FOLHA DE SP - 01/06
Grande dilema é como sobreviver e retomar a convergência num ambiente político fragmentado
A União Europeia às vezes age como um poder colonial e imperial. Isso não significa que o maior projeto iluminista do Ocidente fracassou, mas é possível que a União Europeia esteja criando uma versão pós-moderna de um sistema colonial. E os europeus eram (são?) muito bons em gerenciar tal sistema.
A ideologia por trás da União Europeia é irretocável: integração crescente baseada na ideia de que todos os europeus são igualmente importantes. Essa ideologia tem uma expressão pragmática: convergência.
As estruturas políticas europeias foram desenhadas para equalizar o ordenamento jurídico, fiscal, comercial e burocrático, entre outros. Os sistemas de governança locais deveriam, ao longo do tempo, se adequar aos padrões pan-nacionais.
Esse processo ia muito bem até 2007. Ia tão bem que a Espanha chegou a fazer campanhas de marketing na América Latina por trabalhadores. Imigração era o futuro europeu.
E veio a crise financeira. A recessão foi desigual. Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha sofreram mais que a média. Países mais ricos, como Alemanha e Inglaterra, se recuperaram primeiro. E isso no meio da expansão europeia. Seriam os países periféricos, como Romênia, Grécia e Bulgária, as novas colônias?
A crise introduziu algo oposto à natureza do projeto europeu: divergência. A crise grega é o melhor exemplo. A depressão econômica no país, com desemprego chegando a 25%, criou um dilema: o que fazer quando membros vão muito mal? O sistema europeu não estava preparado, nem foi desenhado, para lidar com isso.
No final, jogou-se goela abaixo dos gregos um pacote de ajuda com condicionantes para reformar a economia do país (com seu histórico de governos incompetentes) e garantir a estabilidade da própria União Europeia.
Não deveria ter sido possível uma crise local desse tamanho. Na zona do euro, salários e preços deveriam convergir. Mas a divergência continua. É na crise grega que nasce o novo sistema de governança, com toques coloniais.
Parte do foco passou a ser sobrevivência a todo custo, com a burocracia em Bruxelas enquadrando os países dissidentes. Hoje, o governo que lidera a resistência antieuropeia é a Itália, onde a renda per capita ainda é menor que a de 2007. Nas eleições parlamentares europeias de domingo (26), havia medo de que partidos de extrema direita se tornassem mais proeminentes, o que não ocorreu muito.
Colonialismo pressupõe exploração (de produtos e pessoas), exportação de instituições e subserviência local. A União Europeia foi formada para criar condições de ganhos mútuos, com participação voluntária, mesmo que desigual.
Mas a expansão europeia foi em parte reação à Rússia de Putin e agora aos Estados Unidos de Trump. E há um claro exemplo de imperialismo contemporâneo, embora de um dissidente.
O brexit só aconteceu porque a Inglaterra não podia mais se comportar como metrópole: nós só queremos importar os nativos que considerarmos bem-comportados, nada de colônia querer nos mandar qualquer um.
As políticas europeias para os países que continuam divergindo, ou mesmo dentro dos países centrais, como os “coletes amarelos” na França, não é clara. É para colocar os gregos e italianos no seu lugar? Forçar Bulgária e Hungria a obedecer ao que vem de cima?
Hoje, o grande dilema europeu é como sobreviver e retomar o projeto de convergência num ambiente político muito mais fragmentado. A solução colonial é tentadora, mas errada.
Rodrigo Zeidan
Professor da New York University Shangai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.
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