Um filme de 1936 antecipa a repressão sofrida pelo médico chinês que alertou para a pandemia
Na França de 1860, um médico vai sair para fazer um parto. Limpa a caspa das lapelas com as mãos, pega os instrumentos e, ao jogá-los na maleta, um deles cai ao chão. O médico o recolhe e o atira na maleta. Sua paciente morrerá ao dar à luz, vítima não da "febre do parto", como se dizia, mas dos germes provocados pela falta de higiene no procedimento. Os médicos da época sequer lavavam as mãos para trabalhar.
Assim começa o filme "A História de Louis Pasteur", de 1936, do subestimado William Dieterle, que rendeu a Paul Muni o Oscar pela interpretação de Pasteur. Embora fosse um filme da Warner, especializada em gângsteres, as armas em cena eram os microscópios, não as metralhadoras. A história mostra Pasteur sofrendo dura oposição dos médicos, para quem sua teoria dos micróbios como causa das doenças era um delírio. Eles fazem o governo proibi-lo de pesquisar e só vão lhe dar razão 20 anos depois, quando a França já estava quase dizimada.
Na vida real, Pasteur não foi assim tão perseguido, nem descobriu sozinho a cura para as infecções. Mas essa história antecipa a vivida 160 anos depois por um médico chinês: o dr. Li Wenliang, o primeiro a alertar, a 30 de dezembro último, sobre a iminência de uma epidemia. Wenliang descobrira sete pacientes com sintomas de um novo coronavírus no hospital onde trabalhava, em Wuhan.
As autoridades policiais e médicas da China o acusaram de "propagar boatos" e "perturbar a ordem social" e o obrigaram a se desmentir. Mas, a 12 de janeiro, o próprio Wenliang caiu infectado. Internou-se e morreu três semanas depois. Se seu alerta tivesse sido ouvido no começo, talvez milhares de vidas ainda pudessem ser poupadas.
Hoje, o dr. Li Wenliang é um herói na China. Já os bolsonaros locais --e eles são os mesmos em toda parte--, que negaram a gravidade da denúncia, serão esquecidos, para lástima dos tribunais da humanidade.
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