Indústria cai mais que previsto; ritmo ainda forte da epidemia trava mais o PIB
Aos poucos, as notícias da epidemia caem pelas tabelas. São substituídas pelo conta-gotas dos vazamentos do "caso Moro", pelas ameaças semanais de golpe presidencial e pelas evidências diárias de tutela militar. Sim, tutela, pois os generais soltam comunicados em que pressupõem seu poder moderador e afirmam em público e oficialmente o que entendem ser a justa medida das relações entre Executivo, Legislativo e Judiciário.
Parece até que a epidemia se tornou uma rotina inevitável de morte e destruição econômica. Foi para escanteio o debate das medidas extras para atenuar a crise. Foi para a lateral a conversa sobre a necessidade de mais UTIs, ventiladores, testes.
A economia afunda? Quanto? Não se sabe bem, e pouca gente parece querer saber. Em março, a produção da indústria caiu mais de 9% ante fevereiro. A estimativa média era de queda de uns 4%. Parece faltar informação sobre o tamanho da desgraça e, portanto, medida razoável da reação necessária para atenuá-la.
Abril deve ter sido pior na indústria, pois foi um mês inteiro de paradão da pandemia. Projeção preliminar de economistas do Bradesco indica uma baixa de outros 6%, sobre março. Despiora? Ressalte-se: é queda sobre queda, cava-se dentro de um buraco.
Os serviços são um setor muito maior na economia; pode ser que uma despiora salve abril de um desastre geral maior. Mas não sabemos.
Os economistas do departamento de pesquisa macroeconômica do Bradesco também fizeram um primeiro exercício sobre o que pode ser a queda da renda em meses de epidemia. Isto é, o que dá a soma dos rendimentos totais do trabalho, dos benefícios sociais habituais e os benefícios sociais específicos para os tempos de epidemia?
No exercício, é considerada a massa mensal dos rendimentos do trabalho (soma de todos os "salários"). Supõe-se que o rendimento médio dos trabalhadores formais caia 25%; o dos informais, 50%. Haverá compensação parcial dessa perda, com seguro-desemprego extra e o auxílio emergencial para os informais. Os benefícios sociais rotineiros continuam na mesma.
A perda total de massa de rendimentos seria então de pouco mais de 8% por mês, neste exercício ainda muito preliminar e pouco balizado por dados reais de salários, que tão cedo não vão existir, aliás. Caso essa situação se estendesse para o ano todo, o consumo das famílias cairia quase 6%. O PIB, mais de 6%.
Não é o cenário desses economistas, que ora preveem queda de 4%, pois imagina-se alguma recuperação na segunda metade do ano.
A gente só pode imaginar, porém. O ritmo da economia depende também do ritmo da epidemia, com ou sem isolamento social. Faz mais de dez dias que há dúvidas sobre o ritmo do espalhamento da doença e suas mortes. Não sabemos desde fins de abril se o ritmo da doença parou de fato de desacelerar (se a taxa de crescimento de mortes está caindo).
Caso a epidemia não desacelere de modo relevante, medidas de isolamento e o medo recessivo da doença vão durar por mais tempo: mais mortes por mais tempo, mais meses desespero nos hospitais, mais medo nas ruas e nos negócios, mais dificuldade de retomada de alguma vida normal. Mais do que a pior da história conhecida, a recessão seria convulsiva.
Como se diz faz dois meses, a desaceleração da epidemia depende de isolamento e outras políticas de contenção do espraiamento da doença, para qual não há plano do governo federal, que sabota de resto as medidas regionais e locais mais sensatas. Pouca gente ainda parece ligar.
Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).
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