É isso mesmo, conforme leio por aí? O governo de Michel Temer existiu — e resistiu — enquanto longamente denunciado o presidente, mas acabou no instante em que derrubada a última denúncia contra ele? É isso mesmo, essa projeção extravagante, essa segundo a qual Temer esteve sólido para sobreviver aos movimentos dos três Rodrigos — à mala de Rodrigo Rocha Loures, ao projeto de poder de Rodrigo Janot e à traição dissimulada de Rodrigo Maia —, tudo, no entanto, para afinal amolecer e sucumbir a partir do dia em que se arquivou a derradeira acusação e, na prática, começou o pós-Janot?
Qual a lógica disso? Qual a racionalidade — senão aquela típica da torcida — em supor que um presidente há meses ameaçado por inéditas denúncias ao Supremo Tribunal Federal, classificado como chefe de organização criminosa pela Procuradoria-Geral da República, e que a todo esse conjunto de pressões institucionais suportou, torne-se fraco quando enfim engavetadas essas ações? Por favor: qual o nexo contido numa formulação dessa natureza?
Friamente, para cálculo objetivo de quem me lê, pergunto: se Temer chegou até aqui, apesar da gravação de Joesley, será provável que não chegue até lá, ao fim de seu mandato, agora que removidos os obstáculos formais erguidos pela delação do açougueiro?
Submetida a uma análise honesta intelectualmente, chafurda na ordem do ridículo a ideia de que a segunda vitória de Temer na Câmara — essa, também sobre o presidente da Casa — seria, porém, marco do fim do governo Temer, a se transformar numa espécie de rainha da Inglaterra (ou, como se falou, ao gosto empresarial, presidente do conselho de administração da firma), e início de uma gestão parlamentarista encabeçada pelo estadista Maia (o CEO da nação-empresa), a se tornar alguém capaz de liderar e propor uma agenda reformista para o país.
Curioso — mas eloquente — é que esse delírio que concebe um Rodrigo Maia primeiro-ministro do Brasil só sai das bocas de seus aliados e de membros da oposição, os petistas e suas linhas auxiliares, todos unidos para impor um discurso cujo objetivo é vender o definhamento político do presidente da República. Mas essa debilidade há? E a pujança de Maia, há?
Para que fique bem claro: não tenho dúvida de que Maia trabalhou contra Temer por ocasião da segunda denúncia — o que dá boa dimensão de sua verdadeira força. Que nos lembremos, portanto, da primeira, a de agosto, aquela — como confessaria sem querer — a que, a favor de Temer, dedicou-se para além do que lhe cabe institucionalmente, e da qual saiu como o maior vencedor. Derrubada — a contar, pois, com o empenho de Maia — com 263 votos.
Veio, então, a sessão que enterraria a última imputação contra Temer. Dessa vez, mais do que sem Maia — que, conforme dissera, apenas cumpriria sua função formal —, tendo o presidente da Câmara contra si. Resultado: 251 votos pelo arquivamento — para ser exato — de Janot. Modestos 12 a menos — eis a musculatura da falsa imparcialidade de Maia.
Um olhar objetivo — numérico — com o qual se pode colocar a assessoria de imprensa de primeiro-ministro em seu devido lugar: se, de fato, não é razoável afirmar que Temer saiu vitorioso do Congresso na quarta-feira, seguro é que Maia, contrariando a narrativa influente, foi o derrotado do dia.
Ocorre que Temer — o finado, de acordo com o jornalismo fantástico — é, no mundo real, o presidente da República, o dono da caneta, senhor das medidas provisórias e, particularmente, eficaz conhecedor do Parlamento, e isso num presidencialismo como o nosso, em que o Executivo detém pegada impositiva quase imperial. Maia, por sua vez, é o poderoso — a energia ascendente e irresistível, segundo a reportagem de fantasia — de um Legislativo, contudo, tísico, mal capaz de aprovar uma reforma, chamada de política, que outros interesses não atendiam senão os dos próprios parlamentares; o que dizer, então, de a Câmara conseguir articular e promover, como protagonista, sob a concepção de Maia, uma agenda de mudanças estruturais.
É preciso ter um pouco de vergonha antes de encampar a tese de que os méritos da evidente recuperação econômica do país — decorrente do trabalho da equipe formada e empoderada por Temer — sejam até de Maia, mas não... de Temer; o que significa lhe interditar o eventual direito de capitalizar o impacto (subestimado) da gestão econômica de seu governo sobre a vida político-eleitoral brasileira em 2018.
Sem alucinação, a pensar no futuro breve, duas possibilidades têm muito mais corpo para se materializar do que aquela — a de que Maia chefiaria um calendário reformista desde o Congresso — veiculada como mais provável; quais sejam: ou (minha aposta) o Brasil jiboiará paralisado até 2019, com o presidente protegido pelos bons indicadores econômicos, ou Temer, impulsionado por ótimos números na economia, conduzirá um enxuto programa complementar de reformas, que incluirá até um puxadinho da previdenciária.
Seja como for, convém tomar cuidado para não tornar pauta — dado da realidade — aquilo que nada mais é que sonho de Rodrigo Maia. Sim. Sei que o CEO sonha alto; mas: calma. No mundo real, a prioridade — a urgência — dele é fazer avançar a lei de abuso de autoridade.
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