O GLOBO - 10/04
Unidades de pequeno e médio porte especulam o risco de fechar as portas
A capacidade do sistema de saúde está sendo colocada à prova a cada semana que passa e cresce o número de casos de Covid-19 no país. Estados e municípios têm feito todo o esforço possível para aumentar a estrutura de atendimento da rede pública, que enfrenta o desafio de ter que continuar absorvendo os pacientes de casos usuais, e ter suporte para atender aqueles contaminados pela nova doença. E dentro desse cenário, a rede hospitalar privada tem, na medida do possível, reunido recursos para ajudar o SUS. Diariamente, a imprensa relata novas ações, como pesquisas de medicamentos sendo feitas em hospitais privados, parcerias para abertura de leitos, doação de equipamentos e insumos, entre outras iniciativas.
Contudo, uma parcela relevante da rede privada hospitalar sofre com as consequências que o coronavírus vem provocando. O cenário é tão preocupante que muitos hospitais de pequeno e médio porte especulam o risco de fecharem as portas durante essa crise, pois os gastos dispararam, mas as receitas estão em queda. Houve a necessidade de investir em treinamento, pois o atendimento aos pacientes contaminados exige cuidados diferenciados. Também existe uma incapacidade em diversas unidades de reposição de estoque devido à dificuldade financeira. Os insumos estão sendo utilizados em grande quantidade e a reposição demanda recursos de que muitos não dispõem.
Para piorar, a pandemia tem inflacionado o mercado de insumos hospitalares. Alguns itens chegam a registrar um aumento de mais de 400% no valor do seu preço. Segundo levantamento da Federação Brasileira de Hospitais, há hospitais que compravam, antes do surto da doença, uma caixa com cem luvas por R$ 16,65 e agora compram por R$ 22,50. A unidade de álcool gel, que antes era vendida por R$8,50, agora sai por R$ 24,90. Mas o que mais chama a atenção é o salto no valor de um caixa de máscaras com 150 unidades, que antes era comprada por R$ 5,20 e agora os preços chegam a variar de R$ 40 a R$ 80.
Esses preços estão fora da realidade das unidades de pequeno porte, que não têm escala para negociar valores com os fornecedores e ficam numa situação difícil: ou se endividam para ter os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) ou ficam sem itens básicos para a segurança de seus profissionais e dos próprios pacientes. Por isso, a Federação vem defendendo a criação de uma linha de crédito para essas compras, bem como que haja a autorização excepcional e temporária para a importação de produtos sujeitos à vigilância sanitária sem registro na Anvisa, em especial os que servem ao diagnóstico e tratamento de pacientes crônicos e os que protejam os prestadores de serviços de serviço na área de saúde.
Há também a suspensão de procedimentos eletivos, resultado direto da política de quarentena. Sabemos que a saúde de muitos pacientes depende da realização de exames e cirurgias que têm sido adiadas, situação esta que também afeta diretamente a sustentabilidade de muitos hospitais. Essas unidades estão registrando perda de receita devido à queda no volume desses procedimentos. Há hospitais no Rio em que o volume de procedimentos médicos caiu 90%. No Ceará, a redução chega a 80% e em Goiás metade dos procedimentos foi cancelada. Essa baixa demanda ocorre porque tanto as operadoras de planos de saúde quanto o SUS estão cancelando cirurgias, exames e consultas eletivas. Soma-se a isso a elevação dos custos, forma-se um cenário nada animador para a sustentabilidade dos hospitais.
E o que talvez a sociedade desconheça é que a rede privada vem registrando um achatamento nos últimos dez anos. Quase 67% dos hospitais fechados estão em municípios afastados dos grandes centros. No desafio de se manter sustentável, são os estabelecimentos de pequeno e médio porte que mais enfrentam dificuldades para sobreviver. Prova disso é que eles representam quase 95% do total de fechados.
É imprescindível que o governo esteja aberto a ouvir o que a rede privada vem pleiteando e, principalmente, que tenha a percepção de como o agravamento de uma crise no setor vai provocar impactos direto no atendimento do SUS. No interior, não são raros os hospitais privados que também são a referência de atendimento, inclusive para pacientes da rede pública. O fechamento desses estabelecimentos vai provocar uma sangria no sistema de saúde, que já sofre cronicamente com a falta de leitos. E isso pode acontecer no pior momento possível para o país.
Adelvânio Francisco Morato é presidente da Federação Brasileira de Hospitais
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