A eles resta orçamento residual mínimo para bancar conta, mais as importantes áreas de infraestrutura e segurança, pela qual são os únicos responsáveis
Se compararmos os resultados fiscais estaduais acumulados em 2015-17 com os relativos aos mandatos precedentes (2011-14), conforme balanços recém-divulgados, os números chocam. Um superávit total de R$ 11 bilhões, na fase precedente, se transformou num déficit de não menos que R$ 35 bilhões, ou seja, uma virada, para pior, de R$ 46 bilhões, cerca de 5,3% da receita estadual de 2011. Assim, ao esconderem seguidos e expressivos atrasos de pagamento não capturados como despesa, os sucessivos superávits divulgados pelo Banco Central para os governos estaduais não espelham o drama vivido por aqueles entes.
Nesses, apenas dez estados viraram para melhor. O maior destaque foi de Alagoas, com uma virada positiva de não menos que 14,7% da receita de 2017. Os demais estados em boa situação de virada foram Espírito Santo (12%); Rondônia (10,7%); Maranhão (8,2%); Mato Grosso do Sul (4,4%); Ceará (4,3%); Piauí (3,3%); Paraná (2%); Amapá (1,7%); e São Paulo (0,4%).
Já nos demais 17 estados as cinco piores viradas foram as de Roraima, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia.
Ou seja, a crise estadual se generalizou e teve grande impacto. Além disso, muitos problemas — tais como despesas engavetadas e caixas “negativos” — vieram transferidos dos mandatos precedentes.
Chamo a atenção dos leitores que boa parte dessa crise se deve à mais longa e profunda recessão de nossa história, cuja duração, para azar dos titulares estaduais, deverá coincidir majoritariamente com os respectivos mandatos. Há não só a queda de receita, como a assunção de serviços que antes eram prestados pelo setor privado e se tornaram impossíveis de serem bancados por pessoas agora desempregadas.
No caso mais dramático do Rio, houve ainda o efeito devastador da desabada do preço externo do petróleo. Primeiro, porque praticamente zerou sua super-relevante receita de royalties; segundo, por ter sofrido mais com a recessão, em decorrência de sua atividade econômica altamente concentrada na cadeia de óleo e gás.
Para os que não herdaram caixas relevantes das administrações anteriores, fica a gigantesca e praticamente impossível tarefa de compensar os déficits acumulados até agora, apenas em 2018, último ano dos atuais mandatos, com superávits equivalentes. Quem não fizer isso será punido fortemente pelas leis em vigor.
Se precisar compensar os déficits acumulados em 2015-17, o plano de recuperação que o governador do Rio conseguiu a duras penas aprovar no Congresso — com quórum de mudança constitucional e contra a vontade da maioria de sua bancada estadual e das autoridades fazendárias — terá de ser capaz de gerar um excedente de R$ 20 bilhões este ano, num país abalado por brutal recessão e outras mazelas. No caso de Minas, que não assinou o mesmo acordo, a conta equivalente mostra que o superávit de 2018 teria de ser ao redor de R$ 13 bilhões, tarefas essas de muito difícil realização. E qualquer frustração das políticas listadas no plano do Rio exige compensação por outras medidas, onde quase não há margem de manobra.
E isso sem falar que, por trás do quadro aqui descrito, está o crescente e hoje muito elevado déficit das previdências estaduais, que sufocam os dirigentes estaduais além do que seria imaginável, pois judiciários, legislativos, ministérios públicos, defensorias públicas, e as áreas de educação e saúde resistem a pagar qualquer parcela dessa despesa. Assim, aos governadores resta um orçamento residual mínimo para bancar essa conta, mais as importantes áreas de infraestrutura e segurança pública (pela qual são os únicos responsáveis). Não é à toa o estado crítico dessas duas.
A propósito, acabo de apurar com Leonardo Rolim que o custo das previdências estaduais para o total dos entes passou de 17% para 22% de suas receitas correntes líquidas de 2015 a 2017. Os casos mais dramáticos, no ano passado, foram os do Rio Grande do Sul, com 43%; de Minas e Rio Grande do Norte, com 38%; Pernambuco, 29%; e Rio, 28%.
Para ser mais realista, essa comparação deveria adicionar aos gastos com previdência as parcelas abocanhadas pelas áreas privilegiadas no Orçamento anteriormente indicadas. Nesse caso, com base em dados de 2016 para o Rio, a marca de 28% passaria para nada menos que 71% da mesma receita.
Em síntese, não se trata de escolher bodes expiatórios, mas adotar a solução correta. Trata-se da criação dos fundos de pensão, que venho propondo há mais de um ano, e que atende simultaneamente ao problema de curtíssimo prazo (compensar déficits acumulados em 2018) e o buraco de prazo mais longo, obviamente com a ajuda de uma reforma das regras da Previdência focada no segmento público.
Raul Velloso é economista
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