O Rio de Janeiro encanta pelo contraste exuberante da natureza, com faixas estreitas de terra, delimitadas por morros e duas grandes baías, em meio a lagoas e a incontáveis riachos. Tudo converge para o mar com muitas praias, a não ser o inquieto olhar do carioca, sempre a procurar o Cristo Redentor. A bruta e imensa estátua nos comove como um tio adorável cujos defeitos são esquecidos pelo afeto decorrente da longa convivência.
Lisboa é a irmã mais velha do Rio. Um terremoto, seguido por incêndios, destruiu boa parte da cidade em 1755. Poucas décadas depois, a Família Real aportou na colônia e nela reproduziu muito da capital que deixara às pressas com a chegada dos franceses. Lisboa desperta nostalgia e tristeza pela cidade que perdemos.
O Rio preserva, nas áreas ocupadas até 1960, a arquitetura portuguesa em que a rua se confunde com a sala de visitas, com prédios colados à calçada. A moradia em cima e o comércio embaixo convidam à vida andarilha.
Nas décadas seguintes, as intervenções públicas privilegiaram o deslocamento de carros, afastaram os prédios e inventaram obras monumentais. São Conrado era um recanto de casas que subiam a colina e avistavam o mar, cercado por morros. Em 1982, o governo fraturou o bairro com a autoestrada Lagoa-Barra, transformando-o em passagem em meio ao abandono da cidadania que resultou na imensa Rocinha.
Nos anos 1990, Cesar Maia mostrou que podemos fazer diferente ao recuperar as calçadas largas e ao cuidar do mobiliário urbano da Zona Sul.
Em Lisboa é fácil reconstruir os prédios antigos, mesmo no velhíssimo Chiado. A norma impõe pouco: deve-se restaurar a fachada; a construção interna pode ser inteiramente refeita desde que respeite a altura do prédio original; e as vagas de garagem são limitadas.
No Rio, persistem as velhas regras para o restauro, com demandas por vezes inviáveis, que dificultam o uso dos prédios antigos e resultam na deterioração do patrimônio. A burocracia acredita que a sociedade existe para servi-la, preservando seus privilégios às custas da sociedade.
Portugal, por sua vez, enfrentou uma grave crise fiscal e reagiu com um ajuste severo, inclusive na remuneração dos funcionários públicos. As reformas na antiga metrópole permitiram recuperar a sua economia.
Por aqui, optamos pela burocracia em detrimento do espaço urbano e das contas públicas. Somos cúmplices, ao menos por omissão, da autoestrada Lagoa-Barra e da resistência da elite dos servidores públicos às reformas, como no caso da Previdência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário