quinta-feira, maio 23, 2019

TEMPESTADE PERFEITA, TALQUEI? — A DEBILIDADE DA ARTICULAÇÃO POLÍTICA DE BOLSONARO - GUILHERME AMADO

REVISTA ÉPOCA

Protestos, inquéritos, recuos: como o capitão eleito para mudar o Brasil conseguiu ter tantas nuvens sobre si em apenas cinco meses de governo?


Na quarta-feira 15 de maio, quem abria os grandes portais de jornalismo do país deparava com o que, em política, costuma-se chamar de tempestade perfeita. As manchetes mostravam as ruas de 160 cidades brasileiras cheias com protestos contra a tesoura na Educação. Também era notícia a quebra de sigilo bancário do enrolado Flávio Bolsonaro. Iniciativas do Ministério Público Federal contra os cortes — contingenciamento, em bolsonarês — e contra o decreto das armas também eram destaque. E, por fim, o quadro era completado por duas informações ruins para o bolso de todo brasileiro: a prévia do PIB do primeiro trimestre do ano indicava uma provável retração e o dólar disparava, deixando o patamar de R$ 4 para trás. Como os aviões, presidentes muitas vezes também caem nessas tempestades perfeitas. E Brasília já farejou isso.

Embora não haja nem fato nem clima político para um impeachment de Jair Bolsonaro, a palavra mais temida por dez entre dez presidentes já circula nas rodas do poder em Brasília. O próprio Bolsonaro a jogou no noticiário, quando, em Dallas, disse que quem protestava contra os cortes queria forçá-lo a pedalar para, depois, pedir sua cabeça. Como o capitão eleito para mudar o Brasil conseguiu ter tantas nuvens sobre si em apenas cinco meses de governo?


“A RESPOSTA ESTÁ NA POLÍTICA — OU NA FALTA DELA. NÃO EXISTE ARTICULAÇÃO NO GOVERNO FEDERAL”

No Planalto, os ministros da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e da Secretaria de Governo, Alberto dos Santos Cruz, e o próprio Bolsonaro — os três que deveriam se encarregar de fazer fluir a relação com o Congresso — não conseguem dar forma a algo que chegue perto do que pode ser chamado de uma base aliada. Os líderes não conseguem convencer nem as bancadas evangélica, ruralista ou da bala, ideologicamente próximas do governo, a ser de fato governistas. Bolsonaro é abertamente atacado por praticamente todos os deputados, insatisfeitos por não conseguirem sequer ser recebidos pelos ministros ou por não conseguirem atender minimamente suas bases. A Esplanada está cheia de causos da falta de destreza política, como o do chefe de um departamento — portanto um cargo de terceiro escalão — que responde a pedidos de audiências com deputados dizendo que só os recebe na frente do ministro.

Outro dia, o deputado federal Coronel Tadeu, do PSL de São Paulo, cansado de não conseguir audiência com Onyx Lorenzoni, foi a Santos Cruz sem agenda marcada, para tentar falar com o ministro. Conseguiu uma brecha e se queixou da dificuldade de parlamentares para serem recebidos no Planalto. Santos Cruz ouviu calado e, no fim, respondeu que a reclamação já foi assunto de reunião de ministros, mas que ele falaria novamente aos colegas que o problema continua. Numa conversa nesta semana na Câmara, Tadeu contou que esta é sua estratégia: chegar a Santos Cruz sem agenda e esperar até ser atendido. “Melhor do que tentar marcar e não conseguir na Casa Civil”, desabafou.

No centrão, o rosário de críticas também ecoa forte. Fausto Pinato (PP-SP) contou que foi chamado para ser vice-líder, mas não aceitou. “Fui convidado várias vezes, mas avisei que, nesse clima sem diálogo, não vou”, disse, dando uma estocada: “Deputado da ‘velha política’ não pode indicar ninguém, mas ex-deputado que o Onyx colocou na Casa Civil ou Olavo de Carvalho e os filhos do presidente podem? Ou pode ou não pode”.

Lorenzoni é um dos mais criticados. Depois de quatro mandatos e sabendo bem as regras do toma lá dá cá que sempre norteou a política brasileira, seus colegas deputados se perguntam se ele está sem poder e engessado ou se apenas se deslumbrou com o discurso da nova política e com a ilusão de que é possível governar sem aderir ao mínimo de diálogo — o que Bolsonaro chamou de “conchavos”, mas que é base da democracia.

No Senado, a senadora Soraya Thronicke (PSL-MS) também apertou Lorenzoni. “Cadê os 120 deputados que você dizia na campanha que estariam alinhados ao Bolsonaro e estariam dispostos a morrer juntos se fosse preciso?”, perguntou a senadora numa conversa com o ministro. No grupo de WhatsApp do PSL, foi além: “Pô, só nós somos aliados 100%? Os outros não têm obrigação nenhuma?”, escreveu, referindo-se ao DEM. Seu colega de bancada, Major Olimpio, de São Paulo e líder do PSL, também está irritado. “Foi um embuste aquilo. Nunca existiu esse número ( de 100 deputados ). A gente fica tomando esses cacetes o tempo todo e cadê esse povo?”, provocou, disparando ainda mais contra Lorenzoni: “Se não quer ajudar a carregar o caixão, pelo menos sai de cima e não faz peso”.

Olimpio também volta as baterias contra a líder Joice Hasselmann. “Não fui eu quem colocou Joice de líder do governo no Congresso.” E sugere que ela aceitou o topa-tudo pela governabilidade. “Se é sinônimo de articulação ceder a tudo que os partidos querem, não topamos.”

O desafio nunca foi fácil, mas é cada mais vez difícil, com a crescente hiperfragmentação da representação política no parlamento. O cientista político Murilo Medeiros, da Universidade de Brasília, analisou a formação das quatro comissões especiais da reforma da Previdência que funcionaram na Câmara durante os quatro governos que tentaram ou conseguiram mexer em algum aspecto do sistema de aposentadorias. No governo FHC, em 1995, havia 11 partidos na comissão. Sob Lula, em 2003, eram 13 siglas. Com Temer, em 2016, havia 22 partidos. A Comissão Especial sob o governo Bolsonaro tem 24. “Aprovar reformas em um sistema presidencialista multipartidário, como é o brasileiro, depende muito da habilidade do governo em arquitetar uma coalizão sólida no Congresso. Depende muito da capacidade de o Executivo repartir poder com o Legislativo”, analisou Medeiros, lembrando que, do contrário, o governo terá de negociar apoio a cada nova rodada de votação com diversos micropartidos, aumentando os custos de coordenação da coalizão e elevando a imprevisibilidade na manutenção dos principais pontos do texto da reforma.

O rompimento de Rodrigo Maia com o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo, foi antecedido de vários dias de tensão numa relação que nunca decolou de verdade. Certo dia, Vitor Hugo tentou entrar na residência oficial da Presidência da Câmara e foi barrado. Deu meia-volta do portão de entrada, sob o olhar de assessores de um deputado da bancada evangélica a quem Maia recebia.

É este governo superunido que tenta encher as ruas de apoiadores no domingo. Querem pelo menos ter mais gente do que havia no 15 de maio, o dia da tempestade perfeita. Se conseguirem, será uma importante demonstração de força para um Planalto combalido. Caso haja menos manifestantes e a sensação for de que Bolsonaro não conseguiu arregimentar apoio nem dos mais radicais, a segunda-feira será de enxaqueca no Palácio do Planalto, talquei?

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