Temor da equipe econômica é que o resultado das ações emergenciais do Executivo desemboque em maior participação do Estado na economia
Há uma forte inquietação na área econômica do governo em busca de um horizonte de definições para o pós-pandemia da covid-19. O temor é que o resultado das ações emergenciais do Executivo desemboque em uma maior participação do Estado na economia, exatamente o contrário da proposta que venceu as eleições de 2018, de redução do papel do Estado na atividade econômica, sintetizada no slogan “Mais Brasil, menos Brasília”, adotado como lema pelo ministro Paulo Guedes, da Economia.
Uma das medidas temporárias que podem se tornar permanentes, na avaliação de técnicos oficiais, é a do auxílio emergencial de R$ 600 para os trabalhadores informais. Concebida para durar apenas três meses, será muito difícil extingui-la sem colocar nada no lugar, segundo essa visão. Trata-se de um benefício que tem tudo para se transformar em um amplo programa de renda mínima, em detrimento de gastos indiretos em projetos sociais.
O problema é o tamanho dessa despesa: o seu custo final caminha para a casa dos R$ 150 bilhões, envolvendo uma parcela gigantesca da população - mais de 79 milhões de brasileiros, segundo prognósticos da Instituição Fiscal Independente (IFI). São os trabalhadores informais, autônomos, microempreendedores individuais (MEI).
Mesmo diante de resistências iniciais, o governo sabe que não será simples suspender a ajuda a essa parcela da população até então invisível.
Um programa estratégico de saída da pandemia, em que o Estado não ampliaria a sua presença na economia, deve aprofundar a agenda liberal, na ótica da equipe econômica. Mas é importante notar que essa alternativa tem pouca aderência às demandas que a elite política propaga em nome do povo.
Uma das medidas defendidas por alguns assessores do governo pressupõe “desencantar” de vez a reforma tributária não para aumentar impostos, mas para reduzi-los como uma iniciativa que poderia dar um choque de produtividade na economia. Os primeiros candidatos a desaparecer, neste caso, seriam os impostos sobre a folha de salários das empresas.
A situação econômica é muito grave e, até o momento, o que há é uma disputa por hegemonia dentro do governo. De um lado estão os que, no Palácio do Planalto, advogam a participação do Estado de maneira quase que inesgotável - como se não houvesse limitações para a ampliação do gasto público - na geração de investimentos e empregos. E de outro lado, há o grupo de economistas do governo, liderado por Paulo Guedes, que pretende retomar a pauta mais liberal como saída estratégica da pandemia. Trata-se, aqui, da velha disputa entre desenvolvimentistas e ortodoxos, cuja história do país é marcada por fracassos da visão dominante pró-gasto público.
Ao Estado resta, por enquanto, o caminho do aumento do endividamento rumo aos 90% do Produto Interno Bruto (PIB), assumindo uma trajetória insustentável cujo desfecho pode ser a dominância fiscal, tão temida pelos seus efeitos nefastos e cujo golpe final seria um “calote” na dívida interna.
Foi essa a gênese do embate travado entre os ministros da Economia e Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional. Marinho estimulou o ministro-chefe da Casa Civil, Braga Netto, a abraçar a ideia de um programa de investimentos ao melhor estilo do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) concebido no governo Dilma Rousseff. Seria o Pró-Brasil, um plano de investimentos públicos de R$ 184 bilhões por um período de quatro anos, envolvendo projetos de infraestrutura.
Guedes referiu-se a Marinho como um aliado da “gastança” e qualificou o ato do ministro, que chegou ao cargo por indicação do titular da pasta da Economia, de “desleal”. Amigos de Guedes consideraram a atitude de Marinho oportunista. “Ele furou a fila”, indo diretamente ao chefe da Casa Civil vender uma ideia que deveria ter sido submetida, originalmente, a Guedes, que é o guardião da chave do cofre.
O certo, porém, é que a ideia de um PAC subsiste no governo, juntamente com a de uma boa encorpada do Minha Casa, Minha Vida (MCMV), programa de habitação popular sob a gerência de Marinho.
Foi, porém, na votação da proposta de socorro financeiro aos Estados e municípios, na quarta-feira, na Câmara e no Senado, que se assistiu ao ensaio geral do que ocorre no centro da disputa pelo parco dinheiro público em nome do combate à covid-19.
O Executivo havia proposto que os salários do funcionalismo público da União, dos Estados e dos municípios ficassem congelados até dezembro de 2021, representando uma economia de R$ 130 bilhões. Esse seria o preço a pagar pela crise do coronavírus. No setor privado, boa parte dos trabalhadores teve redução de salários em troca de uma temporária estabilidade no emprego. No setor público, a estabilidade é um direito adquirido.
Durante a tramitação do projeto os parlamentares começaram a excepcionalizar o alcance do congelamento de salários. No texto aprovado pelo Senado os salários ficarão congelados até o fim do próximo ano, exceto para os profissionais das áreas de segurança, saúde e educação dos três entes da federação (União, Estados e municípios) diretamente envolvidos no combate à covid-19. São exatamente essas as áreas onde a folha de salários mais pesa nos cofres dos Estados e municípios.
“Arrombaram a porteira”, comentou um qualificado funcionário do ministério da Economia, tão logo foi encerrada a votação, na noite de quarta-feira. O mais grave é que esse duro golpe desferido em Guedes teve a aprovação prévia do presidente da República, conforme explicou o líder do governo na Câmara, deputado Vitor Hugo (PSL-GO), ao encaminhar a votação. Bolsonaro é sensível às pressões das corporações. Mas depois de aprovado e de ouvir Guedes, Bolsonaro disse ontem que pode vetar a parte da proposta que excepcionaliza o congelamento dos vencimentos do funcionalismo. E, mais uma vez, ele garantiu que quem manda na economia é o ministro Paulo Guedes.
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