A esquerda já tentou a luta armada segundo os dogmas expressos nos mais variados manuais. Nunca deu certo. O mais perto a que chegamos foi a Guerrilha do Araguaia, com o resultado conhecido. A população brasileira, na sua maioria ao menos, não se viu representada por seus métodos sanguinários.
Durante a ditadura, a extrema direita também se organizou para "limpar a sociedade", pondo em prática seus próprios meios de resolução de conflitos: eliminar o adversário. Se eu fosse resumir, seria mais ou menos assim: esquerdistas matam "em nome do povo", e seus assassinos anônimos são apenas o braço armado de uma suposta consciência coletiva. Já a extrema direta tem uma visão miliciana do processo: tentam ser menos a expressão de uma coletividade do que a sua polícia informal. Daí que seja recorrente, nesses grupamentos, a ideia da "autodefesa".
Pois é... A dar crédito a certas palavras, parece que, mais uma vez, vamos assombrar o mundo. A luta armada será travada entre pedófilos e defensores da pedofilia e seus adversários. Não está em manual nenhum. Mas não desconfio de nossa capacidade de assombrar o mundo. Temos a maior pororoca do planeta e um Supremo que ignora o "ato jurídico perfeito" e a "coisa julgada", como fez na votação sobre o Ficha Limpa.
Um grupo de deputados foi ao encontro de Sérgio Sá Leitão, ministro da Cultura. Mandam-me um vídeo que registra o encontro. O porta-voz da turma é o deputado e pastor da Assembleia de Deus Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ). Na conversa com o ministro, ele tenta, a todo custo, arrancar do interlocutor a afirmação de que ocorreu um crime no MAM.
Sá Leitão anui, o que é evidente e eu mesmo já afirmei isso em todos os meios em que trabalho, que o Estatuto da Criança e do Adolescente foi desrespeitado. Mas deixa claro o óbvio: é sua opinião pessoal. Numa democracia de direito, o Poder Executivo não determina o que é crime. Isso cabe à Justiça, segundo leis e códigos aprovados pelo Legislativo.
Não se trata, e nunca se tratou, de ser favorável a que crianças convivam com adultos nus ou de ser contrário. Essa é a falsa questão do moralismo tacanho. À democracia, ao menos àquela que defendo há décadas, cabe modular as várias demandas segundo valores que atendem a toda coletividade, não a grupos específicos de pressão. E qual é o modo de fazê-lo? Sá Leitão disse a coisa certa: defende que a classificação indicativa se estenda também às exposições e que as pessoas que se consideram agravadas recorram à Justiça.
Mas o deputado Sóstenes queria mais. Afirmou: "Nós estamos à beira de termos um problema, e gente sendo ferida, ou até morta, por falta de uma resposta ao 'time' da velocidade da Internet. Porque tudo isso só está acontecendo, e quero aqui fazer registro da visita do Yan, que representa o MBL, que foi quem mais nos ajudou a despertar (...). O que custa uma nota pra gente poder ajudar a tranquilizar as nossas bases (...)? E eu estou aqui como parlamentar me eximindo da responsabilidade e transferindo ao ministro. Porque, se acontecer um problema amanhã, eu não quero ser responsável. (...)"
Trata-se de uma fala inaceitável. Sei o que escrevi quando um representante da CUT, em encontro com a ex-presidente Dilma, ameaçou o país com a reação armada caso houvesse o impeachment. Então seus simpatizantes estão dispostos a morrer e a matar —suponho que no combate à pedofilia e em defesa dos valores da família—, e a responsabilidade caberá ao ministro caso este não faça o que eles reivindicam?
A democracia rejeita o dirigismo cultural, típico de regimes socialistas e fascistas. Pode fazer o que faz o Ministério da Cultura: defender a regulamentação e instar que cada Poder cumpra o que é de sua competência. Até porque, já está claro, essa questão está virando, de um lado, pretexto para o mantra "Fora Temer" —vejam lá "ozartista" da Paula Lavigne. E, de outro, para o "Cuidado, Temer! Não se esqueça da denúncia.
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