Único favor que Lula poderia prestar seria mobilizar o PT em favor da reinstitucionalização do país
Um país tem um encontro marcado com o caos quando desaparecem os Partidos da Política e só restam os Partidos da Polícia. Infelizmente, a imprensa é parte desse processo, mas não do modo como Lula sugere na entrevista de quinta, nesta Folha, à colunista Mônica Bergamo. O ex-presidente faz tudo parecer uma conspiração. Fosse assim, e seria mais fácil reverter o processo de degeneração. Infelizmente, esse casamento se dá em razão de uma contiguidade que tem história —foi a luta contra a ditadura que os uniu—, mas que é pré-cognitiva.
Esses dois entes são movidos por um espírito de purificação que é avesso a qualquer forma de negociação que não esteja baseada numa retidão abstrata, sem correspondência no mundo real. Nota: o PT é, em grande parte, responsável pelo conjunto da obra. Lula tem de reconhecer que o espírito que move os “Deltans & Moros” é filho daquele mote lançado lá no começo dos 80: “Ética na política”. E “ético” será tudo aquilo que “nós, o partido, definirmos como tal”. Não ocorreu a gente como Marilena Chauí, porque isso está além das suas sandálias, que braços do Estado, com sua força repressiva, poderiam se apoderar dessa fala. E isso aconteceu.
Na vida pública, a maximização ou o exclusivismo da ética da convicção termina em guilhotina, forca, cadeia, nunca em avanço institucional. Quantas pessoas Lula e o PT executaram ao longo de sua história? E a cultura vive um momento especialmente favorável à estupidez convicta. Basta ver o que vai nas redes sociais. Com exceções aqui e ali, a curva dos “likes” coincide com a da burrice convicta.
Lula, que foi condenado sem provas no caso do tríplex de Guarujá, viaja na Terra do Nunca quando trata da possibilidade de ser absolvido. Se Cármen Lúcia cumprir a sua obrigação e pautar a Ação Declaratória de Constitucionalidade que decidirá o mérito da execução da pena depois da condenação em segunda instância, há a chance de ele ser beneficiado por um habeas corpus, que terá prazo de validade: até o julgamento do STJ. Não vejo esse tribunal com autonomia suficiente —em relação ao espírito do tempo— para rever a condenação. Teria de reconhecer que houve violações nas chamadas “questões de direito”, o que implicaria a desmoralização disso que ainda é uma religião, embora decadente: o Lava-Jatismo dos Santos dos Últimos Dias de Banânia.
Se Lula quer dar uma contribuição ao país, e não apenas salvar a própria pele, tem de reconhecer que a tal “conspiração” não tem o PT como alvo, mas a política. Ele chega a ter um rasgo de lucidez quando reconhece que Michel Temer foi vítima de uma tentativa de golpe, liderada por Rodrigo Janot. Lembre-se, não obstante, que seu partido votou, então, na Câmara, unanimemente em favor do golpe. Outro esboço de consciência crítica está no reconhecimento de que errou ao aceitar a pressão de natureza sindical em favor da eleição direta para procurador-geral da República. Mas como explicar, em 2003, a um partido formado no sindical-corporativismo que não se entrega tamanho poder a uma corporação imune a qualquer forma de controle democrático?
O único favor que Lula poderia prestar a si mesmo e ao Brasil seria mobilizar o seu partido, em associação com outros do campo adversário, em favor da reinstitucionalização do país. Ele viu a barbaridade de que foi vítima seu amigo Jaques Wagner. Não sei se o ex-governador (BA) e ex-ministro é culpado ou inocente. Mas não concedo ao Partido da Polícia, sob o registro cúmplice da imprensa, o poder de se comportar como juiz numa entrevista coletiva. “Ah, os políticos que tenham compostura!” Nenhum comportamento será bom o suficiente quando inexiste direito de defesa.
Acreditem: um país em que os Partidos da Polícia tomam o lugar dos Partidos da Política será sempre instável e estará condenado à mediocridade, quando não ao caos, porque permanentemente assediado por tentações populistas de direita e de esquerda. O PT flertou com esse baguncismo no passado e terá, quando menos, de fazer um mea-culpa interno par começar a fazer a coisa certa, ainda que eu discorde de cada linha de seus postulados. Fazer a coisa certa, entenda-se, é devolver a política ao domínio da política e a polícia ao domínio da polícia.
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