O GLOBO - 06/05
Justificativas místicas são usadas para justificar o consumo, como gastar com uma roupa por estar sob estresse
Muitas pessoas consomem de maneira irracional. Não estamos falando de uma irracionalidade que aparece bastante neste espaço — agir contra os próprios interesses —, mas de outro tipo de falta de razão. Elas compram um imóvel porque acham que tem uma “boa energia”. Tratam objetos como amuletos e consomem avidamente produtos que prometem a cura para a calvície ou emagrecer sem esforço, apesar das evidências científicas em contrário.
Ter esse comportamento não significa que essas pessoas são menos inteligentes ou ingênuas. Diante da alguma incerteza, apelar ao sobrenatural é um ritual comum no dia a dia de grande parcela da humanidade, e isso vale para as decisões de consumo. E, como resultado, muitas vezes gastamos mais do que devíamos, demonstram Yannik St-James, Jay Handelman e Shirley Taylor, todos professores de marketing, em um artigo de 2011.
Quando se trata de consumo — explica o trabalho, publicado no Journal of Consumer Research —, essas justificativas místicas assumem um traço particular. É normal gastar em algo como uma bela taça de sorvete ou aquela roupa cobiçada só porque estamos estressados. O consumo tem um lado terapêutico, mas também pode ser fonte de estresse, principalmente se queremos gastar e não podemos. É aí que muitos recorrem a uma solução mágica.
Para demonstrar, os pesquisadores montaram um estudo com pessoas que tentavam emagrecer. Primeiro eles entrevistaram seis mulheres, entre 37 e 76 anos, sobre seu esforço para perder peso e os produtos que costumam usar. Numa segunda fase, o estudo acompanhou quatro blogs, nos quais as autoras narravam as tentativas de emagrecer. A pesquisa também acompanhou alguns fóruns na internet sobre emagrecimento.
Estar acima do peso ou obeso pode ser bastante estressante, seja pela pressão social, as preocupações com a saúde e os danos à autoestima. Um estudo de 2012, feito pela Nestlé, mostrou que seis em cada dez brasileiras querem emagrecer. Já nos EUA, se gasta US$ 30 bilhões todos os anos com dietas, livros e produtos para emagrecer. Muitos prometem resultados milagrosos que quase nunca se comprovam.
A pesquisa envolveu apenas mulheres por considerar que vivem, segundo os pesquisadores, muito mais do que os homens, sob pressão da “ditadura da magreza”. A ideia era entender como elas manipulam a realidade para lidar com o objetivo, muitas vezes de uma vida inteira, de emagrecer. Todas faziam dieta e se exercitavam, mas a maioria também encontrava outros significados no esforço.
Suponha que você está tentando emagrecer ou prestes a começar uma dieta e, depois do almoço, precisa decidir se come ou não a sobremesa, uma bela e calórica fatia de torta. A decisão lógica é recusar, mas é quando o pensamento mágico entra em ação. O estudo coletou três argumentos que damos a nós mesmos para descumprir o combinado: “Se fiz dieta, mereço esse doce” (retribuição), “Vou comer esse doce porque depois posso me esforçar” (a última ceia) e “Vou comer o doce e tomar remédios para emagrecer” (eficiência).
O mesmo vale para quem está tentando economizar e se vê diante de um celular que vinha querendo comprar. O lógico é não gastar, mas a pessoa pode já ter economizado um pouco e achar que merece o aparelho ou pensar que pode gastar agora, pois é capaz de poupar depois. E outros podem preferir alegar que depois vão ganhar mais dinheiro e nem precisarão poupar.
O lado bom é que o pensamento mágico também funciona para atingir objetivos. Uma participante do estudo, por exemplo, mantinha-se fiel à dieta por achar que merecia emagrecer. E para muitos consumidores, uma solução mágica, como achar que uma compra dará sorte ou um docinho é merecido, pode ajudar a manter a esperança de se controlar depois. Mesmo que custe caro agora.
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