Quando uma imagem faz sucesso, ela tende a ser repetida ao infinito. A criatividade acaba sendo a vítima mais visível do sistema
É possível viver numa rede social sem curtidas? É isso que os usuários mais jovens do Instagram estão começando a descobrir desde a semana passada, quando a empresa varreu os likes das telas dos smartphones. Quem posta ainda vê quantas curtidas recebeu, mas já não vê quantas receberam os demais. Afinal, o parâmetro é bom para saber se o seu público prefere fotos de gatos ou peixes, mas pode gerar muita angústia em quem vê nas redes um permanente concurso de popularidade, ou seja - praticamente todos que lá estamos.
A medida, anunciada pelo Instagram como um teste, e aplicada com cautela num número reduzido de países, causou comoção, e rendeu até um tuíte do 03, no seu português peculiar, como sempre se achando alvo de perseguição:
"Confere que o Instagram não mostra mais o número de curtidas numa postagem? Empresa privada, ok. Se isso for real saiba que o intuito é barrar o crescimento dos que pensam de forma independente, ou seja, aqueles que estão rompendo o sistema. Quem raciocina sabe o q isso significa."
Na verdade, quem raciocina sabe que, há tempos, o número de curtidas no Instagram passou a ser mais importante do que o conteúdo postado. Qualquer clique bobo de subcelebridade rende mais curtidas em alguns minutos do que todo o trabalho de um usuário esforçado, porém desconhecido, durante anos. É difícil lidar com isso.
Os que estão na internet há mais tempo sabem que nem sempre a vida online foi pautada por likes . No Fotolog, primeira rede social para compartilhamento de fotos, criada em 2002, não existiam curtidas - e, ainda assim (ou talvez por isso mesmo), nunca houve experiência mais divertida para quem de fato gostava de produzir e de ver imagens. O Fotolog tinha uma interface limpa, não tinha anúncios, permitia a postagem de uma foto por dia e limitava o número de comentários. Quem achasse pouco podia virar assinante ("Gold Camera"): com isso, o limite passava para seis fotos diárias, e o espaço para comentários permitia 200 em vez de 20.
Estava mais do que bom, e assim poderia ter continuado para sempre, mas a rede foi vítima do próprio sucesso, e não conseguiu superar nem as dificuldades técnicas que vieram com a explosão do número de usuários, nem o desgosto da turma mais antiga diante das hordas de adolescentes que não postavam nada além de selfies.
Isso foi na época da internet a vapor, bem no momento em que as fotos digitais deixaram de ser feitas em câmeras e passaram a vir de smartphones.
Outros tempos.
Pessoalmente, aprovo a mudança no Instagram. A cultura dos likes, polarizadora em redes de opinião - onde quanto mais radical o pensamento, mais popular - é homogeneizante em redes de forte apelo visual: quando uma imagem faz sucesso, ela tende a ser repetida ao infinito. A criatividade acaba sendo a vítima mais visível do sistema, acima até de egos feridos e frustração geral.
É claro que influenciadores brasileiros já estão dando o seu jeitinho: eles têm fotografado as próprias páginas, e postado para os seus seguidores. Mas aí, além do número de curtidas, o ridículo também fica visível.
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