A oclocracia é a versão patológica do poder popular, em contraste com a democracia
O principal risco político no Brasil atual não é o despotismo; é a oclocracia, o regime da turba. Segundo Políbio, que escreveu no século 2 a.C., a oclocracia é a versão patológica do poder popular, em contraste com a versão positiva, a democracia. A degradação da democracia para a oclocracia ocorre quando um agente ou poder político empareda demais poderes políticos com apoio da multidão impulsiva, mobilizada por um discurso simplista.
Após décadas esmagados pela corrupção avassaladora que beneficiou os donos do poder, os brasileiros exigiram uma nova direção. Optaram pela plataforma conservadora-liberal de Jair Bolsonaro, que possui mandato para enfrentar os interesses organizados e a criminalidade, bem como para reduzir drasticamente a intrusão estatal.
O presidente tem avançado com essa agenda, com iniciativas como a PEC 6 da Previdência, a MP 881 da Liberdade Econômica, o pacote anticrime do Moro e o decreto que regulamenta o porte de armas.
Ao longo da história mundial, o poder foi tipicamente centralizado em um pequeno grupo de pessoas, inclusive na monarquia e na democracia representativa. Devido à concentração de poder, sempre havia o risco do descenso ao despotismo. De forma a prevenir a tirania, distribuiu-se o poder político entre certos Poderes institucionalizados (Executivo, Legislativo e Judiciário) e entre os cidadãos (por meio do voto), cada qual dotado de natureza e interesse particulares e esforçando-se para preservar seu próprio espaço contra a tirania dos demais.
Como dizia James Mackintosh sobre o regime de democracia representativa, cada agente político tem interesse em resistir às intrusões dos demais, caso contrário não há liberdade. E cada agente político tem interesse em cooperar com os demais, caso contrário não há governo funcional.
A premissa dessa distribuição de poder é que o exercício do autointeresse de cada poder político, ao controlarem-se mutuamente, melhor protege o cidadão comum tanto de seus governantes como de grupos organizados de seus concidadãos.
O regime de democracia representativa é falho, no entanto, pois o mecanismo de transmissão entre a vontade do cidadão expressa pelo voto e o que decide o Estado é deficiente, e consequentemente os Poderes possuem incentivo em cooperar para espoliar o cidadão. No Brasil, entre o Executivo e o Legislativo sempre faltou controle mútuo e sobrou cooperação simbiótica, em prejuízo da população.
O presidente está desafiando essa lógica de simbiose espúria. Pela primeira vez, os termos são distintos, o que gera atrito e frustração, pois a aprovação pelo Congresso não é mais semiautomática. É preciso negociar com o Congresso como em países desenvolvidos: de forma republicana.
No entanto, a estratégia de aliados do governo é a confrontação com vias a enfraquecer o controle parlamentar. O discurso tem sido a demonização do Congresso e do STF, o antagonismo frontal ao centrão e a convocação da manifestação de 26/5 com o objetivo de repactuar as forças relativas entre os Poderes, por meio desses métodos típicos da oclocracia.
Ocorre que o Brasil é maduro institucionalmente, e compete ao Congresso aprovar ou não as mudanças legais. Ademais, o centrão é composto por cerca de 300 deputados. Essa repactuação oclocrática não prosperará.
Embora não se perceba risco para a reforma da Previdência com potência adequada, o Congresso pode, em reação à ofensiva do Executivo, assumir o protagonismo e lamentavelmente reprovar reformas importantes. Apoio a agenda liberal do presidente Bolsonaro, mas não comparecerei à manifestação oclocrática.
Helio Beltrão
Engenheiro com especialização em finanças e MBA na universidade Columbia, é presidente do instituto Mises Brasil
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