FOLHA DE SP - 05/05
Dano à imagem global do Brasil se agrava com a gestão da pandemia por Bolsonaro
No auge de uma hoje pitoresca Guerra da Lagosta, rinha diplomática travada entre brasileiros e franceses em torno da pesca do crustáceo em 1963, espalhou-se que Charles de Gaulle havia dito que “o Brasil não é um país sério”.
O mítico presidente francês nunca proferira a frase, assumida anos depois como um comentário privado do então embaixador brasileiro em Paris, Carlos Alves de Souza.
Ela ficou, contudo, no imaginário popular e na crônica política como prova de como somos malvistos por povos ditos mais civilizados.
Os anos se passaram e a relativa estabilidade institucional adquirida após a redemocratização, acompanhada pela maior racionalidade no trato da economia, pareciam ter colocado o Brasil em um clube de nações que, se não exprimem o que há de melhor em termos civilizatórios, se esforçam para tanto.
Até aqui, ao menos. Após passar um ano sendo alvo de críticas no exterior, ora por suas paixões autoritárias, ora pelo trato da Amazônia, Jair Bolsonaro virou o pária da vez —e levou consigo o país— devido à sua política errática de combate à pandemia.
Primeiro foi a imprensa, que o identificou junto ao punhado de líderes que preferiram minimizar o Sars-CoV-2, gente do quilate do autocrata bielo-russo Aleksandr Lukachenko —aquele que receita vodca e sauna contra o vírus.
Aos poucos, a percepção negativa se consolida entre chefes de Estado mundo afora, a começar pelos vizinhos regionais.
O argentino Alberto Fernandéz disse que não vê seriedade nas ações brasileiras. O mesmo foi relatado nos governos de Uruguai, Paraguai e Bolívia, todos preocupados com a extensa e porosa faixa de fronteira com o Brasil.
A China, ofendida pelas críticas à sua condução da crise feitas por Eduardo Bolsonaro e Abraham Weintraub, subirá o preço de negociações daqui para a frente. Outro golpe recente veio do ídolo de Bolsonaro, o presidente norte-americano Donald Trump.
Desde a semana passada, ele citou o problema da pandemia no Brasil em três ocasiões, cogitando até vetar voos do país aos EUA. Só sobrou um elogio genérico ao esforço de Bolsonaro, de resto numa cruzada semelhante à de Trump, para reabrir a economia apesar da tragédia imposta pela Covid-19.
Se já não gozava de muito respeito externo, Bolsonaro vai precisar fazer mais do que posar com bandeiras americana e israelense em atos antidemocráticos para tentar recuperar a imagem do país.
Não é detalhe. O impacto da falta de seriedade se espraia da diplomacia para a economia, com potenciais danos a investimentos futuros e perda de densidade em negociações políticas e comerciais.
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