As coisas sempre podem piorar. Ouvimos ontem o silêncio vexaminoso de Regina Duarte, secretária da Cultura, diante das mortes de Aldir Blanc e Flávio Migliaccio. Não só. Foram antes Moraes Moreira, Rubem Fonseca, Luiz Alfredo Garcia Roza, Ricardo Brennand, Naomi Munakata, Martinho Lutero Galati, Daniel Azulay... Para a departamento comandado por aquela senhora, é como se nunca tivessem existido. Sob a sua gestão, nada vai nascer. E os que morrem, se dependessem do apreço oficial, desapareceriam na poeira do tempo.
Regina fazia parte da memória da TV Brasileira — e um tanto do teatro. Faz ainda, claro! Mas sua biografia está sendo corroída pela inação, pela covardia, pelo endosso àquilo que o poder de turno pode produzir de mais estúpido, obscurantista e reacionário. Erraram os poucos que apostaram que seria melhor uma Regina lá do que um doido bolsonarista qualquer. Pela simples e boa razão de que a ex-atriz é uma doida bolsonarista qualquer. A fama que conquistou na TV só serve para maquiar a sua adesão à estupidez.
Pois é... Vejam quem foi renomeado — acreditem! — para a Funarte: Dante Henrique Mantovani. É aquele rapaz que tinha sido demitido pela própria Regina. Ele volta a comandar Funarte (Fundação Nacional de Artes), que responde pelas políticas de fomento às artes visuais, à música, ao teatro, à dança e ao circo.
O rapaz tem algumas ideias muito próprias a respeito do mundo da cultura. Além de ser um fanático do terraplanismo, é capaz de estabelecer conexões que costumam escapar aos mortais comuns, o que não é o seu caso, claro... Segundo o valente, "o rock ativa a droga, que ativa o sexo, que ativa a indústria do aborto. A indústria do aborto, por sua vez, alimenta uma coisa muito mais pesada, que é o satanismo. O próprio John Lennon disse abertamente, mais de uma vez, que ele fez um pacto com o diabo, com o satanás, para ter fama, sucesso".
Para arrumar um emprego, Mantovani só precisou fazer um pacto com o bolsonarismo. Cada um com o seu tamanho.
A secretária se negou a comentar a nomeação de quem ela já havia demitido. Sua assessoria afirmou que a indicação de nomes cabe ao Ministério do Turismo. Entenderam? A secretária de Cultura não responde pela nomeação daquele que vai ocupar um dos postos mais importantes da sua área. Essa é a "carta branca" que ela disse, no dia da posse, ter recebido de seu chefe. Não sobrou nem o pum do palhaço.
Bolsonaro teve de entregar a gestão do governo, economia à parte (por enquanto), aos militares. Nacos da administração vão parar no bolso da banda podre do Centrão — que também foi atacado na manifestação de domingo. É o preço para tentar evitar o impeachment.
Tudo indica que, para manter a sua militância acesa, haverá um recrudescimento do reacionarismo de matriz e matiz olavistas (Mantovani é um dos "alunos" de Olavo de Carvalho) nas áreas do governo que lidam com valores culturais, morais, ideológicos e estéticos. Podem esperar para breve novas barbaridades de Damares Alves. É uma aposta!
Na semana passada, às portas do Palácio da Alvorada, Bolsonaro endossou críticas que seus extremistas fazem ao "não trabalho" da Regina. Afirmou:
"Infelizmente, a Regina está em São Paulo. Está trabalhando pela Internet ali. E eu quero que ela esteja mais próxima. É uma excelente pessoa, um bom quadro. É também uma secretaria que era ministério. Muita gente de esquerda pregando ideologia de gênero. Essas coisas todas é que a sociedade, a massa da população, não admite. Ela tem dificuldade nesse sentido".
Não dá para saber exatamente o que Bolsonaro espera dela, mas a gente pode presumir.
Eis aí. O terraplanista que caça roqueiros, satanistas e abortistas está de volta à Funarte.
Sempre pode piorar.
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