Supremo se torna território privilegiado da insegurança jurídica
Sob o pretexto do “periculum in mora” — o perigo da demora —, cumpre a uma ministra do Supremo, no exercício monocrático do plantão judicial, tragar o “fumus boni iuris”, aquela tal “fumaça do bom direito”, e, loucona, dar uma viajada, concedendo uma liminar cuja justificativa é um despropósito de cabo a rabo. Cá comigo, pensei numa adaptação do que já se tornou um clássico de Anitta. Na hora do quadradinho, deve-se cantar: “Vai ministra, eta loca tá brincando com o país”. Ficaria melhor “Banânia” em lugar de “país”, mas preciso do dissílabo para não quebrar o ritmo.
Cármen Lúcia, presidente do STF, concedeu uma liminar, na calada da madrugada, suspendendo a posse de Cristiane Brasil no Ministério do Trabalho. Justo ela! Justo Cármen Lúcia, aquela que esteve no centro do que chamo “conspiração golpista” para derrubar o presidente Michel Temer. Ela própria era tida como a presidenciável indireta do grupo que resolveu fumar, aí em conjunto, todo o “fumus boni iuris” de uma vez só.
Lembro rapidamente: a patuscada de Joesley Batista com Rodrigo Janot só se transformou em duas denúncias porque Cármen permitiu que Edson Fachin, relator no STF dos casos que dizem respeito à Petrobras, fosse o relator de um caso que não era dele, já que a acusação, ainda que verdadeira fosse, nada tivesse a ver com o chamado “petrolão”. Pelas mãos de Cármen, violou-se o princípio do juiz natural. E esse foi só um dos problemas. Tudo o que dali derivou e que se chamou de “Operação Controlada” não passou do mais escancarado flagrante armado. O objetivo final da conspirata, que envolvia até meios de comunicação — com reunião e tudo! — objetivava pôr a agora presidente do tribunal na Presidência da República.
Deu tudo errado. Mas o grupo não desistiu.
Voltemos ao caso.
Cármen suspendeu a posse de Cristiane. O diz-que-diz-que de seu gabinete já havia deixado claro que ela assim procederia. Do tribunal, sai uma nota que diz o seguinte: “[a ministra] suspendeu temporariamente a posse da deputada Cristiane Brasil até que venha ao processo o inteiro teor da decisão do STJ (proferida no sábado). Se for o caso, e com todas as informações, a liminar poderá ser reexaminada”.
Gente que vai tragando desbragadamente o “fumus boni iuris” fica com larica. Sente uma fome descomunal. Fica com vontade de devorar todo o estoque do Estado de Direito, de engolir o que vê pela frente”. Eta loca, vai brincando com o país…
O que Cármen espera encontrar na decisão de Humberto Martins, vice-presidente do STJ, que havia derrubado a liminar que impedia a posse? Que parte da questão ela finge não ter entendido direito?
A liminar originalmente concedida, por espantoso que possa ser, se assenta em dois pilares:
1 – Cristiane não teria currículo para ser ministra do Trabalho. É mesmo? Eu, por exemplo, acho que o currículo de Cármen, que só foi indicada por Lula porque é primeira de Sepúlveda Pertence, é fraco para ser ministra do Supremo. Como ficamos? Com a Constituição. Indicação de ministro do Supremo é prerrogativa do presidente da República, submetida à aprovação do Senado. Dá para chamar o saber jurídico de Cármen de “notório”. De um ponto de vista, digamos, empirista, sim. Onde estão dispostos os pré-requisitos para quem alguém seja ministro de Estado?
2 – Cristiane foi condenada numa ação trabalhista. Ainda que sim, e daí? Quantas vezes o Estado brasileiro foi condenado em ações do gênero? Tornou-se, por acaso, ilegítimo?
Cármen Lúcia sabe muito bem onde está se metendo: ela está dando a sua contribuição à guerra contra a reforma da Previdência, porque é esse o pano de fundo. Todos podemos questionar, é claro, se o PTB não poderia garantir os seus votos em favor da mudança com ou sem ministério. É uma questão legítima. Mas isso não anula o fato de que os que se colocam contra a nomeação da deputada estão, na verdade, é tentando inviabilizar essa mudança.
Estes tempos de Lava Jato estimulam o voluntarismo, o faça-você-mesmo-sua-justiça, o pegue-e-esfole. Juízes, nas mais variadas instâncias, resolveram fazer justiça com a própria toga, ignorando o que vai na lei. Como o conceito de “moralidade administrativa” pode ser muito fluido, todo ato de governo fica, agora, sujeito a uma liminar de juiz de primeiro grau. A situação se agrava quando uma ministra do Supremo cai na vala da demagogia.
E, sim, enfrento tranquilamente a questão da liminar concedida por Gilmar Mendes, que suspendeu a posse de Lula como ministro da Casa Civil. Já escrevi aqui uma vez que eu não a teria concedido. Mas calma lá! As diferenças são berrantes, aberrantes, abissais. Sim, Sérgio Moro tornou públicas, de forma indevida, conversas da então presidente da República, Dilma Rousseff — e deveria ter arcado com as consequências de tal decisão. Mas se tornou um dado inequívoco de que Lula estava sendo nomeado para escapar de uma decisão da Justiça. Nada tinha a ver com um ato de governo, com um propósito de governo, com o seu desiderato.
“E Cristiane? Não é por causa da reforma da Previdência, Reinaldo?” É, sim! E é absolutamente legítimo que um governante faça essa escolha. Você pode gostar ou não de Cristiane; pode gostar ou não da reforma; pode apoiar ou não este governo, mas o propósito da nomeação é o interesse público, ainda que você esteja entre aqueles que acreditam que interessa não fazer a reforma.
Cármen Lúcia, por óbvio, não me surpreende.
Sua decisão é uma emblema do buraco em que estamos nos metendo.
O Judiciário se transformou hoje na maior ameaça à segurança jurídica que há no país.
“Vai, ministra! Eta loca tá brincando com o país”
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