Com a pandemia em alta e a economia em baixa, Jair Bolsonaro procura uma briga. Rendido ao centrão, imagina-se protegido no Legislativo. Cultiva, então, um conflito institucional com o Supremo Tribunal Federal.
A cólera do presidente foi atiçada pelos 29 mandados de busca e apreensão expedidos por Alexandre de Moraes, do Supremo, contra parlamentares, ativistas e empresários bolsonaristas. São acusados de difundir notícias falsas.
Bolsonaro se diz "convencido" de que um pedaço do Supremo deseja derrubá-lo. Xinga Moraes e seu colega Celso de Mello, relator do inquérito sobre a intervenção política do presidente na Polícia Federal.
O presidente avalia que falta combustível às togas para prejudicá-lo. Para provar que está certo, ameaça riscar um palito de fósforo dentro de um tanque de gasolina.
Pintado para a guerra, Bolsonaro convocou ministros ao Planalto. Expôs sua intenção beligerante. Discutiu providências que podem ser adotadas para "colocar o Supremo no seu devido lugar".
Bolsonaro mencionou, por exemplo, a hipótese de nomear novamente para a direção-geral da Polícia Federal o delegado Alexandre Ramagem, o amigo dos seus filhos cuja posse foi vetada por Moraes.
Encomendou um habeas corpus para impedir que Abraham Weintraub seja interrogado no inquérito tocado por Moraes. O ministro da Educação enroscou-se por dizer que prenderia os "vagabundos do STF" se pudesse.
Preparado pelo ministro André Mendonça (Justiça), o habeas corpus foi protocolado no Supremo ainda na noite de quarta-feira. Além de tentar blindar Weintraub, o governo pede o trancamento da ação. O pedido será indeferido.
No Supremo, a azáfama que marcou a reação de Bolsonaro foi vista como evidência de que a investigação conduzida por Moraes acertou o coração da máquina de moer reputações que opera a favor de Bolsonaro nas redes sociais.
"O presidente vestiu a carapuça do gabinete do ódio", disse um ministro do Supremo. Embora Bolsonaro e seus filhos não constassem do rol de pessoas que receberam a visita dos rapazes da Polícia Federal, reagiram como se intuíssem o que está por vir.
A inquietação de Bolsonaro com o inquérito sobre fake news está registrada no celular de Sergio Moro. Ainda na pele de ministro da Justiça, Moro recebeu pelo WhatsApp notícia sobre o envolvimento de parlamentares bolsonaristas no caso.
"Mais uma razão para trocar" o diretor-geral da PF, escreveu Bolsonaro para Moro, forçando-o a explicar que as diligências eram determinadas por Alexandre de Moraes, não pela PF.
Dois detalhes tiraram Bolsonaro do sério:
1) Moraes determinou a quebra dos sigilos bancário e fiscal de empresários que podem ter financiado a rede de notícias falsas do bolsonarismo.
2) O ministro atrasou o relógio da quebra dos segredos fiscais e bancários até julho de 2018.
Para Bolsonaro, Moraes recua a 2018 apenas para encostar o "inquérito ilegal" do Supremo na sua campanha presidencial. O tema das fake news está no miolo de pedidos de cassação protocolados no Tribunal Superior Eleitoral contra a chapa vitoriosa. Se necessário, um tribunal pode compartilhar dados com o outro.
A incontinência da retórica de Bolsonaro deve eletrificar ainda mais a conjuntura nas próximas horas. Em privado, as ofensas que o capitão dirige aos ministros do Supremo, especialmente Moraes, transformam o linguajar rasteiro da reunião ministerial de 22 de abril numa conversa de jardim de infância.
Bolsonaro trata o inquérito sobre notícias falsas como um atentado à liberdade de expressão. Na noite passada, fustigado por apoiadores que exigiam uma manifestação do "mito", ele escreveu nas redes sociais:
"Ver cidadãos de bem terem seus lares invadidos, por exercerem seu direito à liberdade de expressão, é um sinal que algo de muito grave está acontecendo com nossa democracia." Bolsonaro também escreveu que está empenhado em fazer valer "o direito à livre expressão."
Ecoando seus devotos, Bolsonaro reproduziu nas redes sociais imagens de Alexandre de Moraes votando a favor da liberdade de expressão num julgamento sobre o direito dos humoristas de escarnecer de postulantes a cargos eletivos.
Humor não tem nada a ver com notícia falsa. Mas Bolsonaro não está preocupado com a lógica. Joga na confusão.
A disposição do presidente para a briga parece inesgotável. O problema é que governos que sobrevivem apenas de briga não resolvem problemas reais. Problemas como a escalada da pandemia e a queda livre da economia, por exemplo.
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