As vítimas da retaliação ignóbil de Jair Bolsonaro ao assinar a MP 892/2019 serão pequenos e médios jornais e as populações de suas cidades, que deixarão de ter poderosas fontes de informação
O presidente Jair Bolsonaro não poderia ter sido mais claro ao revelar o sentimento que o animou a assinar a Medida Provisória (MP) 892/2019, publicada no Diário Oficial da União no dia 5 passado. A medida, que dispensa as empresas de capital aberto de publicarem suas demonstrações financeiras em jornais de grande circulação – bastando a publicação dos balanços no site da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) –, foi a “retribuição” do presidente ao tratamento supostamente hostil que ele diz receber da imprensa desde a campanha eleitoral.
“(Fui eleito) sem televisão, sem tempo de partido, sem recursos, com quase toda a mídia o tempo todo esculachando a gente. (Chamavam-me de) Racista, fascista e seja lá o que for. No dia de ontem, retribuí parte daquilo (com) que grande parte da mídia me atacou”, disse Bolsonaro durante a cerimônia de inauguração de uma fábrica de medicamentos em Itapira (SP).
É importante que se diga de pronto que nada há de errado na propositura de uma alteração do dispositivo da Lei 4.404/1976 – a Lei das Sociedades Anônimas – que determina que a publicação dos balanços das empresas de capital aberto seja feita “no órgão oficial da União ou do Estado ou do Distrito Federal, conforme o lugar onde esteja situada a sede da companhia, e em outro jornal de grande circulação”. Evidente que cabe discutir a pertinência desta exigência legal quase no fim da segunda década do século 21. Há alguns anos, aliás, as próprias empresas de comunicação têm pensado em soluções tecnológicas para continuar levando informação ao público por meios outros que não a impressão em papel.
Entretanto, a MP assinada pelo presidente Bolsonaro, tal como foi concebida, não é uma medida de natureza progressista e liberal. Longe disso. Trata-se de uma agressão frontal à liberdade e à independência da imprensa por meio da constrição abrupta de suas receitas, meta que os ex-presidentes Lula da Silva e Dilma Rousseff sempre ameaçaram alcançar, mas jamais tiveram a ousadia de levar a cabo.
Movido por um misto de ignorância do papel do jornalismo nas sociedades democráticas, inaptidão para o cargo e rancor pela legítima fiscalização do exercício do poder pela imprensa – tomada como um gesto de hostilidade pessoal –, Jair Bolsonaro mira nos grandes veículos de comunicação, como se pôde ver no regozijo irônico com que anunciou a medida, mas acabará por fechar jornais regionais que têm na receita advinda da publicação dos balanços empresariais uma de suas mais importantes fontes de financiamento.
Exatamente por esta razão, o Congresso Nacional teve o cuidado de prever na Lei 13.818/2019, aprovada em abril, um período de transição para o novo modelo de publicação das demonstrações financeiras por meio eletrônico. De acordo com o referido diploma legal, os jornais teriam até o dia 1.° de janeiro de 2022 para se preparar para a mudança. O tempo seria suficiente para que as empresas jornalísticas buscassem fontes alternativas de receita no mercado.
Ao editar a MP 892 apenas três meses após a aprovação de uma lei sancionada por ele, Jair Bolsonaro avilta a Constituição e o Congresso, posto que a medida provisória em questão não preenche os requisitos essenciais de urgência e relevância. O Congresso dará um exemplo de correção e de respeito às liberdades se devolver a MP 892 ao Planalto, impondo a seus signatários um período de reflexão sobre os alicerces e os limites do poder.
O presidente Jair Bolsonaro não tolera a imprensa independente porque não é capaz de controlá-la. Em sua história de 144 anos, não foram poucas as tentativas de calar O Estado de S. Paulo com ações semelhantes às dele. Porém, ao contrário do que pode pensar o presidente da República, os grandes veículos de comunicação não dependem da chamada publicidade oficial. Não irão falir pela ação da caneta presidencial e continuarão a publicar o que for de interesse público. As vítimas da retaliação ignóbil serão pequenos e médios jornais e as populações de suas cidades, que deixarão de ter poderosas fontes de informação e de fortalecimento dos laços comunitários.
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