Não é a primeira vez que uma parcela de juízes federais se volta para dentro de seu mundo muito particular e, deliberadamente, ignora a realidade do País a que deveriam servir
Um grupo de juízes tenta arregimentar mais colegas de toga para uma greve da magistratura federal prevista para ocorrer no mês que vem. Trata-se de uma reação dos sindicalistas à decisão da ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), de pautar para o dia 22 de março o julgamento das ações que tratam do auxílio-moradia. O STF decidirá sobre a constitucionalidade do pagamento do benefício a todos os juízes do País.
Cabe lembrar que o auxílio-moradia, que atualmente acrescenta R$ 4.378,00 mensais ao holerite dos magistrados, mesmo aos daqueles que residem em imóveis próprios nas comarcas onde atuam, é pago graças a uma decisão liminar concedida pelo ministro Luiz Fux em uma das ações que, no mês que vem, serão julgadas pelo plenário da Corte Suprema.
Ao conceder a antecipação de tutela, em 2014, Fux entendeu que os juízes federais fazem jus ao benefício por se tratar de “verba de caráter indenizatório”, compatível, segundo ele, com o regime de subsídios previsto pela Lei Orgânica da Magistratura (Loman). Verbas indenizatórias não são contabilizadas para efeitos do teto do funcionalismo público.
O ministro Luiz Fux também ressaltou em sua decisão liminar que o benefício já vinha sendo pago a outras categorias profissionais, como os membros do Ministério Público, os ministros de tribunais superiores e a magistratura dos Estados.
O movimento que propõe a greve dos juízes é articulado por um grupo restrito, composto por uma centena de magistrados. No entanto, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), que tem cerca de 2 mil associados, avalia se irá apoiar a paralisação. À luz do viés sindical que a associação resolveu adotar sem grandes melindres ultimamente, não é difícil inferir a resposta.
Em nota, a Ajufe diz que os juízes federais estão “no foco de poderosas forças em razão de sua atuação imparcial e combativa contra a corrupção e as desmazelas perpetradas na Administração Pública”. Ora, é difícil compreender por que juízes não tomariam as medidas que lhes são asseguradas por lei contra qualquer indivíduo ou organização que sobre eles desencadeie “poderosas forças”. Ao que parece, a alegação não passa do puído subterfúgio de reagir a todas as críticas que possam ser feitas aos imorais privilégios concedidos aos magistrados como um ataque direto à própria prestação jurisdicional. Nada poderia estar mais distante da verdade.
Não é a primeira vez que uma parcela de juízes federais se volta para dentro de seu mundo muito particular e, deliberadamente, ignora a realidade do País a que deveriam servir. Sobre alguns desses clubes de juízes deve recair uma parcela da responsabilidade pelo fim da tramitação da imprescindível reforma da Previdência, pelo menos neste ano. Em nome da manutenção de um regime previdenciário injusto e anacrônico, parte dos juízes se engajou em uma forte campanha contra a reforma que tem por objetivo não só tornar o primado da igualdade de todos perante a lei uma realidade no País, mas salvar as contas públicas e permitir que futuras gerações de brasileiros possam viver em condições melhores.
Ao cogitar entrar em greve e privar os cidadãos de um serviço essencial – razão pela qual a “paralisação” é proibida por lei, ainda que a ela se deem nomes pomposos como “valorização da carreira” ou “movimento em defesa da Justiça” – tão somente para defender a manutenção de um privilégio que não se coaduna mais com a realidade do País, esse grupo de juízes federais se mostra, mais uma vez, alheio aos ventos de mudança que em boa hora passaram a soprar no Brasil. Já não há mais lugar para disparates como uma greve de juízes para evitar um julgamento.
A mesma turma que diz estar sob ataque de “poderosas forças” deveria ser a primeira a não acionar essas forças contra instituições como o STF. Não pode ser interpretada de outra forma a ameaça de greve dos juízes federais logo após a inclusão em pauta do julgamento de ações que podem contrariar interesses de classe.
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