O GLOBO - 26/05
Afirmações gravadas no vídeo da reunião ministerial requerem esclarecimentos do presidente
Do execrável conjunto da obra exposta pelo vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, liberado pelo ministro do STF Celso de Mello, há muitas cenas que falam por si, e outras que merecem mais atenção e alertas pelas graves implicações para a estabilidade e a paz no país. Bolsonaro sempre defendeu a liberalização de armas e colocou o tema em destaque na sua campanha. Não engana ninguém, portanto, quando trabalha para cumprir sua promessa.
Se seguisse os devidos trâmites para despejar mais armas e munições nas ruas e residências, os embates em torno de sua plataforma armamentista ocorreriam normalmente no Legislativo, e os conflitos seriam mediados na Justiça. Mas Bolsonaro não deixa mais dúvidas de que deseja desmantelar os freios e contrapesos necessários para conter excessos de cada um dos Poderes, sendo que o Executivo brasileiro já é muito forte. Com um presidente ideologicamente espaçoso, vive-se em tensão, no limite de crises institucionais.
Na questão das armas, o Congresso já teve de conter Bolsonaro por baixar decretos presidenciais que ilegalmente alteravam o Estatuto do Desarmamento — uma lei aprovada pelo Congresso —, ato digno de ditaduras. Foi forçado, então, a enviar projetos ao Congresso. Incontido, porém, o presidente determinou ao Exército que revogasse portarias que obrigavam a adoção de normas para facilitar o rastreamento de armas e munições, a fim de permitir sua identificação: origem, proprietário etc. Sem isso, a elucidação de crimes cometidos com armas de fogo ficará muito mais difícil ou impossível.
No vídeo ele aparece gritando o jargão: “povo armado jamais será escravizado!”. Mas não revelou quem são os agentes da escravidão que tirariam a liberdade dos brasileiros, ameaça também vista pelo “militante” Abraham Weintraub, ministro da Educação. Bolsonaro, no entanto, fez uma referência nada sutil à possibilidade de reações armadas contra decisões de prefeitos e governadores com as quais não se concorde.
Significa, então, que o presidente imagina que seria cabível romper as medidas de isolamento social, às quais se opõe, com arma na mão. Ele próprio se viu indo à rua com dedo no gatilho para lutar contra a intenção “de um bosta de um prefeito” que por decreto obrigue que as pessoas fiquem em casa. Bolsonaro defenderia insurreições armadas quando os tais freios e contrapesos barrassem a sua vontade e a do seu grupo dentro dos espaços da Constituição. Isso se chama golpe.
Pode ser que o Planalto alegue que o presidente estava em um momento particularmente agitado, e não poderia imaginar que aqueles arroubos, não apenas dele, seriam divulgados.
Ainda assim é inaceitável que a plataforma armamentista do governo possa esconder projetos aventureiros, irresponsáveis, de tentativas de desestabilização da ordem constituída, que jogaria o Brasil de volta ao passado distante, em prejuízo de várias gerações.
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