O país deve cuidar da saúde e da economia, o que requer ciência e negociação de conflitos
A semana passada revelou, mais uma vez, o descontrole do governo. A Câmara deliberava sobre a proposta de auxílio aos estados e municípios quando ocorreu o inesperado.
A contrapartida pedida pela equipe econômica, e negociada com o Congresso, de não reajustar os salários de muitas categorias de servidores por 18 meses, foi parcialmente derrotada com o apoio do líder do governo.
Ele foi ao palanque e esclareceu que orientara a bancada afrouxar a medida por instrução do presidente, na contramão do que defendia o ministro da Economia. “Eu sou líder do governo, não de qualquer ministério”, esclareceu.
O presidente parece saber pouco do que fazem seus assessores ou da complexidade dos problemas. Para piorar, o capitão reformado se apega às frases de efeito descabidas que talvez tenha ouvido de alguém de passagem e as repete em público como se fossem verdades.
“Querem taxar o sol”, afirmou a respeito de uma discussão sobre a revisão dos subsídios para o setor elétrico.
Há quase um ano, prometeu, com seu linguajar usual, “um projeto que, com todo o respeito ao Paulo Guedes, a previsão de nós termos dinheiro em caixa é maior do que a reforma da Previdência em 10 anos”. Até hoje o país espera saber que medida seria essa.
A sucessão de disparates parece não ter fim. Refém de uma polarização de botequim entre economia e saúde, o governo consegue descuidar de ambas. Caminhamos para ser um dos países que mais vão sofrer com a pandemia.
Será que, em privado, ninguém lhe diz ser constrangedor um presidente saber tão pouco do que fala, incluindo as principais negociações conduzidas pelos seus mais importantes auxiliares? Que as decisões do Executivo requerem técnica e política para enfrentar dilemas difíceis?
O governo, contaminado pelo despreparo do presidente, aparenta acreditar que a política pública se resume a frases de efeito para animar a torcida. Gestão, planejamento, a análise cuidadosa das medidas, incluindo seus possíveis efeitos colaterais, e os detalhes da implementação parecem temas estranhos à atual administração.
A descoordenação prejudica a economia. Parte do governo parece refém de interesses corporativistas. Parte parece defender que a saída da crise seria retomar uma agenda de investimentos liderada pelo setor público. Pelo visto, nada aprenderam com o fracasso dos governos Geisel e Dilma.
Há trabalho de verdade a ser feito. O país deve cuidar da saúde e da economia, o que requer ciência e negociação de conflitos. Apenas distribuir recursos destrambelhadamente pode resultar em fracasso nas duas frentes, além de iniciar uma trajetória insustentável da dívida pública.
Marcos Lisboa
Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.
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