprimindo o investimento e onerando as contas públicas. E a partir do segundo governo Lula houve um grande relaxamento fiscal.

Nesse percurso de tropeços das contas públicas foram feitas várias tentativas de controle pela edição de novas regras fiscais. O exemplo mais importante foi a Lei de Responsabilidade Fiscal, que cumpriu importante papel, apesar que vários de seus dispositivos terem sido interpretados de forma equivocada, como no caso de se permitir que em Estados e municípios parcelas importantes dos gastos com aposentados e despesas de pessoal não fossem computadas na apuração do porcentual máximo de 60% de gastos com o funcionalismo. Vários Estados continuam até hoje formalmente enquadrados nessa regra, mesmo sem conseguir manter a folha em dia. Surreal! O Brasil é bom para criar regras fiscais – e melhor ainda para driblá-las.

A possibilidade de desagregação fiscal nos governos subnacionais ainda representa uma grande ameaça. Se não for contida, não só continuará tolhendo o crescimento econômico, como poderá ressuscitar a inflação. Por trás de tudo isso está o nosso sistema político disfuncional e fragmentado.

As dificuldades que se insinuam para a reforma da Previdência nada mais são do que um sintoma dessa doença do nosso corpo político. O Congresso tornou-se uma federação de quase 30 partidos, nenhum deles em condições de liderar uma maioria apta a implantar o que deseja a sociedade: um Estado saneado e apto gerencialmente a entregar serviços de qualidade em educação, saúde e segurança. Ao contrário, o atual sistema político não forma maiorias programáticas, é implacável em opor vetos e está continuamente dando lugar à expansão de gastos.

A dinâmica formal do Congresso revela essa disfunção. Como existem numerosos partidos, cada qual com seus líderes, um simples encaminhamento de voto toma longas horas, às vezes dias. Um partido pequeno pode entremear esse suplício com questões de ordem variadas e, assim, obstruir votações.

Os presidentes das Casas e das comissões têm de recorrer a acordos prévios com todas as lideranças para que as votações sejam concluídas. O risco, obviamente, é a diluição de todas as propostas votadas quando a questão é controversa. As exceções são os momentos em que a votação contempla o interesse geral dos parlamentares, como no caso da aprovação em tempo recorde da emenda do orçamento impositivo. Aliás, se prevalecer a redação atual, o pouco poder de barganha que restou ao Executivo será obliterado.

O presidencialismo é condenado por essa fragmentação, que só tende a aumentar. A solução para nossos problemas econômicos exige, ao menos como condição para se tornar politicamente viável, a adoção de um novo sistema eleitoral e um outro sistema de governo: o voto distrital misto e o parlamentarismo. Com eles, abrimos a possibilidade de os próximos anos se inscreverem numa década ganha, em vez de mais uma vez perdida. Como e o porquê é um tema para próximos artigos.

*Senador (PSDB-SP)

Polêmicas que emburrecem - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP 
24/05

O Brasil perde tempo com idiotices de um aloprado


O Brasil, tão atrasadinho, coitado, está retrocedendo ainda mais no no quesito inteligência, ao dar corda às polêmicas suscitadas por essa tremenda fraude chamada Olavo de Carvalho.

Esse astrólogo funciona mais ou menos assim: se a mídia toda está discutindo quem é o melhor jogador do mundo, se Messi ou Cristiano Ronaldo, ele entra com um palpite imbecil. Diz que o melhor é, na verdade, Deyverson, esse medíocre centroavante palmeirense.

O palpite é tão cretino e tão inusitado que, naturalmente, induz à polêmica, que é o esporte em que o astrólogo se sente à vontade. É claro que todas as pessoas que tenham ao menos meio neurônio não ligam a mínima para o que diz Carvalho.

Mas sempre há os de miolo mole que param para pensar se, de repente, o astrólogo não tem razão e se Deyverson não é de fato melhor que Messi e CR7. Também sempre há os que, incapazes de se destacar em seus ambientes a partir de uma argumentação racional, apegam-se às idiotices de Carvalho como forma de aparecer.

O que choca é que uma pessoa como Hamilton Mourão, que fez todos os cursos necessários para chegar ao generalato, entre na pilha do chamado bruxo de Virgínia e se deixe envolver nas polêmicas idiotas que ele promove.

Que os filhos do presidente se animem a servir de alto-falante para Carvalho até dá para entender. Afinal, nenhum deles nem o pai são exatamente gênios da raça.

Choca também que uma porção de gente, os jornalistas, inclusive, estamos sendo arrastados para essa besteirada toda. Temo que estejamos todos caindo em um esquema que um pilantra notório como o italiano Silvio Berlusconi adotou, conforme se pode ler em artigo para o jornal THe New York Times de Luigi Zingales (Universidade de Chicago):

Berlusconi “era tão fanaticamente obcecado com sua personalidade que qualquer debate substantivo desapareceu; o foco ficou apenas em ataques pessoais, e o efeito foi aumentar a popularidade de Berlusconi".

Vale para a Itália de Berlusconi, vale para o Brasil de Olavo de Carvalho. É o que percebeu, por exemplo, o leitor Gustavo Felício Moraes, do Rio, que escreveu no Painel do Leitor desta quarta-feira (24):

“As crises sucessivas e o desgaste provocado pelas diferentes alas do governo —a militar e a do Olavo— parecem fabricados com o objetivo de tirar o foco do principal: discutir e resolver os reais problemas da nação. Não existe um plano estratégico".

Pois é, Gustavo, um aloprado que só fanáticos levavam a sério agora frequenta dia sim, outro também, as primeiras páginas dos jornais.

É ou não é muita burrice?

Clóvis Rossi
Repórter especial, membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

O Brasil estatista e intervencionista não deu certo - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 25/04

Pacto nacional na terceira década

O Brasil precisa marcar um encontro com a verdade, fazer uma profunda autocrítica, admitir seus pecados e firmar um pacto nacional consigo mesmo que não aceite desperdiçar mais uma década, a terceira do século 21, nem continuar patinando na pobreza e na mediocridade. A segunda década deste século já está perdida. O país continua pobre e desigual. Tendo tudo para atingir a grandeza e ser rico, o país hospeda milhões de miseráveis, outros tantos de pobres, e um padrão de vida médio bem inferior ao de nações que não têm os recursos naturais de que o Brasil dispõe.

A renda por habitante baixa (em torno de um quinto da renda per capita dos Estados Unidos), o desemprego, o baixo padrão de bem-estar social das camadas mais pobres, as más condições de saúde, o sofrível nível educacional e o assustador número de mais de 60 mil homicídios anuais são alguns aspectos do fracasso brasileiro. Durante décadas após a Segunda Guerra Mundial falou-se na ideia do “Brasil Potência” ou no “Brasil Grande no ano 2000”, mas o resultado foi o país ter adentrado o terceiro milênio mergulhado no repetitivo mar de desastres econômicos e misérias sociais.


O fato é que o Brasil estatista, intervencionista, com governo grande e regulação de todos os aspectos da vida, não deu certo

Tendo jogado fora as ondas de prosperidade ocorridas no mundo – inclusive após a crise dos anos 1980, quando a economia mundial se reformou e muitos países experimentaram expansão econômica e modernização tecnológica –, imaginava-se que o Brasil iria aproveitar os anos seguintes ao fim do regime militar em 1985, e em especial as duas primeiras décadas deste século 21, para se desenvolver. Ao adentrar o primeiro ano do terceiro milênio, o país havia conseguido vencer um fantasma que massacrou a nação por muitos anos: a inflação, que fora debelada com o Plano Real implantado em 1994. Mas não. De novo, o Brasil jogou fora uma oportunidade, terminou a primeira década deste século pobre e pode chegar ao fim da segunda década com a renda por habitante em 2020 menor que em 2010.

Em sua história política recente, após o fim do governo militar, o Brasil foi governado por todas as principais forças políticas nacionais. Em 1985, assumiu um governo civil liderado pelo PMDB, com José Sarney governando desde o primeiro mês do mandato em razão da doença e morte do titular, Tancredo Neves. Vieram as eleições diretas e o país elegeu Fernando Collor, candidato de um partido pequeno, que governou de março de 1990 a dezembro de 1992, quando foi deposto pelo Congresso Nacional. O PMDB voltou ao poder com Itamar Franco, o vice que completou o mandato de Collor até a posse de Fernando Henrique Cardoso em 1º de janeiro de 1995. Assim, de 1995 a 2002, outra força política representada por outro grande partido, o PSDB, governou o Brasil nos dois mandatos de Fernando Henrique. De 2003 a agosto de 2016, o país experimentou 13 anos e oito meses de outro grande partido, o PT, um partido de esquerda, dominado por socialistas e sindicalistas. Com o PT no poder nos oito anos de Lula e cinco anos e oito meses de Dilma, o Brasil acabava de ser governado por todas as grandes forças políticas da nação.

Agora, desde janeiro de 2019, o país começa um novo governo, com um partido pequeno, um presidente conservador nos costumes e uma equipe de liberais na economia. Como o país nunca praticou o liberalismo econômico, a possibilidade de o ministro da Economia, Paulo Guedes, levar adiante seu programa liberal significa a oportunidade para testar algo diferente, pois todos os governantes desde Getúlio Vargas estiveram ao lado de uma economia estatizante e intervencionista, com alguns rasgos de liberalização e privatização. O fato é que o Brasil estatista, intervencionista, com governo grande e regulação de todos os aspectos da vida, não deu certo. O país termina a segunda década pobre, desigual e violento.

O ministro Paulo Guedes fez um comentário interessante sobre o recente episódio do aumento dos combustíveis, que teria sido cancelado por uma reclamação feita pelo presidente Bolsonaro ao presidente da Petrobras. Paulo Guedes perguntou se alguém já viu caminhoneiros na porta do presidente dos Estados Unidos, ou do Canadá, ou da Inglaterra, pressionando por causa de aumento de preços dos combustíveis. Não, ninguém nunca viu, e a razão é simples: esses países vivem uma economia livre de mercado, na qual há centenas de empresas petrolíferas. No Brasil, há somente uma empresa, um monopólio estatal (que na prática nunca foi quebrado). O modelo estatista, nacionalista, intervencionista, protecionista e populista não deu certo, logo, vale tentar outro modelo, mais próximo das nações desenvolvidas do mundo.

O Brasil precisa encontrar um caminho capaz de usar a terceira década deste século para começar a mudar sua história, promover o crescimento econômico e superar a pobreza. Ainda que pessoas e partidos políticos possam divergir em matéria de economia, há um conjunto de pressupostos que são consensuais no mundo inteiro, dos quais o país não poderá fugir se quiser mudar a trajetória de atraso e mediocridade que caracterizaram as últimas sete décadas.

Filhos não entenderam o que fez Bolsonaro vencer e ainda estão em campanha - RODRIGO CONSTANTINO

GAZETA DO POVO - PR 25/04
Por que Bolsonaro foi eleito? São vários fatores, claro. Entre eles, o antipetismo, a facada de Adélio, a Lava-Jato, a economia, a indignação popular contra o establishment, o desejo de mudança na parte cultural, o liberalismo econômico de Paulo Guedes, o cansaço com o partidarismo da imprensa etc. Cada um votou por uma razão, e o somatório de causas explica a vitória.

Mas a ala ideológica do governo, liderada pelos filhos Eduardo e Carlos, juram que foi Olavo de Carvalho quem garantiu a vitória do pai. Eles menosprezam todos os outros fatores, e acreditam que quase 58 milhões votaram em Bolsonaro porque desejam reverter a “guerra cultural” contra o “globalismo”.

Com mapa de fundo tão equivocado, os filhos do presidente depositam no guru um poder que, na prática, ele nunca teve. Serve para alimentar o ego do filósofo, e para reforçar uma narrativa de constante combate contra terríveis forças do mal. Essa mentalidade tribal atende aos interesses de quem vive em campanha, não de quem precisa governar um país.

Infelizmente, o próprio presidente é muito influenciado pelos filhos e pelo guru. Passou um pito recentemente em Olavo de Carvalho, mas não é capaz de efetivamente desautorizar os filhos, que, logo depois, dedicaram inúmeras postagens contra o vice-presidente Mourão. Carlos está prestes a completar 40 horas de ataques ininterruptos ao vice do pai, e seu irmão endossou o coro: “função de vice não é dar opinião!”

Mourão foi eleito junto com Bolsonaro numa chapa, assim como Dilma e Temer (e muitos bolsonaristas alegaram exatamente isso quando os petistas disseram que não elegeram Temer). Não nego que Mourão tem feito declarações que podem ser consideradas antagônicas à agenda do governo, mas em parte seu papel tem sido o de moderação e contemporização num ambiente de batalha constante.

Para os filhos do presidente, isso é ato de traição. O próprio Bolsonaro, em áudio vazado, disse que Mourão terá uma “surpresinha” em 2022. Olavo de Carvalho declarou guerra aberta ao vice, tratado como um pústula traidor. O clima é de bagunça geral, e a postura dos filhos de Bolsonaro tem tudo a ver com isso.

A pesquisa CNI/Ibope mostra que Bolsonaro tem aprovação baixa, de apenas 35%, enquanto aqueles que consideram seu governo ruim ou péssimo já chegam a 27%. É a economia, estúpido! “Templários” podem brincar de revolução no Twitter ou passar o dia atacando o vice-presidente escolhido por Bolsonaro e eleito pelo povo na mesma chapa, mas o povo, aquele real, quer mesmo é emprego!

O projeto de Eduardo e Carlos, porém, parece ser outro. Mais preocupados com o clã do que com o país, a narrativa, produzida pelo guru e disseminada pela militância, é a de que Bolsonaro é um “mártir” em meio a traidores. O presidente seria “amado pelo povo”, mas todos tentam boicotar seu governo. É um discurso claramente personalista e populista, até mesmo fascista. Congresso não presta, Judiciário não presta, militares não prestam, o vice não presta: só o presidente, adorado pelo povo, presta!

Essa tática de constante combate, que já foi chamada de “presidencialismo de colisão”, em vez de presidencialismo de coalizão, tem sido prejudicial ao extremo para o governo. Mas eis um corolário dessa mentalidade: toda crítica, por mais construtiva que seja, será tratada como ataque de inimigo. Essa turma só aceita bajuladores, aqueles que abaixam a cabeça e dizem “amém” para tudo.

Quem vê a coisa degringolar diante dos seus olhos e quer ajudar o governo a dar certo acaba tratado como inimigo ou traidor também. O governo não precisa de oposição da esquerda ou da imprensa: ele cria suas próprias intrigas e confusões. Mas quem demonstra receio, quem teme que essa conduta vá atrapalhar as reformas, recebe pedradas. É a eterna campanha, e dane-se o governo!

O próprio Eduardo Bolsonaro, rebatendo um texto meu que foi publicado pelo cantor Roger Moreira, demonstra como ainda vive preso na mentalidade de campanha eleitoral:



O pior é que essa ala baderneira nacional-populista, seguidora de Olavo e Bannon, está quase conseguindo fazer com que isso seja desejável. A insatisfação com a postura dos filhos do presidente é crescente nos bastidores da direita, entre liberais e conservadores. Cada vez restam apenas os bajuladores incondicionais ao lado deles, aqueles conhecidos como “minions”. Alguns já chegam a questionar se não seria melhor mesmo um tucano – até um tucano! – ou Mourão como presidente. É o custo de se eleger um “meme” ambulante.

Repito: Bolsonaro venceu por várias razões, e a militância virtual aguerrida é uma delas, mas nem de perto a única. E o que serve para vencer eleição não necessariamente é o que serve para governar uma nação. Agora Bolsonaro é governo, está no poder, e o PT foi derrotado. A prioridade é outra. A pauta é outra. Mas os filhos do presidente parecem não ter se dado conta disso. E pior: o próprio presidente às vezes demonstra o mesmo.

O bolsonarismo precisa de inimigos terríveis como ameaça constante, e de pensamento binário de torcida de futebol: está comigo ou contra mim! Nesse processo, não há espaço para liberais e conservadores que detestam o PT e também os tucanos, que reconhecem o viés esquerdista da mídia, que desejam uma guinada à direita, mas que nem por isso fazem vista grossa para a postura autoritária e reacionária do nacional-populismo.

É por isso que pessoas como eu, com longa trajetória de combate ao petismo e à social-democracia tucana, que sempre condenou a imprensa “progressista”, que deseja uma guinada conservadora nos costumes, acabam sendo vistas como “comunistas” pela ala jacobina. É tudo ou nada! Eduardo pode “casar” com uma figura como Steve Bannon, que Trump colocou para escanteio, pode paparicar governos autoritários da Europa, e ninguém deve criticar, pois isso significaria a volta do PT ao poder.

Eduardo pode não querer escutar meus conselhos. Tem todo direito de preferir escutar aqueles de Olavo e Bannon que, para ele, foram responsáveis pela vitória do seu pai. Mas depois não poderá reclamar se o governo naufragar. Bannon pode até ter sido importante para a vitória de Trump, mas o presidente soube avaliar a diferença entre campanha e governo, e por isso Bannon foi chutado da Casa Branca. É essa lição preciosa que Bolsonaro precisa aprender com Trump.