A surpreendentemente baixa atratividade da oferta posta na mesa pelos europeus na rodada desse início de outubro das arrastadas negociações do acordo comercial União Europeia-Mercosul sinaliza para um desfecho frustrante. Uma das consequências do resultante estreitamento do horizonte de inserção da economia brasileira é que, com um leque de opções mais restrito, aumentarão os incentivos para que a aproximação com a China, que já vai de vento em popa, ganhe ainda mais velocidade.
O fato novo é que a China, que já é há anos o principal parceiro comercial brasileiro, está agora exercendo um novo e importante papel como origem significativa dos Investimentos Diretos Externos (IDE) que chegam ao país. É certo que compreender esse movimento é crítico para orientar as ações futuras. Porém, tudo é muito recente e por isso mesmo difícil de ser colocado em perspectiva
Primeiro, até o final do século passado, a China era ainda um ator irrelevante como exportadora de capitais. Com a entrada do século XXI, esse cenário transformou-se rapidamente, a ponto de já a partir de 2015 a China ter se tornado a segunda principal origem do IDE mundial, atrás apenas dos EUA. O IDE chinês foi direcionado paras as mais diversas regiões, tendo a América Latina constituído um importante destino. Tradicionalmente, esses investimentos exibem maior relação com a riqueza de recursos naturais do que com a extensão de mercado existente na região.
Segundo, de um par de anos para cá os documentos divulgados pelas autoridades chinesas passaram a emitir sinais de que a ação de internacionalização das empresas está sendo conduzida sob uma nova orientação estratégica. O IDE seria agora parte do esforço nacional chinês de entrada no novo paradigma tecnológico representado pelas trajetórias "digital", "inteligente", "verde" (sustentável), e "conectada" estipulada pelo atual XIII Plano Quinquenal e que constituem a essência do Plano "Made in China 2025". Daí uma esperada ampliação do elenco de setores de destino para serviços e divisões da indústria com maior grau de agregação de valor, cristalizada principalmente na iniciativa "Nova Rota da Seda", que envolve países próximos ao território chinês. Não se sabe ainda se a América Latina fará parte dessa orientação.
Terceiro, somente a partir de 2010 o Brasil tornou-se destino importante do IDE chinês. De acordo com a base de dados construída pelo GIC-IE/UFRJ para um estudo recém-concluído pelo IBRACH, ainda não divulgado, empresas chinesas efetuaram 74 operações de IDE no Brasil entre 2010 e 2016, representando cifras da ordem de US$ 44 bilhões. Quando se acrescentam as operações apenas anunciadas (e ainda não efetivadas) os números crescem para 102 operações ou US$ 52 bilhões.
A questão é que, embora maciça, até agora a entrada de capital se deu de forma muito concentrada em relação tanto as empresas chinesas de origem quanto os setores de destino e os métodos de ingresso. As cinco principais empresas chinesas investidoras no Brasil - duas petroleiras, duas do setor elétrico e uma do ramo mínero-metalúrgico - responderam por quase 80% do total. A maioria das operações foi do tipo "aquisição horizontal", quer dizer, envolviam ativos já existentes no Brasil no próprio setor de atuação da empresa chinesa, com investimentos "greenfield" (capacidade produtiva nova) muito pouco presentes.
Essas características sugerem um padrão de IDE chinês no Brasil muito pontual, mais claramente oportunístico do que estratégico. Por isso, é prematuro inferir tendências desse histórico.
Para o Brasil não é difícil desenhar um mapa de oportunidades atrativas para os capitais chineses caso a reorientação preconizada pelas autoridades chinesas se materialize. Setores como Energias Renováveis, Transportes, Comunicações, Agropecuária, Alimentos e Serviços Sociais, dentre outros, claramente apresentam esse potencial.
Mais difícil, porém, é delinear o rebatimento desse mapa para uma perspectiva construída de acordo com o interesse nacional brasileiro. Em se tratando de áreas com mais fortes encadeamentos industriais, novos riscos e oportunidades se farão presentes. De identificação menos imediata do que os ligados a recursos naturais, dependem de diferentes modelos de negócios, das implicações sobre conteúdo local do investimento e da produção posterior; dos espaços possíveis para a inserção de fornecedores brasileiros em cadeias globais de valor, das possibilidades de estabelecimento de parcerias em P,D&I e assim por diante.
O problema é que na medida em que o estreitamento de opções vai tornando o jogo geoeconômico internacional mais pesado para o Brasil, mais estratégia e mais coesão nacionais se fazem necessárias. E é aí que reside a maior preocupação. Não cabe esperar que um governo frágil, sem legitimidade e obcecado por desmontar consiga reunir qualquer capacidade de propor sequer os contornos de uma estratégia aglutinadora dos múltiplos interesses de tantos atores produtivos envolvidos.
A saída requer que esses atores deixem de se concentrar em transferir os custos do ajuste econômico para os demais, e parem de brigar - sempre sem razão, como garante o dito popular - pelos poucos pães que restam na casa. Além de capitais, a China também é grande exportadora de provérbios. Há um deles que diz que "se dois indivíduos, cada um carregando um pão, se encontrarem em uma estrada e trocarem os pães, cada um seguirá viagem com um pão. Porém, se trocarem ideias, cada um irá embora com duas".
Infelizmente, a maior crise brasileira é a de ideias.
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