Com o recuo do PTB, fica consagrado o perigoso entendimento que permite interferências indevidas do Poder Judiciário em atos de competência exclusiva do chefe do Poder Executivo
O impasse sobre a nomeação da deputada federal Cristiane Brasil (PTB-RJ) para o Ministério do Trabalho, terminou. O PTB, “dono” da pasta, nesse peculiar arranjo que caracteriza o “presidencialismo de coalizão” brasileiro, recuou e já procura outro nome para ser confirmado pelo presidente Michel Temer. A ala ligada a Roberto Jefferson, pai de Cristiane, quer efetivar o interino Helton Yomura, mas outros petebistas são refratários ao nome, inclusive Ronaldo Nogueira, o ex-titular da pasta. A dificuldade de emplacar um deputado estaria no fato de que quase todos eles querem disputar algum mandato nas eleições de outubro, e por isso precisariam deixar o ministério em pouco tempo.
Mas o nome do novo titular é o que menos interessa quando se discute as implicações do recuo petebista no arranjo institucional brasileiro: criou-se um perigoso precedente que dá ao Judiciário o poder de atropelar o Executivo em nomeações que, como diz a Constituição em seu artigo 84, são competências privativas do presidente da República.
Desfere-se um golpe decisivo contra as prerrogativas do presidente da República
Em primeiro lugar, há de ser dito que, em uma República decente, Cristiane Brasil jamais seria considerada para um ministério. Mas sólidos critérios morais na escolha dos ocupantes da Esplanada dos Ministérios são algo que tem passado longe do Planalto, nesta gestão e nas anteriores. Ainda assim, o caso de Cristiane Brasil, com seus processos e acordos na Justiça do Trabalho, nem de longe configurava o atentado à moralidade que foi alegado por Leonardo Couceiro, da 4.ª Vara Federal de Niterói (RJ), o primeiro a conceder uma liminar suspendendo a posse marcada para 9 de janeiro. Condenações na Justiça do Trabalho são algo tão frequente no país – situação para a qual também contribuíam o engessamento da legislação antes da reforma trabalhista e o viés de setores da magistratura – que apenas uma minoria daqueles que já assinaram alguma carteira de trabalho na vida passaria incólume a esse escrutínio. De maneira nenhuma isso seria uma circunstância inabilitante. Isso sem mencionar que, anteriormente, dois juízes já tinham negado pedido semelhante, alegando a necessidade de preservar “a própria forma de funcionamento da República”, nas palavras de Ana Carolina de Carvalho, da 1.ª Vara Federal de Magé (RJ).
O governo perdeu todos os recursos no Tribunal Regional Federal da 2.ª Região, mas reverteu a decisão no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Por fim, ainda durante o recesso judicial, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, provocou nova reviravolta e suspendeu novamente a posse de Cristiane, que estava prestes a ocorrer depois da decisão do STJ. Na semana passada, Cármen Lúcia manteve a suspensão e ainda decidiu que a competência para analisar o caso era do STF, não do STJ.
Com o recuo do PTB, parece pouco provável que o plenário do Supremo julgue o caso; assim, para todos os efeitos o entendimento adotado daqui em diante será o que prevaleceu até agora: o de que o Judiciário pode, sim, barrar nomeações com base no critério da moralidade. Ressalte-se que não estamos falando de casos em que a ilegalidade está na própria nomeação – como ocorreu quando Dilma Rousseff tentou fazer de Lula seu ministro da Casa Civil, em evidente desvio de finalidade –, mas de casos em que um magistrado julga que certa pessoa é moralmente inepta para assumir um cargo ministerial. Desfere-se um golpe decisivo contra as prerrogativas do presidente da República. “Não entendo possível que a disfunção no funcionamento de um dos poderes possa ser substituída por decisões judiciais. Caso contrário, seria possível a impugnação de quaisquer nomeações por desafetos políticos ou por questões ideológicas, o que criaria grande insegurança na administração da coisa pública”, completou a juíza Ana Carolina de Carvalho. É até onde as consequências do caso de Cristiane Brasil podem nos levar.
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