Ação contra porões bolsonaristas serve para aferir ação do Planalto na Polícia e na Procuradoria-Geral
Deve ser por mera coincidência que ontem, no dia seguinte ao da operação lançada pela Polícia Federal contra o governador fluminense Wilson Witzel e a primeira-dama do estado, Helena, entre outros, em investigações sobre corrupção nos gastos do governo para o enfrentamento da Covid-19, também agentes da PF tenham ido às ruas para cumprir mandados de busca e apreensão no inquérito sobre a ação subterrânea de bolsonaristas na produção de fake news contra adversários políticos e a favor da volta da ditadura militar, com todos os conhecidos e tenebrosos desdobramentos.
Na primeira, o Planalto comemorou; na segunda operação, houve mal-estar palaciano, cara amarrada de presidente e sintomáticas reações negativas de personagens como Carlos Bolsonaro, o filho vereador, ligado, diz-se, a esses porões onde se abrigaria o “gabinete do ódio”, instalado no próprio Planalto e no qual seriam engatilhados arsenais de fake news.
Este inquérito, na verdade, teve um início polêmico: foi instaurado por decisão do presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, sem ouvir o Ministério Público, nomeando Moraes para presidi-lo. As investigações foram justificadas pela necessidade de se descobrir a origem de calúnias, injúrias e difamações de ministros e da Corte espalhadas em redes sociais, e dos financiadores da operação. É caro espalhar mentiras. Houve críticas à iniciativa de Toffoli entre os próprios ministros. E quando o inquérito serviu para censurar a revista digital “Crusoé”, um ato, este sim, contra a Constituição, as críticas aumentaram.
Mas o bolsonarismo com sua tendência congênita ao golpismo e à ilegalidade deu relevância ao inquérito, que passou a se constituir a única ação efetiva de um organismo de Estado para conter o avanço agressivo de Bolsonaro e sua horda contra as instituições republicanas. Isso, enquanto o Congresso, ainda em sessões remotas, continua afetado pelo estado semicomatoso que acometeu a oposição desde a sua derrota para o bolsonarismo em 2018.
A preocupação de Bolsonaro com este inquérito está registrada no celular do ex-ministro Sergio Moro, para quem transmitiu um tuíte reclamando da PF por estar em cima de deputados bolsonaristas. Era argumento para a demissão de Maurício Valeixo da direção geral da corporação. Moro lhe explicou que nada poderia fazer. Que reclamasse com Moraes.
Os primeiros alvos do inquérito, revelados ontem, são promissores. Os 29 mandados de busca e apreensão expedidos para Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Paraná e Santa Catarina, foram dirigidos a ativistas em geral, deputados do PSL, pelo menos um blogueiro, mas atingiu nomes conhecidos. Como a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) e o ex-presidiário e mensaleiro Roberto Jefferson, do PTB, novo aliado de Bolsonaro, nesta aproximação presidencial com o centrão. Um destaque da operação é ter alcançado os empresários Luciano Hang, bolsonarista de primeira hora, Edgard Corona, dono de academias, e o investidor Otávio Oscar Fakhoury. Sempre dá certo seguir o rastro do dinheiro que flui nas organizações criminosas.
A operação de ontem serve para medir o alcance da suposta influência de Bolsonaro na PF. Assim como na Procuradoria-Geral da República, ocupada por Augusto Aras, escolhido cuidadosamente pelo presidente. A procuradora Raquel Dodge, antecessora de Aras, foi contra este inquérito. Aras, que nunca se pronunciara contra ele, ontem sintomaticamente pediu seu arquivamento ao Supremo. Denunciou a pressão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário