O economista apresenta os custos de um programa; implementá-lo é decisão política
Há duas semanas, escrevi sobre proposta de renda básica de cidadania de Rozane Siqueira e José Ricardo, professores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Apresentei os benefícios: eliminação da pobreza e redução da desigualdade equivalente ao dobro da observada entre 2002 e 2014.
Na semana passada, apresentei a conta: alíquota linear de 35,7% de imposto sobre todas as rendas desde o primeiro real, além da eliminação de todas as deduções do IRPF.
É possível pensarmos outras possibilidades. Tratei de alguma delas na coluna da semana passada.
A questão importante é que não é atribuição de um profissional de economia avaliar ou não a oportunidade de um programa dessa natureza. O motivo é que ele apresenta custos e benefícios que são de difícil comparação. Envolve juízo de valor, e o conhecimento econômico não permite esse tipo de avaliação.
O que podemos fazer é o inventário dos custos e dos benefícios e oferecê-lo à sociedade. Esta, por meio do Congresso Nacional, decide.
Uma possibilidade de financiamento sobre a qual meus leitores sempre me perguntam é o imposto sobre grandes fortunas (IGF). Aplica-se uma alíquota sobre a riqueza das pessoas.
Há pelo menos três problemas com o IGF. Primeiro, representa bitributação, visto que riqueza é renda acumulada, e a renda já foi tributada. Segundo, tem elevadíssimo custo de processamento. Terceiro, incide sobre uma riqueza ilíquida. A pessoa teria que vender o patrimônio para pagar o imposto.
A experiência recente é que, dos 12 países da OCDE que tinham essa modalidade de imposto há algumas décadas, somente 3, Suíça, Espanha e Noruega, o mantêm. A capacidade máxima de arrecadação foi de 1% do PIB na Suíça, 0,2% na Espanha e 0,4% na Noruega.
Mais informações em dois posts no ótimo Observatório de Política Fiscal do Ibre, a cargo do meu colega Manoel Pires (bit.ly/37bTe2n).
A constatação inicial dos dois pesquisadores da UFPE, de que uma alíquota de imposto sobre a renda de 35,7% financia o programa, resulta de uma análise contábil. É sempre o primeiro passo.
O segundo passo é avaliarmos como as pessoas irão se comportar com a nova alíquota. É por isso que economia é uma disciplina social: as pessoas alteram seu comportamento de acordo com as regras.
Além disso, o mercado reage às alterações do comportamento das pessoas. Minha colega Monica de Bolle, em sua coluna às quartas no jornal o Estado de São Paulo, argumentou que parte do gasto com um programa dessa natureza retorna aos cofres públicos por meio dos impostos embutidos nos bens e serviços adquiridos pelos beneficiados.
O problema é que, numa economia como a brasileira, que apresenta estruturalmente situação de excesso de demanda sobre oferta e na qual, portanto, há juros reais consistentemente superiores às taxas de crescimento da economia —não tem sido assim nos últimos três anos, mas certamente é a exceção, e não a regra—, o aumento das transferências públicas pressionará a inflação e, com ela, os juros. O custo da dívida pública se eleva.
Não que esse seja motivo para desistirmos de um programa dessa natureza, somente o ganho alegado será mitigado ou até revertido.
É absolutamente legítimo o desejo da sociedade de ações mais incisivas de combate à pobreza e à desigualdade. A atribuição dos profissionais de economia é apresentar o inventário de custos e benefícios. A decisão ficará sempre a cargo de alguma esfera política, que pode comparar custos e benefícios quando envolvem juízo de valor.
Samuel Pessôa
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.
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