Mais que economia ou política, a divisa neste momento é a ordem legal
Ou o país se reencontra com o Estado de Direito e com o devido processo legal ou... Bem, eu poderia concluir o raciocínio com o que seria mais óbvio em construções assim: “... ou sobrevém o caos”. Mas vocês podem substituir a desordem pelo atraso permanente. Para os amantes da literatura, lá vai o que já é um clichê: o desastre não precisa ser acompanhado de um estrondo. Pode ser um suspiro.
Este artigo tem como objeto a ordem legal e a responsabilidade que pesa sobre os ombros do Supremo, que terá de ter a coragem de enfrentar o alarido. Mas é preciso fazer uma digressão sobre o que se dá em outros pontos da praça.
Há, como não cansam de advertir os colunistas deste jornal, e das mais diversas tendências, imensos desafios pela frente, a pedir a ação de homens e mulheres que, vistos pelas lentes do futuro, com o devido distanciamento, terão se comportado ou como um misto de heróis e mártires —dispostos, pois, a sacrificar também a sua popularidade se necessário —ou como ogros bisonhos do atraso, mas sob o aplauso de seus radicais. Os indícios não são bons.
Um emblema? Em seis meses de governo, foram editados sete decretos sobre armas, mas não se conseguiu ainda estabelecer um consenso mínimo para incluir os estados na reforma da Previdência. Isso reflete o que o demiurgo saído das urnas entende como prioridade do país. No exterior, damos um recado ressentido aos ricos, certos de que eles querem sequestrar as nossas matas e as nossas solidões: “Vão procurar a sua turma”.
Se vivo, Nelson Rodrigues substituiria o diagnóstico: do “complexo de vira-lata” para o “complexo de pitbull”. Bastou meio ano para que um ativo construído ao longo das três últimas décadas —sermos uma das grandes economias, mas com a maior cobertura vegetal original do planeta— se transformasse em fonte de conflito. E conflito a troco de quê? Ora, de nada! Pelo gosto de arreganhar os dentes e de rosnar.
Faço aqui um merecido afago, ainda que a muitos possa parecer estranho, ao Congresso —aos setores, claro!, que pensam e ponderam, sob a liderança de Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidentes da Câmara e do Senado, respectivamente. São eles que seguram a Bolsa. São eles que seguram o dólar. São eles que seguram o rojão.
Não obstante, nas manifestações de rua —e uma está programada para domingo (30)—, serão alvos da fúria dos cegos de tanta luz, que devotarão o seu ódio também ao Supremo, a quem cumpre resgatar a ordem legal, enquanto adorarão em êxtase o bezerro de ouro. A parte chata dessa alegoria é que não existe um patriarca que está recluso no Monte, a receber as Tábuas da Lei, gravadas pelo próprio Deus.
Não há patriarca nenhum! Ou há: o devido ordenamento legal, que está debaixo de vara desde que amplos setores da sociedade decidiram que o combate à corrupção é um valor absoluto, constituindo-se não só num caminho da redenção moral como também num programa de governo.
Uma frase entrou para a história da crônica política, dita por um assessor do então candidato Bill Clinton à Presidência dos EUA: “É a economia, estúpido!” Queria dizer que o adversário, o Bush pai, deveria ser enfrentado apontando-se as fragilidades do governo nessa área.
Volta e meia, alguém decide contestar o mote com um “É a política, estupido”. Ou por outra: ainda que a economia vá bem, há insatisfações a explorar na área dos valores e das escolhas subjetivas.
Vivemos desastres combinados: na economia e na política —minorados, reitero, pela ação da parcela sã do Congresso. Mas a nós não cumpre dizer nem uma coisa nem outra. A divisa neste momento é outra: “É a ordem legal, estúpido!”
Tirem Lula do caminho para que possamos passar com as instituições. Sim, é provável que o ex-presidente se beneficie com o triunfo da lei, até porque vítima de arbitrariedades escancaradas.
Ocorre que o que se viu até agora e o que se verá —convém se preparar para fortes emoções— apontam para a formação de um Estado paralelo, em que a legalidade depende das vontades, não as vontades da legalidade. E, nesse caso, falamos de um “Poder” (e aqui as aspas são cabíveis) que não se assenta na vontade do povo, mas no seu rancor.
Cumprirá ao STF enfrentar, se necessário, as facções das ruas para fazer valer a Constituição, o que relegará demiurgos, ogros e pitbulls ao rodapé da história.
“É a ordem legal, estúpido”. É no que acredito. Por isso repudio as disrupções. Por isso não sou nem progressista nem reacionário. Por isso sou um conservador.
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