FOLHA DE SP - 22/11
Crise no Amapá revela falhas em todos os Poderes
A decisão judicial de afastar por 30 dias a diretoria da agência responsável pela regulação do setor de energia, Aneel, e do órgão responsável pela operação do sistema, ONS, revela quanto estamos distantes da normalidade institucional e reféns do voluntarismo desinformado.
A razão alegada foi evitar que os gestores possam interferir na investigação das causas do apagão que atinge o Amapá há cerca de 20 dias. Na ânsia de achar culpados, a decisão pôs em risco o abastecimento de energia elétrica em todo o país.
O juiz concluiu, precipitadamente, que o apagão pode ter ocorrido por uma negligência óbvia e com a complacência da diretoria da Aneel e do ONS. A questão, porém, é bem maior
A liminar revelou desconhecimento sobre a teia de controles cruzados no setor, os problemas de coordenação nas diversas instâncias deliberativas e a possível longa sequência de eventos para a ocorrência desse apagão.
Pior ainda, ela deixou acéfalas as instituições responsáveis pela gestão nacional do fornecimento de energia. Felizmente, o TRF-1 suspendeu a liminar na sexta-feira (20).
A estrutura do setor elétrico é tecnicamente complexa. Administrar o sistema de geração, transmissão e distribuição requer modelos matemáticos sofisticados, além de projeções da oferta e demanda anos à frente em razão da longa maturação dos investimentos.
A estabilidade do sistema exige normas de segurança em razão de restrições técnicas e operacionais de difícil coordenação. Falhas, porém, podem ocorrer mesmo com todos os cuidados, como mostra o apagão na Califórnia em agosto deste ano.
O sistema elétrico brasileiro tem problemas no desenho das relações comerciais e de operação entre seus agentes. Temos também frágeis critérios de qualificação técnica para os participantes no setor.
Muitos fatores contribuíram ao longo de anos para o desastre ocorrido no Amapá. Edvaldo Santana, no Valor Econômico de 19/11/2020, sistematiza a extensão dos desafios na regulação do setor elétrico.
Falhas graves no sistema elétrico podem ser previsíveis, mas ainda assim inevitáveis no curto prazo. Isso decorre do longo período necessário para corrigir a infraestrutura. O governo Temer elaborou uma proposta de reforma da regulação do setor elétrico, PLS 232/2016, que anda lentamente no Senado, presidido por um senador do Amapá.
Em vez de enfrentar as fragilidades do desenho regulatório, com frequência optamos por ampliar a intervenção atabalhoada do setor público, como ocorreu na gestão Dilma.
O ativismo desinformado contribui para ampliar a insegurança no país, desestimular investimentos em infraestrutura e dificultar o enfrentamento os problemas.
Marcos Lisboa
Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.
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