Crise abre oportunidades para avançar na direção de um Brasil mais eficiente e equânime
Na emergência sanitária é natural que as atenções se concentrem na saúde. Porém, em algum momento adiante — o mais breve possível, espera-se — a pandemia será vencida pela Ciência. Será, então, a hora da reconstrução, muito provavelmente um divisor de águas na política e na economia. Isso porque o vírus deixou singularmente expostas fragilidades do modelo de desenvolvimento sustentado nas últimas sete décadas, desde a Segunda Guerra Mundial.
No Brasil, o primeiro desafio será equacionar a conta dessa crise. Pelas projeções governamentais apresentadas na semana passada, o rombo nas contas de União, estados e municípios deve somar R$ 500 bilhões ao final deste ano, equivalente a 6% do Produto Interno Bruto. Para comparação, no ano passado foi de R$ 61 bilhões. Não é pouco, mas é necessário, porque o importante é a vida.
Governo, Congresso e Judiciário, deve-se reconhecer, empreendem esforços para mitigar as consequências da pandemia. Ao mesmo tempo, sinalizam preocupação com a transição para a etapa pós-crise. Esse debate ainda é incipiente e está descoordenado, mas é fundamental. Ideias avançam nas reuniões virtuais de bancadas e nas sessões remotas da Câmara e do Senado, a partir do acervo de projetos existentes.
O adiamento da reestruturação das finanças estaduais obedece a essa lógica. Foi, prudentemente, remetida à agenda pós-crise, com as reformas tributária e administrativa.
Caminho inverso adotou-se para a renda mínima. O debate começou nos anos 60, impulsionado pelo economista americano Milton Friedman. No Brasil dos anos 90 ganhou forma legislativa com os então senadores Fernando Henrique Cardoso e Roberto Campos, atualizada depois pelo senador Eduardo Suplicy. A pandemia levou-a à prática, em caráter transitório, mas é tema com o qual Congresso e governo têm encontro marcado depois da crise.
A reconstrução vai exigir nova perspectiva sobre a arbitragem da carga tributária para cidadãos e empresas, estímulo a investimentos e empregos. Será preciso repensar os gastos públicos com reforço de saúde, saneamento, pesquisa, tecnologia e inovação, vitais ao desenvolvimento em segurança. Há vários projetos, também, para modernização do Estado. O foco deve estar na prioridade aos serviços diretos ao público, à redução da burocracia via tecnologia digital, com liquidação de artifícios como supersalários.
O debate sobre o futuro está começando, mas é preciso cautela para não se repetirem erros, já clássicos, como a concentração de recursos na União, de renda dentro do Orçamento público, tributação máxima e serviços mínimos, e concentração da propriedade do capital combinada com amarras ao empreendedorismo. A crise abre oportunidades para avançar na direção de um país mais eficiente na produção e mais equânime na distribuição da riqueza acumulada.
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