Você financiaria o déficit público em troca de taxa de juros zero ou juro negativo?
O investidor brasileiro ficou mal-acostumado, viciado em taxa de juros elevada. Longo período de inflação alta, cultivada com juros nominais elevadíssimos, patrocinou algumas distorções nas expectativas de retorno do investidor.
Ganhos reais de 6% ao ano, em média, acima da inflação, ajudam a justificar a preferência pela renda fixa, instrumentos de dívida, do setor público ou privado, que remuneravam regiamente investidores dispostos a emprestar dinheiro em troca dos generosos juros praticados no passado.
Investir no mercado de capitais, abrir mão de juros tão altos para se tornar acionista de empresas, sem nenhuma garantia de retorno, parecia uma alternativa pouco atraente. E, convenhamos, não é fácil bater o retorno histórico proporcionado pelo mercado de renda fixa no Brasil.
O cenário macroeconômico mudou, e muito. Precisamos aprender a investir com juros menores e também em mercados de maior risco, se o perfil de risco aceitar. E, adicionalmente, reduzir os custos para investir.
A Selic repousa no patamar de 6,50% ao ano, desde abril de 2018. São 15 meses de estabilidade, com tendência de queda, que obrigam o investidor a repensar a alocação de seus ativos.
Muitos reclamam de barriga cheia. Embora o juro nominal esteja na mínima histórica, ainda oferece juro real de cerca de 2,5% ao ano, no curto prazo, e um pouco maior, nos prazos mais longos.
Creio que o investidor brasileiro só sentirá falta desse juro, baixo, porém real, quando perder esse prêmio, como vem acontecendo no Japão há alguns anos e, mais recentemente, em alguns países europeus.
Sabe quanto ganha o investidor que compra um título de dez anos do governo alemão, por exemplo? Juro negativo de 0,4% ao ano! Sim, juro negativo, o investidor alemão paga para o governo guardar o dinheiro dele. Eu disse guardar porque, em não havendo rendimentos, parece inadequado falar investir.
Considerando inflação de 1,6% ao ano, a perda do investidor alemão é de 2% ao ano. Não deixa de ser uma transferência de renda dos mais ricos (dos rentistas, investidores) para os menos favorecidos, já que o governo, ao reduzir o custo da dívida, pode destinar recursos para implementar políticas públicas. Será que algum dia a gente chega lá?
Por aqui, o mercado ainda oferece oportunidades nada desprezíveis. O Tesouro Nacional paga juro real de 2,5% ao ano nos recursos de curtíssimo prazo, com liquidez diária (Letra Financeira do Tesouro).
Nas dívidas mais longas, com vencimento em 2035 e 2045, o juro real sobe para 3,6% ano, remuneração prefixada dos investidores que compram as Notas do Tesouro Nacional, série B, corrigidas pela variação do IPCA.
Sim, já foi melhor, muito melhor. Mas esse é o mercado que temos no momento. Não fique paralisado esperando o mercado voltar. Talvez não volte, talvez caia um pouco mais, aproveite enquanto é tempo.
Juros menores abrem espaço e apetite para o mercado de capitais. Os que tiverem tolerância ao risco podem diversificar suas aplicações investindo em ações, se ainda não o fazem, ou aumentar suas posições em ações, até o percentual aceitável, e desde que o horizonte seja de longo prazo.
Ou não, se o mercado de capitais não for a sua praia, permaneça na renda fixa, ainda generosa. E lembre-se de que esse mercado é constituído por instrumentos de dívida, pública ou privados.
Para ganhar mais, o investidor corre, necessariamente, mais risco de crédito. Avalie se o prêmio compensa o risco e diversifique, sempre.
Marcia Dessen
Planejadora financeira CFP (“Certified Financial Planner”), autora de “Finanças Pessoais: O Que Fazer com Meu Dinheiro”.
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