Com juro negativo em países ricos e riscos geopolíticos, todo cuidado é pouco
A economia americana está oficialmente no mais longo período ininterrupto de crescimento de sua história, com inimagináveis 121 meses consecutivos de expansão do PIB. A Bolsa americana atingiu na segunda-feira (1º) a máxima histórica, com alta de 18% em 2019.
No entanto, as previsões de crescimento para a economia mundial estão cada vez mais fracas, e o comércio internacional está estagnando. Estará o mercado demasiado sereno e complacente? É uma pergunta crítica, pois, quando os EUA e os países desenvolvidos espirram, os países periféricos como o Brasil pegam gripe.
As taxas de juros dos títulos de dez anos emitidos pelos seguintes governos estão negativas: Japão, Alemanha, Suíça e França. Essa anomalia significa que o investidor espera receber após dez anos menos do que investiu. É pior do que guardar o dinheiro debaixo do colchão, onde pelo menos não se perde.
A aberração revela uma perspectiva alarmante quanto à saúde da economia mundial, a riscos geopolíticos ou a eventual espiral deflacionária.
Mais de US$ 12 trilhões em títulos amargam hoje juros negativos. A título de comparação, a dívida líquida total do governo brasileiro, uma das dez maiores do mundo, é de cerca de US$ 1 trilhão.
A Parábola dos Talentos, do Evangelho de Mateus, aponta uma preciosa lição sobre investimentos, juros, risco e empreendedorismo.
Um senhor rico confia sua poupança aos cuidados de três assessores enquanto viajava durante um ano. Os dois primeiros dobraram o investimento ao aplicá-lo em empreendimentos. O terceiro, que enterrou o dinheiro em segurança, foi repreendido. Seu mestre o considerou arruinador de sua poupança, pois, houvera aplicado no banco, auferiria ao menos um rendimento, com menos trabalho. No mundo de hoje, o investidor em títulos com juros negativos mereceria reprimenda ainda mais veemente que a do assessor!
Juros negativos desafiam 5.000 anos de mercado financeiro, que sempre premiou a espera e a postergação do consumo. A poupança tem sido impiedosamente corroída pela inflação no mundo desenvolvido devido aos juros negativos. Estão em xeque a viabilidade dos fundos de pensão e dos sistemas de previdência e a rentabilidade dos bancos.
A intervenção dos bancos centrais por juros cada vez mais baixos força a alta de ativos como ações, imóveis, commodities e os já mencionados títulos de dívida. Afinal, quando se pode tomar empréstimos longos a juros zero, até a compra de bilhetes de loteria se torna atrativa. Mas isso não pode continuar indefinidamente.
Finalmente, há um risco que não me parece bem apreçado: o geopolítico.
O ex-agente da KGB Putin, há 20 anos no poder e que certa vez disse que a dissolução da União Soviética foi o maior desastre do século, continua expansionista.
A Rússia permanece na Ucrânia e está desenvolvendo mísseis de médio alcance, em descumprimento ao tratado com os EUA, que o denunciou.
Já a meteórica ascensão da China intensificou a rivalidade com os EUA, que pode sair do controle. A denominada armadilha de Tucídides sugere que, quando uma nova potência ameaça destronar uma reinante, a guerra é quase sempre o desfecho, como foi o caso na Guerra do Peloponeso, entre
Esparta e a novata Atenas.
A guerra não precisa ser bélica para causar consequências severas nos mercados, como se constata na questão da guerra comercial e nas hostilidades contra a Huawei, líder do 5G. De seu lado, a China desafia o direito internacional ao construir ilhas militares artificiais no mar da China Setentrional.
Todo cuidado é pouco nos investimentos.
Helio Beltrão
Engenheiro com especialização em finanças e MBA na universidade Columbia, é presidente do instituto Mises Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário