Equipe econômica mostrou aderência aos valores distorcidos e aos maus modos do governo. Não é uma ilha de racionalidade no meio desta crise
A equipe econômica se saiu muito mal na reunião ministerial. O ministro Paulo Guedes colocou a economia a reboque do projeto da reeleição, e os presidentes do Banco do Brasil, Caixa e BNDES fizeram triste figura. Rubem Novaes, totalmente fora do rumo, disse que o pico da pandemia já havia passado, Pedro Guimarães deu um show de servilismo, Gustavo Montezano disse duas vezes que subscrevia as palavras de Ricardo Salles, que havia proposto solapar as leis, aproveitando o foco da imprensa na Covid-19. Roberto Campos mostrou que se sente à vontade em reuniões de governo, que nada têm a ver com o papel do Banco Central.
O mercado ontem comemorou com alta na bolsa e queda do dólar porque avaliou que não houve nada demais na reunião. A visão míope e imediatista dos operadores já é conhecida. Ontem o “Financial Times” trouxe na primeira página uma matéria corrosiva sobre o presidente Jair Bolsonaro e os destinos do Brasil. O “FT” é formador de opinião no mundo dos grandes investidores. Na reunião, a equipe econômica mostrou aderência aos valores distorcidos e aos maus modos do governo. Não é uma ilha de racionalidade. E não sabe como tirar o país da crise.
A reunião era para discutir o plano econômico pós-pandemia, que havia provocado ruídos. Paulo Guedes disse que via nele “as digitais” de Rogério Marinho, que em resposta pediu o abandono dos dogmas. O presidente Jair Bolsonaro passou a palavra a Guedes, logo após a apresentação do ministro Braga Netto, dizendo que ele era “o ministro mais importante nessa missão aí”. Mas não arbitrou o conflito que ficou latente entre Guedes e Marinho. Até porque Bolsonaro foi para lá com uma agenda própria, que não era o plano ali discutido, nem a pandemia do coronavírus.
Na primeira fala de Guedes já houve uma parte suprimida, mas da qual se depreende que ele também entrou na teoria da conspiração que culpa a China pela pandemia. “A China (parte excluída) deveria financiar o Plano Marshall.” Sua rejeição ao modelo estatista — que está embutido no Pró-Brasil — poderia ter sido ótima. Mas o argumento que ele usou foi que aquilo iria “destruir a candidatura do presidente, que vai ser reeleito se seguirmos o plano das reformas estruturantes.” E mais adiante Paulo Guedes volta a falar. “Vamos fazer todo o discurso da desigualdade, vamos gastar mais, precisamos eleger o presidente.” Quando a ministra da Agricultura disse que os juros para a produção agrícola eram de 9%, Paulo Guedes então dissertou sobre a natureza do Banco do Brasil — nem tatu nem cobra — e seu destino: “Tem que vender essa porra.”
Apesar da retórica crua, ele nunca encontrou apoio do presidente. Bolsonaro prometeu para depois da reeleição. “Em 2023.” Mas a verdade é que ele não deixou Guedes avançar na agenda liberal. E naquela fala o ministro mostrou que tem uma preocupante visão dos bancos estatais:
— O senhor já notou que o BNDE e a Caixa são nossos, públicos, a gente faz o que quer.
Não faz não. Foi isso que quebrou a Caixa em outros governos. Mas a Caixa tem sido tratada como parte do aparato bolsonarista. Para exibir sua sabujice, Pedro Guimarães prometeu tomar um litro de cloroquina, disse que tinha 15 armas e chamou home office de “frescurada”. Soltou vários palavrões, à moda do chefe. E superou o “nunca antes”, do lulismo, disse que o auxílio emergencial — que é temporário e provocou o tormento das enormes filas — é “o maior programa de inclusão de pessoas da história da humanidade”.
Rubem Novaes disse que falaria como “pessoa que olha os números” e mostrou que confunde oscilação com tendência:
— O tal pico, o tal famoso pico, que gerava tantas preocupações, a minha sensação é de que esse pico já passou.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, defendeu algumas ideias sensatas, mas desafinou quando disse que “a mídia joga medo”, e por isso “a classe mais alta tem mais medo do que a classe baixa, porque tem mais acesso à informação, e informação enviesada”. Se o projeto era um Banco Central independente, na atual gestão ele está perdendo a independência que tinha.
A visão de conjunto da reunião desmonta a ilusão de uma equipe econômica técnica. Ela é política, perdeu seu foco, não tem projeto. Guedes chegou a dizer que “o alerta aí do Weintraub é válido”. Explicou que falava dos “valores”. Que valores?
Nenhum comentário:
Postar um comentário