Será necessário muito mais que a competência técnica do Executivo, neste e no próximo governo, para se implantar o novo regime fiscal
Não basta conter os gastos. Também é preciso gastar melhor, para gerar mais benefícios econômicos e sociais com o dinheiro público – um desafio muito difícil quando o orçamento é quase todo engessado, como no Brasil. Mas até para manter a despesa abaixo do teto constitucional, estabelecido no ano passado, o governo precisará de reformas. Sem isso, o limite será inevitavelmente rompido em pouco tempo. Esta advertência, já repetida várias vezes por membros da equipe econômica e por especialistas do mercado e da academia, é reforçada, agora, por um estudo recém-divulgado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). O trabalho, feito por solicitação do Ministério da Fazenda, é assinado por quatro economistas especializados em política fiscal e foi apresentado como relatório de assistência técnica. A tarefa envolveu discussões com funcionários dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento e do Banco Central e com assessores econômicos do Congresso.
Os autores propõem, num documento de 60 páginas, uma estratégia de longo prazo para a consolidação de um novo estilo de administração das contas federais. O teto de gastos é apontado como componente central do novo regime fiscal esboçado em 2016 e em fase inicial de implantação, mas “o sucesso na implementação do teto”, antecipam, “exige mudanças estruturais, institucionais e processuais”. Só esse conjunto de mudanças permitirá estabilizar a dívida pública, um dos objetivos centrais da nova política econômica, e criar espaço fiscal para custeio dos serviços e a realização das ações prioritárias.
A reforma da Previdência, objetivo imediato do governo, é apenas uma das condições para a consolidação da nova política, segundo os autores do relatório. Um requisito dos mais importantes é tornar o orçamento mais flexível. É preciso mexer nas despesas obrigatórias, na vinculação de receitas e na indexação dos gastos. Como a estrutura orçamentária é muito rígida, o governo só pode, a curto prazo, cortar as chamadas despesas discricionárias, quando é necessário ajustar suas finanças em períodos críticos, de menor atividade econômica e menor receita de impostos e contribuições.
Sem poder comprimir outros itens, o governo acaba podando investimentos, como tem feito nos últimos anos e ainda fará pelo menos em 2018. Essa forma de ajuste prejudica a expansão da economia e dificulta a superação da crise. Além disso, investimentos menores tendem a retardar ganhos de eficiência, fundamentais para o crescimento da produção e da competitividade.
Regras de vinculação, lembram os autores, engessam quase 80% do dinheiro arrecadado pelo governo. Além disso, os gastos previdenciários têm crescido de forma significativa e contínua. Em 1998 representaram 35,5% das despesas totais. Em 2016, 41,3%.
Para tornar o orçamento mais administrável será necessário, portanto, ir muito além da reforma da Previdência e mexer em critérios constitucionais de vinculação e em regras de indexação de gastos. Ao mesmo tempo, será preciso, de acordo com as propostas do relatório, fixar padrões mais eficientes de projeção de receitas e despesas, de controles e ajustes da política orçamentária. É indispensável, enfim, construir uma nova rotina de programação e de gestão de recursos públicos. Isso inclui a revisão periódica de metas.
Os autores do trabalho evitam as complicações políticas, embora questões institucionais estejam envolvidas. Menos diplomático, um artigo de abertura da nova edição da revista Conjuntura Econômica, editada pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, avança nos problemas de relações entre Poderes. Que acontecerá, por exemplo, se o avanço na pauta de reformas for insuficiente, nos próximos anos, para garantir sem muita dificuldade o respeito ao teto de gastos? Que ocorrerá se houver rompimento do teto do Judiciário, um Poder com prerrogativa de interpretar as leis e a Constituição? Não há como desconhecer esse lembrete. Será necessário muito mais que a competência técnica do Executivo, neste e no próximo governo, para se implantar o novo regime fiscal. Se faltarem as condições políticas indispensáveis, o perdedor será o País.
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