domingo, novembro 22, 2020

Irresponsabilidade em meio ao apagão - MARCOS LISBOA

FOLHA DE SP - 22/11

Crise no Amapá revela falhas em todos os Poderes



A decisão judicial de afastar por 30 dias a diretoria da agência responsável pela regulação do setor de energia, Aneel, e do órgão responsável pela operação do sistema, ONS, revela quanto estamos distantes da normalidade institucional e reféns do voluntarismo desinformado.

A razão alegada foi evitar que os gestores possam interferir na investigação das causas do apagão que atinge o Amapá há cerca de 20 dias. Na ânsia de achar culpados, a decisão pôs em risco o abastecimento de energia elétrica em todo o país.

O juiz concluiu, precipitadamente, que o apagão pode ter ocorrido por uma negligência óbvia e com a complacência da diretoria da Aneel e do ONS. A questão, porém, é bem maior

A liminar revelou desconhecimento sobre a teia de controles cruzados no setor, os problemas de coordenação nas diversas instâncias deliberativas e a possível longa sequência de eventos para a ocorrência desse apagão.

Pior ainda, ela deixou acéfalas as instituições responsáveis pela gestão nacional do fornecimento de energia. Felizmente, o TRF-1 suspendeu a liminar na sexta-feira (20).

A estrutura do setor elétrico é tecnicamente complexa. Administrar o sistema de geração, transmissão e distribuição requer modelos matemáticos sofisticados, além de projeções da oferta e demanda anos à frente em razão da longa maturação dos investimentos.

A estabilidade do sistema exige normas de segurança em razão de restrições técnicas e operacionais de difícil coordenação. Falhas, porém, podem ocorrer mesmo com todos os cuidados, como mostra o apagão na Califórnia em agosto deste ano.

O sistema elétrico brasileiro tem problemas no desenho das relações comerciais e de operação entre seus agentes. Temos também frágeis critérios de qualificação técnica para os participantes no setor.
Muitos fatores contribuíram ao longo de anos para o desastre ocorrido no Amapá. Edvaldo Santana, no Valor Econômico de 19/11/2020, sistematiza a extensão dos desafios na regulação do setor elétrico.

​Falhas graves no sistema elétrico podem ser previsíveis, mas ainda assim inevitáveis no curto prazo. Isso decorre do longo período necessário para corrigir a infraestrutura. O governo Temer elaborou uma proposta de reforma da regulação do setor elétrico, PLS 232/2016, que anda lentamente no Senado, presidido por um senador do Amapá.

Em vez de enfrentar as fragilidades do desenho regulatório, com frequência optamos por ampliar a intervenção atabalhoada do setor público, como ocorreu na gestão Dilma.

O ativismo desinformado contribui para ampliar a insegurança no país, desestimular investimentos em infraestrutura e dificultar o enfrentamento os problemas.

Marcos Lisboa
Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.

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