Folha de S. Paulo - 08/04
Um dia, seus poucos membros profissionais se envergonharão de ter participado dele
Jair Bolsonaro foi educado em quartéis. Como não se conhecem trabalhos de sua autoria sobre história do Brasil, matemática e balística, disciplinas de interesse dos militares, o mais perto que desempenhou de uma atividade científica pode ter sido esfregar cavalos. Isso não o impediu de, como presidente da República, dar palpite sobre o coronavírus, minimizando-o ("Uma gripezinha! Um resfriadinho!"), estimulando as pessoas a correr o risco de contraí-lo e jogando com a saúde da população.
A audácia de Bolsonaro ao desafiar a comunidade científica mundial, ofender os já milhares de mortos e tentar esvaziar o seu próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta —que ele só não demitiu na segunda-feira porque foi peitado por gente ainda sã no governo— não tem equivalente nos anais.
Para piorar, seu estilo de governar, arrogante, despótico e indiferente às consequências, tem sido replicado por vários de seus auxiliares, não por coincidência também autorizados a pontificar sobre assuntos além das respectivas solas.
Com sua vocação para a chanchada, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, por exemplo, criou um problema internacional com uma piada em que comparou os chineses ao Cebolinha. A secretária de Cultura, Regina Duarte, postou um vídeo falso em que o ministro da Saúde parecia autorizar o uso da cloroquina como um elixir mágico contra o vírus —o que Regina Duarte tem a ver com saúde? Em que ciência se basearam tantos ministros para pregar que só os maiores de 60 anos devem se confinar? E, nesse caso, quem autorizou o general Augusto Heleno, macróbio e portador do vírus, a desafiar as autoridades sanitárias e quebrar a quarentena que milhões de brasileiros prudentes estão cumprindo?
É um governo basicamente de amadores. Por isso essas pessoas foram escolhidas para integrá-lo. As exceções um dia se envergonharão de ter participado dele.
Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.
Nenhum comentário:
Postar um comentário